Acórdão nº 31/21.7GCBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelISILDA PINHO
Data da Resolução03 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 31/21....

que corre termos pelo Juízo Local Criminal ... [Juiz ...], do Tribunal Judicial da Comarca ..., a 09 de março de 2023, foi proferido o seguinte despacho [transcrição]: “(…) Veio o arguido AA requerer a suspensão dos presentes autos de processo crime, nos termos do art. 7º, do Código de Processo Penal, alegando a existência de causa prejudicial que não pode ser resolvida no processo penal.

Alega, em síntese, que intentou junto do TAF ... uma acção de impugnação de acto administrativo, que corre os seus termos com o n. º 583/23...., cujo objecto é, nas suas palavras “precisamente, a declaração de nulidade do acto administrativo cuja desobediência é alegada no processo crime e que dá lugar à acusação pelo crime de desobediência”.

A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu se solicitasse, ao referido processo, certidão da Petição Inicial, eventual Contestação, e decisão final, caso a mesma já tenha sido proferida.

O arguido AA, veio em requerimento posterior, juntar cópia da petição inicial de tal acção de impugnação de acto administrativo, pugnando, novamente, pela suspensão ou, pelo menos, pelo adiamento da audiência de julgamento.

Em face da junção ora efectuada, não se mostra necessária a solicitação da certidão, tal como promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público.

Cumpre apreciar e decidir.

Da leitura da petição inicial do processo n. º 583/23...., do TAF ..., aparenta que a Ilustre Mandatária pretende impugnar um alegado “acto administrativo” que não autorizou a realização do jantar comício, que teve lugar em ..., no passado dia 17-01-2021, acto esse que, segundo percebemos estará contido no email, assinado por BB, Autoridade Saúde Pública, que consta de fls. 16 verso dos nossos autos, e no qual se pode ler “concordo com o parecer, pelo que não é de autorizar”.

Ora, sem apelar, desde logo, ao princípio da suficiência do processo penal, basta a mera leitura da pronúncia – que remete na íntegra para a acusação pública de fls. 200 – para percebermos que, em lado algum se afirma, que os arguidos desobedeceram a qualquer acto administrativo, seja ele qual for.

Na realidade, é vítreo da acusação que os factos que fundamentam a mesma são relativos a uma desobediência à lei e não a qualquer acto administrativo de autorização ou, melhor, de não autorização do referido jantar comício, acto esse que, sempre diremos, sequer temos conhecimento que tenha existido.

Assim sendo, a acção de impugnação de acto administrativo intentada junto do TAF, nenhuma relevância assume para o julgamento do crime aqui imputado aos arguidos, não sendo por isso causa de suspensão dos presentes autos.

Indefere-se, em conformidade, a pretensão do arguido AA.

Mantém-se, ainda, a data designada para a realização da audiência de julgamento.

Notifique.”» I.2 Recurso da decisão Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, para este Tribunal da Relação, o arguido AA, melhor identificado nos autos, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) 1. O princípio da suficiência do processo penal, vem plasmado no artigo 7.º do Código de Processo Penal, que dispõe que “O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.”, sendo certo que o n.º 2 reconhece que “Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.” 2. Este “princípio da suficiência do processo penal” determina que o processo penal é adequado ao conhecimento de todas as questões que sejam necessárias à decisão de mérito, assegurando assim a continuidade do processo.

  1. No entanto, este princípio não implica a exclusividade do processo penal para a resolução de todas as questões de outro carácter, nomeadamente, questões de natureza administrativa ou fiscal, cuja resolução se mostra necessária para aferir da prática ou não de acto criminoso.

  2. Na verdade sempre que se verifiquem questões prejudiciais que pela sua especialidade não possam ou não devam ser decididas no âmbito da instância penal, pode ocorrer a suspensão do processo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo referido, de forma a que a questão prejudicial possa ser decidida pelo tribunal materialmente competente.

  3. Segundo o Juiz Conselheiro Francisco Marcolino de Jesus, “Questões prejudiciais são todas as questões jurídicas, com exclusão de questões processuais, que possuindo objecto ou natureza diferente da questão principal (objecto do processo), no processo principal em que surgem, são autónomas quanto ao objecto e, por vezes, até mesmo quanto à natureza, cujo conhecimento prévio se afigura indispensável para que o tribunal decida do mérito da questão principal, pois a boa decisão desta, depende do esclarecimento da questão prejudicial”.

