Acórdão nº 055/23.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução25 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso por oposição de decisões arbitrais Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “A... Unipessoal, Lda.” 1. RELATÓRIO 1.1 Em representação da AT, veio a Fazenda Pública interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.

), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 13 de Março de 2023 no processo n.º 334/2022-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=7005.

). Invocou oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 11 de Maio de 2020, no processo n.º 333/2019-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=4780.

) e apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro), «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».

  2. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

  3. Desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que: a) As situações de facto sejam substancialmente idênticas; b) Haja identidade na questão fundamental de direito; c) Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e d) A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

  4. Pretendem as presentes alegações demonstrar que, no caso vertente, se encontram reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.

  5. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

  6. E sendo ainda que a oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

  7. Para o que interessa para o presente recurso, subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada factualidade constante nas nossas alegações supra, para cuja leitura se remete.

    I. Subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada factualidade constante nas nossas alegações supra, para cuja leitura se remete.

  8. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, dado que, em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida deduzem IVA, o qual foi desconsiderado pela AT, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA.

  9. Em ambos os casos, as sociedades fornecedoras apresentam uma falta de estrutura empresarial e de pessoal, apresentam ausência de património, falta de documentos de transporte, curto período de laboração, impossibilidade de contactos com os gerentes, falta de entrega de elevados montantes de IVA por essas empresas ao Estado, no sentido de evidenciar a impossibilidade de os serviços que justificavam as facturas emitidas em benefício da ora Recorrida corresponderem a operações efectivamente reais, prestadas por aqueles fornecedores.

    L. Em ambos os casos, os sujeitos passivos alvo de inspecção não dispõem de contratos, comunicações escritas, requisições, orçamentos, e-mails trocados com as empresas fornecedoras dos produtos que adquiriam.

  10. Além daquela identidade fáctica, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  11. Em causa, em ambos os acórdãos estava em causa determinar se a exclusão do direito à dedução do IVA operada pela AT e suportado pela ora Recorrida nas facturas em apreço nos autos, com fundamento no artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA por operações simuladas, está ou não conforme a lei.

  12. Com efeito, no acórdão fundamento entendeu-se que, perante operações consideradas simuladas e facturação falsa, «a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua actuação e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar terem sido declarados custos que não se verificaram, e com a prova perante o Tribunal da pertinência desse juízo, ou seja, com a prova perante o Tribunal da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que tais custos não ocorreram. Por outras palavras, basta à AT evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade. Para este efeito, pode recorrer à prova indirecta, i.e., a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, p. 154.

    […] A AT também não necessita de fazer prova da existência de um acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros, conforme previsto no artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende».

  13. No âmbito do acórdão fundamento foi entendido que o ónus que impende sobre a AT a propósito da prova acerca das operações simuladas e bem assim da facturação falsa pode ser efectivada através factos indiciadores dessa realidade, capazes de abalar a veracidade das declarações dos contribuintes, de modo indirecto, não se exigindo a prova da existência de um acordo simulatório entre o ali sujeito passivo e as empresas suas fornecedoras.

  14. Ainda no acórdão fundamento foi acrescentado que: «Trata-se de indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de as facturas desconsideradas não titularem operações reais. Não tem razão a Requerente quando afirma que apenas foram recolhidos factos imputados às empresas emitentes das facturas e que a AT se alheou da realidade ao extrapolar esses factos reconduzindo à Requerente o que de errado se passava com os seus fornecedores. Não foi (apenas) porque aqueles fornecedores não tinham estrutura ou capacidade para realizar as vendas (que não tinham) que a AT concluiu, da forma simplista que a Requerente expõe, que não lhe comprou a mercadoria. A AT não se bastou com a recolha de indícios de falsidade por parte dos emitentes das facturas».

  15. Por seu turno, o acórdão arbitral de que se recorre, entendeu, diversamente, que: «Neste âmbito ao ónus da prova, quando a AT desconsidera facturas que reputa como falsas, aplicam-se as regras previstas no art. 74.º da LGT, competindo fazer prova da verificação dos pressupostos que legitimam a sua actuação, ou seja, que existem indícios sérios de que as operações não correspondem com a realidade passando, então, a incidir sobre o sujeito passivo o ónus da veracidade da transacção. Sendo verdade que a AT conclui que as empresas fornecedoras da Requerente não apresentariam estrutura que lhes permitisse executar a produção das peças de roupa interior e que inexistem guias de transporte ou até de controlo, mas, estes factos não permitem indiciar que o trabalho não foi, de facto, executado. A verdade é que nenhum indício foi apresentado pela Requerida para demonstrar que, de facto, e independentemente da estrutura das empresas fornecedoras, o trabalho não foi feito, mormente tendo em conta que o mesmo foi integralmente facturado e pago; não incumbindo à Requerente averiguar – ainda que o tenha feito como consta de declarações de não dívida de uma das empresas fornecedoras – a situação empresarial ou fiscal dos seus fornecedores. I.e., para haver simulação, como resulta da decisão transcrita, seria necessário que a AT tivesse reunido elementos que relacionassem a Requerente com o esquema que imputa às empresas fornecedoras. O que, não só não faz, como nem sequer o alega. Partindo para uma conclusão cujos factos que lhe estão subjacentes em nada se relacionam com a Requerente.

    E a AT não só não o demonstra como se pode concluir, face aos elementos constantes dos autos, que as operações são efectivas ainda que a confecção não fosse realizada pelas empresas fornecedoras mas eventualmente subcontratadas por estas a terceiras, facto que a AT nem sequer alega e nem...

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