Acórdão nº 521/22.4PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. No âmbito dos autos de inquérito n.º 521/22.4PAPTM, que correram termos na Procuradoria da República da Comarca de Faro – DIAP – 1.ª Secção de Portimão, findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra o arguido AA, nascido a 14/11/1991, solteiro, natural de Africa do Sul, filho de (…) e de (…), residente na Rua (…), Portimão, imputando-lhe a prática, em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. b), 2, al. a), 4, 5 e 6 do Código Penal.

1.2. Inconformado com a acusação contra si deduzida, o arguido requereu a abertura da instrução, pugnando pela sua não pronúncia relativamente aos factos/crime por que foi acusado.

1.3. Realizada a instrução, veio a ser proferida, em 18/04/2023, decisão instrutória de não pronúncia do arguido.

1.4. Não se conformando com tal decisão, a assistente BB recorreu para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões: «1 - Considerou o Tribunal a quo não pronunciar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código do Processo Penal.

2 - Pelos pontos que em concreto se considera incorretamente ponderados, no corpo do presente recurso, impõe-se, pelo raciocínio e formulação de pensamento, decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.

3 - Ressalvando o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo ao desconsiderar a versão da assistente, ofendida nos autos, considerando, por outro lado, ainda que com patentes contradições, a versão do arguido.

4 - Quando expectável era que, face a posição deste, viesse negar a prática dos factos descritos na acusação.

5 - Acresce a latente enfermidade do Tribunal a quo, a desconsideração por completo da versão indiciária das testemunhas.

6 - Bem como a possibilidade destas, em julgamento, virem comprovar os factos que se descreve na acusação, bem como no pedido de indemnização civil.

7 - Alcançou, o Tribunal o quo, uma série de conclusões desligadas dos preceitos normativos da realidade, o que levaram a que se afastasse, por inerência de factos, a conclusões subtraídas dos factos, subsumíveis ao direito.

8 - Tendo extrapolado as suas competências no que tangem os limites a este impostos, bem como a observância de todos os indícios ponderáveis e preponderáveis à boa decisão da causa.

9 - Sendo, uma das mais gritantes, a conclusão de que não se consegue auferir a propriedade da casa, sendo certo que, no seu entendimento o arguido poderia lá entrar quando bem entendesse, sendo que o próprio arguido confessou que existia uma ordem judicial em o impedia de entrar na casa onde residia a ofendida, mas este decidira, por bem entender, lá ir.

10 - Bem como adivinhar que impossível seria à mãe da assistente se recordar da chamada telefónica, quando o próprio arguido confessara ter telefonado para a mãe da sua ex-companheira.

11 - Naturalmente inquinada está tal decisão, com a qual não se pode concordar, nem pode concordar a justiça, deixando por julgar um caso grave.

Assim 12 - Deve o arguido ser julgado pelos factos constantes na acusação, pelo crime de Violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. a); n.º 2, al. a), n.º 4 e n.º 5 do C.P.

V/exias. melhor decidirão, fazendo a já habitual costumada justiça.» 1.5. O recurso foi regularmente admitido.

1.6. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, formulando as seguintes conclusões: «1. Esclarece o legislador no art. 283 n.º 2 do CPP, que se consideram suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma medida de segurança”; 2. Está em causa a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito e na instrução e a respectiva integração e enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição do arguido a julgamento pelo crime que lhe foi imputado; 3. E nessa aferição o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127 do CPP); 4. Tais indícios resultam, desde logo, do teor do auto de denúncia e das declarações prestadas pela assistente a fls. 49 a 51, bem como dos depoimentos das testemunhas CC (fls. 72), vizinha e residente no mesmo prédio da assistente e do arguido, da testemunha DD (fls. 225), então camarada da assistente na base naval da Marinha, da testemunha EE (fls. 240), mãe da assistente e da testemunha FF (fls. 258), irmã da assistente; 5. Concluímos assim, que da prova recolhida em sede de inquérito resultam suficientemente indiciados os factos de que depende a eventual condenação do arguido pelo crime de violência doméstica.

