Acórdão nº 4792/17.0T9LSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo comum n.º 4792/17.0T9LSB do Juízo Local Criminal de Abrantes, Comarca de Santarém, para além de outros, o arguido AA foi submetido a julgamento e, realizada a audiência, foi proferida sentença em que foi decidido, na parte que ora releva: “… b) CONDENAR O ARGUIDO AA, pela prática, em autoria material, de UM CRIME DE ACESSO ILEGÍTIMO AGRAVADO, p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, nº 2 e nº 4, al. a) da Lei do Cibercrime, com referência ao art. 2.º, al. a), do mesmo diploma legal, na pena de 2 (DOIS) anos e 1 (UM) mês de prisão.

  1. Suspender a pena de prisão mencionada em b) por igual período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP – cfr. art. 50.º, nº 1 do Código Penal; d) Submeter a suspensão da execução da pena de prisão do arguido AA, nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3 e art 52º, n.º 2, al. a) e f), ambos do Código Penal nas seguintes REGRAS DE CONDUTA: 1. Não exercer a profissão de técnico informático ou de funções inerentes à engenharia informática.

    1. Frequentar programas de educação cívica e de cidadania, de modo a educá-lo a viver em sociedade e em obediência ao Direito.

    2. Na realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP, onde deverão ser trabalhadas as competências pessoais do arguido no sentido de o mesmo se abster da prática de crimes seja de que natureza for, educando-o para o direito e DEVENDO AS ENTREVISTAS SEREM DIRECIONADAS PARA A EDUCAÇÃO CÍVICA E INTERIORIZAÇÃO DE QUE A LEI, DECISÕES JUDICIAIS e ORDENS EMANADAS POR AUTORIDADES COMPETENTES SÃO PARA SER CUMPRIDAS E RESPEITADAS; 4. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social.

    3. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos da sua inserção laboral e respetivos rendimentos auferidos.

    4. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso.” Naquela audiência de julgamento, a assistente veio desistir da queixa apresentada contra os arguidos (cf. req.º de 04.01.2023 – ref.ª 9308648), a qual foi aceite por todos os arguidos (cf. ref.ª 9334146, 9334147, 9337254, 9337394, 9337525 e 9343134), a qual foi homologado por despacho de 25.01.2023 (ref.ª 92311842), mas apenas quanto ao crime de natureza semipúblico que o arguido AA vinha pronunciado, ou seja, um crime detenção, distribuição e venda de dispositivos ilícitos, prosseguindo os autos para apuramento da responsabilidade dos arguidos quanto crime de acesso ilegítimo na forma agravada.

      Foi, ainda naquela, comunicada uma alteração não substancial dos factos e concedido o direito ao prazo de defesa para exercício do contraditório, conforme resulta do despacho de 27.03.2023 (cf. ref.ª 92932880).

      Dessa decisão condenatória veio o arguido AA interpor recurso, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões: “I- A douta sentença que condenou o arguido, e ora sob recurso, carece de fundamento de facto e de direito, pelo que se afigura passível de reparo.

      II- Mostra-se incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada em 38. a 41 de FACTOS PROVADOS, os quais deveriam ter sido dados como não provados caso o douto Tribunal a quo tivesse efectuado uma criteriosa e cuidada apreciação da prova pericial, a qual se presume subtraída à livre apreciação do julgador.

      III- O douto Tribunal a quo violou, assim, a norma do artº 163º, nº 1, do Código de Processo Penal.

      IV- Desconsiderando o resultado da prova pericial, cujas conclusões afirmam, peremptoriamente, a ausência de quaisquer elementos relacionados com a prática de cardsharing, o douto Tribunal a quo também incorreu em erro ao declarar provados os factos constantes de 8. a 18., 20., 27. e 31. a 37. de FACTOS PROVADOS.

      V- O douto Tribunal a quo violou, assim, a norma do artº 163º, nº 1, do Código de Processo Penal.

      Para além disso, caso assim se entenda, VI- Não julgando provados os factos descritos em 38. a 41. e considerando a desistência de queixa apresentada pela assistente, que o arguido aceitou, deve determinar o arquivamento dos autos.

      VII- Assim não procedendo, o douto Tribunal a quo violou as normas contidas nos artºs 6º, nº 6, da Lei do Cibercrime e 116º, nº 2, do Código Penal.

