Acórdão nº 170/11.2TVPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução12 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BPN – Banco Português de Negócios, S.A., BPN – SGPS, S.A., SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., PLEIADE – Investimentos e Participações, SGPS, S.A., e CNE – Cimentos Nacionais e Estrangeiros, S.A.

, alegando, no essencial, o seguinte: que, por conselho de BB, funcionário do BPN, que já antes conhecia por ter sido funcionário de outro banco de que os seus pais eram clientes, aceitou abrir contas à ordem no referido Banco, para onde transferiu parte do seu dinheiro, passando, desde então, o referido funcionário a deslocar-se a casa dos pais da A., onde esta residia, para recolher assinaturas, levantar dinheiro para depósito e dar conta dos investimentos feitos. Dada a confiança que nele depositavam os pais da A. e os anos de relação bancária que tiveram, por intermédio do mesmo funcionário, neste e noutro banco, a mesma A., tal como tinham feito os seus pais, investiu algumas das suas poupanças num fundo imobiliário que o referido funcionário recomendou e que sempre se revelou rentável e seguro, até que, em 2008, sem que a A. o tivesse ordenado ou disso sabido antecipadamente, o dito funcionário resgatou a maior parte das unidades de participação que a A. tinha no fundo imobiliário e comprou papel comercial da CNE no valor de €150.000,00 em nome daquela. Alega que só posteriormente o referido funcionário lhe comunicou tais operações dizendo tratar-se de um produto novo do BPN, sem qualquer risco no reembolso do capital e no pagamento dos juros, que se venceria em 22.02.2009. Após as notícias da nacionalização do Banco BPN, a A., tal como os seus pais, questionou o funcionário em causa sobre o risco de não reembolso do capital investido, tendo todos sido tranquilizados que estava garantido pelo banco o pagamento do capital e dos juros como se de um depósito a prazo se tratasse. Alega que, aquando do vencimento, em 22.02.2009, o Banco nada lhe creditou, até 26 de Fevereiro e 4 de Maio desse ano, em que, respectivamente, pagou €3.413,36 e €3.408,00, nada mais tendo sido pago até hoje.

Alega ainda que é investidora não qualificada, que não foi devidamente informada sobre os produtos subscritos pelo Banco, que este sempre soube que preferia investimentos seguros do tipo de depósitos a prazo e que o investimento feito foi de risco e sem o seu prévio aconselhamento e até autorização. Invoca as relações de domínio/grupo entre as várias RR. para justificar a sua demanda conjunta e o prévio conhecimento, por parte de todas, do risco inerente ao papel comercial CNE, dada a situação desta empresa do grupo que apenas internamente era conhecida.

Peticiona o pagamento dos valores que lhe deviam ter sido creditados em 22.02.2009 acrescidos de juros vencidos, no total de €163.654,26.

Devidamente citadas, todas as RR. contestaram, impugnando os factos alegados pela A..

  1. Por força de sucessivas declarações de insolvência das RR., SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., PLEIADE – Investimentos e Participações, SGPS, S.A., e CNE – Cimentos Nacionais e Estrangeiros, S.A., e da desistência do pedido quanto à R. BPN SGPS, S.A., os autos prosseguiram para julgamento apenas contra o Banco BIC Português, S.A.

    , sucessor do BPN, S.A.

    , o qual se defendeu, alegando, em suma, que a A. não era uma investidora leiga, que a sua relação (tal como a dos seus pais) com o funcionário bancário que adquiriu em seu nome papel comercial CNE era de amizade, sendo esta proximidade que justificava que fosse ele a decidir as melhores aplicações para o dinheiro que a A. depositara no banco, respeitando o seu perfil de investidora, tendo autorização desta para proceder às compras/operações que tivesse por boas sem a consultar previamente.

    Acrescentou que, à data da aquisição do papel comercial CNE, este era um investimento seguro, nada fazendo prever o não reembolso do capital que decorreu de circunstância superveniente e imprevisível, a saber, a forma de nacionalização do Banco. Finalmente, alegou que o Banco R., através do dito funcionário, transmitiu à A. todas as informações relevantes sobre o produto em causa.

  2. Foi proferida sentença com a seguinte decisão: «Nestes termos julga-se a acção parcialmente provada e parcialmente procedente e, em consequência: 1 – Condeno o Réu a pagar aa Autora a quantia de 150 000 € a que acrescem juros vencido[s] e vincendos, à taxa legal, desde 17-02-2011 e até efectivo e integral pagamento.

    2 – Absolvo o Réu do demais pedido.».

  3. Inconformado com a decisão, o R. BIC, S.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    Veio a ser proferido acórdão que julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

  4. Novamente inconformado, veio o R. BIC, S.A. interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

  5. Por despacho do relator de 15.03.2021 foi exarado o seguinte: «A revista tem por objeto questões que têm a ver com a jurisprudência que virá a ser fixada no âmbito do processo de uniformização de jurisprudência nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – onde, na sequência de mudança de Relator, se aguarda a designação de data para a continuação do respetivo Plenário.

    Assim, há todo o interesse em que se aguarde pela jurisprudência que ali vier a ser fixada.

    Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos artigos 296º, nº 1. al. c) e 272º, nº 1 do CPC, determino a suspensão da instância até que seja proferido acórdão uniformizador naquele processo.».

  6. Entretanto, tendo o processo sido redistribuído à presente relatora, por jubilação do primitivo relator, em 13.04.2021, foi proferido despacho a manter a suspensão da instância.

  7. Posteriormente, no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, transitado em julgado em 19.09.2022, e publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022, pelo qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

  8. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

  9. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

  10. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

  11. Em 05.12.2022, foi proferido despacho da relatora, no qual, para o que ora importa, se exarou o seguinte: «2. Como resulta do n.º 1 do respectivo n.º 1, a decisão uniformizadora supra transcrita reporta-se ao regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

    Ora, nos presentes autos, a subscrição do produto financeiro teve lugar no ano 2008, em data posterior, portanto, à data da entrada em vigor (1 de Novembro de 2007) da reforma do Código dos Valores Mobiliários realizada pelo referido Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, conforme previsto no art. 21.º deste diploma legal. Razão pela qual o AUJ proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A não permite, por si só, resolver plenamente as questões objecto do recurso de revista dos presentes autos.

    Verificando-se que se encontra pendente recurso para uniformização de jurisprudência a ser proferido no Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, no qual os produtos financeiros em causa foram, em parte, subscritos após ter entrado em vigor a referida reforma do Código de Valores Mobiliários, a apreciação do objecto do presente recurso de revista está dependente da decisão que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência admitido em tal Processo.

  12. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 272.º, nº 1, do Código de Processo Civil, mantém-se a suspensão da instância até que o recurso para uniformização de jurisprudência admitido nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A seja julgado.».

  13. Entretanto, no Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, veio a ser proferido Acórdão do Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal, que transitou em julgado em 01.06.2023, pelo qual se decidiu: «Termos em que, confirmando o teor da decisão singular do Juiz Conselheiro relator proferida em 2 de janeiro de 2023, decidem em conferência, ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil, por impossibilidade e/ou inutilidade superveniente da lide recursória, julgar extinta a instância e ordenar o oportuno arquivamento dos autos».

  14. Declarada cessada a...

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