  4. Ou ainda, segundo Germano Marques da Silva “Questão prejudicial é a questão jurídica concreta que, embora autónoma quanto ao seu objecto relativamente à questão principal do processo em que surge e podendo por isso ser objecto próprio de um outro processo, se revela como questão condicionante do conhecimento e decisão da questão principal”.

  5. Ora in casu os Arguidos intentaram acção administrativa para impugnação de acto administrativo, que corre termos no TAC ..., Unidade Orgânica 3, com o número de processo 583/23...., cujo objecto é, precisamente, a declaração de nulidade do acto administrativo cuja desobediência é alegada no processo crime e que dá lugar à acusação pelo crime de desobediência.

  6. O crime de desobediência, previsto no artigo 348.º do Código Penal, determina que “1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.” 9. A este respeito, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 1 de Julho de 2003, referindo-se ao crime de desobediência determina que “São elementos do crime, por um lado, a existência de uma ordem formal e substancialmente legal ou legítima e, por outro, é necessário que a mesma dimane de autoridade ou funcionário competente.” 10. Deixando claro que caso a referida acção seja procedente e, em consequência, o acto seja declarado nulo, tem um impacto directo no actual processo crime, uma vez que não pode existir desobediência a um acto juridicamente inexistente ou, por outras palavras, se a ordem dada não for legítima e não o será se for considerada nula, não podem considerar-se preenchidos os requisitos para a prática do crime de desobediência.

  7. No caso em apreço, para além da prejudicialidade evidente, existe também uma ordem jurisdicional própria - a administrativa-, com competência exclusiva para resolver questões do foro administrativo.

  8. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.11.2005, podemos ler que “(...) como é sabido, se consagra no art.º 7° CPP o princípio da suficiência do processo penal, isto é a sede própria para decidir todas as questões que nele interessem à decisão final é o processo penal. Contudo, essa suficiência não tem o caráter absoluto, como resulta desde logo do n.º 2 da referida disposição legal ao estabelecer que, quando para se conhecer da existência de um crime for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. E acrescenta, “a acção penal fica dependente daquilo que vier a ser decidido relativamente à questão prejudicial. Nestes casos, dúvidas não há de que as decisões proferidas sobre as questões prejudiciais que determinaram a suspensão da acção penal terão, nesta, o efeito de caso julgado.” 13. Uma vez que o Arguido já intentou a competente acção judicial junto do Tribunal Administrativo, importa que ocorra a suspensão do processo penal para que um processo não esteja dissociado um do outro, pelo que o Arguido em consequência, requereu junto do tribunal a quo a suspensão do processo, nos termos do art. 7.º, n.º2, do CPP.

  9. Em resposta, a Exma. Juíza a quo, indeferiu o pedido alegando que “É vítreo da acusação que os factos que fundamentam a mesma são relativos a uma desobediência à lei e não a qualquer acto administrativo de autorização ou, melhor, de não autorização do referido jantar comício, acto esse que, sempre diremos, sequer temos conhecimento que tenha existido”.

  10. E acrescenta “Assim sendo, a acção de impugnação de acto administrativo intentada junto do TAF, nenhuma relevância assume para o julgamento do crime aqui imputado aos arguidos, não sendo por isso causa de suspensão dos presentes autos.” 16. Estas afirmações são particularmente relevantes na medida em que, o crime de desobediência pressupõe a existência de uma ordem formal e substancialmente legal ou legítima e que a mesma dimane de autoridade ou funcionário competente, basta para tanto consultar o art. 348.º do Código Penal.

  11. Ora a Exma. Juíza a quo, admite, assim, que desconhece a existência de uma ordem desobedecida e alega que a desobediência se deveu à lei e não a ordem, o que pode colocar em crise todo o processo.

  12. Importa ainda mencionar que se pode depreender do referido despacho de indeferimento que a Juíza a quo considera que existe não desobediência a uma ordem mas sim ao Decreto n.º 3- A/2021 da Presidência do Conselho de Ministros.

  13. Acontece que, tendo já questão idêntica sido suscitada junto do...

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