      VIII- A douta sentença ora sob recurso não considerou, como devia, a conduta do arguido em termos da reparação das consequências do crime, tendo presente o douto requerimento apresentado pela assistente em 4 de Janeiro de 2023 declarando estar ressarcida dos danos causados.

      IX- O Tribunal a quo violou, assim, a norma do artº 71º, nº 2, do Código Penal.

      X- Em face de a assistente se declarar ressarcida dos danos causados e de 49. de FACTOS PROVADOS, o douto Tribunal a quo podia, e devia, aplicar ao arguido uma pena de multa, a qual realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

      XI- O douto Tribunal a quo violou, assim, a norma do artº 70º do Código Penal.

      XII- Em face de a assistente se declarar ressarcida dos danos causados e de 49. de FACTOS PROVADOS, o douto Tribunal a quo podia, e devia, aplicar uma pena de prisão em medida inferior a um ano e substituí-la por uma pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

      XIII- O douto Tribunal a quo violou, assim, as normas contidas nos artºs 45º, nº 1 e 58º, ambos do Código Penal.

      XIV- A regra de conduta determinada pelo douto Tribunal a quo, que implica para o arguido não exercer a profissão de técnico informático ou funções inerentes à engenharia informática, não se mostra vinculada à necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes e, atendendo à sua extensão e implicação na situação de emprego do arguido, é desproporcionada e desadequada face aos fins preventivos de reintegração do agente e sua socialização e de protecção dos bens jurídicos que implica o afastamento do arguido da prática de crimes, sendo, ao mesmo tempo, exigido ao arguido que informe e comprove a sua inserção laboral e rendimentos auferidos depois de o submeter a uma situação de desemprego forçado.

      XV- O douto Tribunal a quo violou, assim, a norma contida no artº 52º do Código Penal, por força da obediência à norma contida no nº 2 do artº 18º da Constituição da República Portuguesa.” Termina no sentido de proceder-se à alteração da matéria de facto provada, nos termos constantes das Conclusões II e IV, revogando-se a douta sentença e, consequentemente, absolvendo o arguido do crime por que vinha acusado, ou, caso assim não se entenda, considerando a desistência da queixa, determinar o arquivamento dos autos, ou, caso assim não se entenda, aplicar ao arguido uma pena de multa, ou, assim não se entendendo, aplicando ao arguido uma pena de prisão em medida inferior a um ano, substituindo-a por uma pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, ou, caso assim não se entenda, aplicando ao arguido uma pena de prisão suspensa na sua execução, sujeitando o arguido às regras de conduta descritas em 2., 3., 4., 5. e 6. De IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO – DAS REGRAS DE CONDUTA.

      O M.º P.º respondeu, concluindo, singelamente, que “deve ser parcialmente provido o recurso” Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que manifesta: o tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo ao tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127º do C.P.P.

      Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.

      II.

      Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

      No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as quais, conforme jurisprudência constante e pacífica, delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271), as questões suscitadas são: 1. Erro de julgamento quanto aos factos dados como provados, constantes em 8 a 18, 20, 27, 31 a 37, e 38 a 41; e 2- Erro de julgamento em matéria de direito quanto à integração jurídica/qualificação dos factos no ilícito por que veio a ser condenado; 3. Erro de julgamento em matéria de direito quanto à pena aplicada, por desproporção e desadequação da mesma; 4. Erro de julgamento em matéria de direito por relação à regra de conduta que lhe foi fixada.

      Da sentença recorrida consta, na parte ora relevante: “Factos Provados: 1. No período compreendido entre 2016 e 19/07/2018, a sociedade comercial “NOS Comunicações, SA”, assistente nos autos, tinha como principal atividade comercial a prestação de serviços de fornecimento de televisão digital, internet voz e dados, para todos os segmentos de mercado.

    5. O serviço de televisão digital era prestado através das seguintes plataformas: a. Broadcast Cabo/FTTH (“fibra”); b. Satélite (DTH); c. Over-the-top (PC & Apple/Androide); 3. Nas primeiras duas modalidades, os conteúdos encontravam-se protegidos por um sistema de acesso condicional que recorre a tecnologia baseada em cartões descodificadores (smartcards).

    6. Esta tecnologia permitia que o sinal de televisão digital fosse recebido em formato codificado, vindo a ser descodificado pelo smartcard e comunicado em formato aberto ao aparelho recetor de televisão, permitindo ao utilizador visualizar os conteúdos transmitidos.

    7. Desde, pelo menos o ano de 2016 e até 19/07/2018, vigorou entre a assistente, NOS –...

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