Em face do exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, devendo o d. despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que pronuncie o arguido nos termos constantes da acusação.

Porém, V. Exas, como melhor entendimento da LEI, farão J U S T I Ç A» 1.7. O arguido não respondeu ao recurso.

1.8. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer do seguinte teor: «Vem o presente recurso interposto pela assistente do despacho de não-pronúncia do arguido pelo crime de violência doméstica de que fora acusado pelo Ministério Público.

Na sua resposta o magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo concorda com a recorrente.

O despacho de não-pronúncia analisa a prova produzida, considerando que a prova da acusação se fundamenta apenas na versão da ofendida a que o arguido contrapõe versão diferente.

Por outro lado, quanto às declarações da ofendida e da testemunha que diz ter tratado do ferimento na testa da ofendida, refere por exemplo que a ofendida não referiu este fato e por outro lado a testemunha nada refere quanto ao ferimento que o arguido apresentaria, por lhe ter sido provocado pela assistente ao pretender soltar-se… A análise crítica da prova efetuada pelo juiz de instrução não nos parece descabida, sendo que na ausência de qualquer registo documental das lesões torna-se difícil concluir que existem indícios com a probabilidade de levarem à condenação do arguido pelo crime de violência doméstica.

E como se refere no despacho, quanto à ofensa à integridade física não existe queixa formalizada em tempo.

Termos em que não nos parece que exista razão à recorrente.» 1.9. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

1.10. Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir: 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

Delimitação do objeto do recurso Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigo 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).

Assim, no caso em análise, considerando as conclusões extraídas da motivação de recurso apresentada, a questão suscitada é a de saber se dos autos resultam indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos que lhe foram imputados na acusação deduzida pelo Ministério Público e que, no despacho recorrido, foram julgados não indiciados e, nessa decorrência, se o arguido deve ser pronunciado, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. b), 2, al. a), 4, 5 e 6 do Código Penal.

2.2. A decisão recorrida é do seguinte teor: «I - RELATÓRIO A.

O Ministério Público, sob a forma de processo comum e mediante intervenção do Tribunal singular, deduziu acusação contra: AA, (...) imputando-lhe a prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, com as penas acessórias previstas nos n.ºs 4, 5 e 6 do mesmo preceito legal.

B.

Inconformado com a acusação veio o arguido AA requerer a abertura da fase de instrução, na qual enfatiza a ausência de indícios suficientes da prática do crime imputado, pois que a acusação se estriba, quase exclusivamente, na versão apresentada pela vítima, a qual é negada pelo arguido.

Invoca ainda, subsidiariamente, que a existir algum crime seria o de ofensa à integridade física pelo evento alegadamente ocorrido em Junho de 2021, salientando que nesse caso o prazo para apresentação da queixa não foi respeitado.

Pugna, por conseguinte, pela prolação de um despacho de não pronúncia.

*Foi declarada aberta a instrução em 22.02.2023 – fls. 313.

Procedeu-se à inquirição da testemunha GG.

O arguido prestou declarações na presente fase.

*II - SANEAMENTO O Tribunal é competente.

Os sujeitos processuais têm legitimidade para intervir no exercício da acção penal.

Inexistem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à prolação de uma decisão de mérito nos presentes autos – artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

*Procedeu-se à realização de debate instrutório, na presença do arguido, com observância de todas formalidades legais, conforme se constata da respectiva acta.

*Declara-se encerrada a fase de instrução – artigo 306.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

*III - FUNDAMENTAÇÃO A. Da Instrução No sistema processual penal português a sindicância dos motivos imanentes a uma decisão de arquivamento do inquérito ou de acusação tem lugar através da fase de instrução, que é da competência de um juiz e tem cariz facultativo – ex vi artigo 286.º do Código de Processo Penal.

A...

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