Acórdão nº 114/12.4PBBGC.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA VARIZO MARTINS
Data da Resolução03 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO No processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo com o nº 114/12....., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Central Cível e Criminal -Juiz ..., realizado julgamento, foi proferido acórdão, no dia 27 de Abril de 2015, depositado no mesmo dia, com o seguinte dispositivo (na parte que releva): “Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente provada e procedente, nos termos sobreditos, e, consequentemente: (…) D) Como autor de um crime de receptação dolosa, do nº 1 do art. 231º C. Penal, condenam o arguido AA na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.” Inconformado com tal decisão, o co-arguido AA dele interpôs o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem: “1 – Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nestes autos que julga a acusação pública parcialmente procedente e condena o recorrente como autor de um crime de recetação dolosa, do nº 1 do artº 231º do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva, 2 – Visa o presente recurso apreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto e a sua falta de fundamentação; a - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício da alínea a) do nº 2 d artº 410º do CPP; b - Vício de erro notório na apreciação da prova – alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP; c) - Falta de fundamentação da medida da pena- nulidade prevista no artº 379º nº 2 al. a) do CPP; d) e aplicação de uma pena desproporcionada e desajustada.

4 – No Acórdão recorrido não se encontra a representação do preenchimento do tipo legal como resultado possível ou provável da conduta, traço comum, quer ao dolo eventual quer à negligência comum.

5 – Não se encontrando demonstrado que o recorrente comprou e quis comprar o LCD e que sabia da sua proveniência; Aparelho aquele que foi restituído.

6 – Todavia, no Acórdão recorrido ocorre um segmento de indefinição fáctica, que tanto pode ser preenchido por factualidade integradora de dolo eventual como de culpa consciente, pelo que, não se pode considerar verificado o elemento subjetivo do crime de recetação na forma dolosa.

7 – Uma vez que o Acórdão recorrido implicitamente considerou verificados todos os elementos do crime de recetação dolosa, mas a falta do referido elemento no elenco factual impede uma decisão segura da causa, designadamente porque não se pode concluir com segurança pela verificação do crime de recetação dolosa, nem pelo crime de recetação culposa previsto no nº 2 do artº 231º do CP, sendo certo que a averiguação ou descrição do referido segmento permitiria concluir pela verificação de um desses crimes, sem excluir que tenha de se decidir pela absolvição, ocorre vicio de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, que sendo no caso, insuscetível de suprimento, é causa de reenvio do processo para novo julgamento, para apuramento da factualidade pertinente.

8 - A decisão condenatória apresenta-se omissa quanto a factos pessoais do arguido está, ferida de vício de insuficiência da matéria de facto provada (art. 410º, nº 2, al. a) do CPP).

9 – No Acórdão recorrido falta o exame crítico das provas e verifica-se insuficiência de fundamentação e a que existe assenta, quase na sua totalidade, no depoimento de coarguido, o que se mostra inadmissível.

10 - A motivação de facto tem de assegurar que o processo de decisão seja inteligível, de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível, o que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do “ thema decidendum “ e da prova que sobre ele tenha versado tal imponham.

11 - Uma primeira constatação que se impõe é a de que o Tribunal não fundamentou a sua convicção quanto à matéria de facto provada e não provada, à luz das regras da experiência comum e do princípio da livre convicção do julgador, consagrado no art° 127° do C. P. Penal. Este princípio não deve, nem pode ser entendido como a atribuição ao juiz de um poder discricionário na apreciação da prova com vista à fixação da matéria de facto provada e não provada, mas deve ser perspetivado como o meio ao alcance do julgador para cumprir com o dever de alcançar a verdade material.

12 - A livre convicção não se pode confundir com a íntima convicção do julgador pois a lei impõe-lhe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, que avalie as provas com sentido de responsabilidade e bom senso e que as valore segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras de experiência ("a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade").

13 - É conhecida a clássica distinção entre prova direta e prova indireta ou indiciária: a primeira incide diretamente sobre o facto probando, enquanto esta última incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objetiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

14 – Não consta do Acórdão recorrido uma explicação suscita e clara dos factos provados e não provados. Fazendo-se referências vagas, genéricas e meramente conclusivas.

15 – Não se conseguindo encontrar uma relação direta entre os factos provados e o recorrente, pelo que, não resulta assente que o recorrente tenha cometido o crime que lhe é imputado.

16- A fundamentação do acórdão da 1ª instância é manifestamente insuficiente, pois se trata de factos dados como provados por via de declarações de coarguido, incriminatórias para o recorrente , não tendo sido feito o exame crítico das declarações destes, nem de outros elementos de prova que o pudessem corroborar, não devendo ter sido valorado contra si tais depoimentos dos coarguidos, por não ter sido feita a necessária corroboração das suas declarações com elementos de prova externos e autónomos.

17 - Não existem outras provas além do(s) depoimento(s) dos coarguido(s) que permitam corroborar aqueles.

18 – Verificando-se assim pela absoluta falta e/ou insuficiência de motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, de acordo com a ponderação de cada um dos factos supra referidos.

19 - As declarações de um arguido em prejuízo de outro arguido não podem ser utilizadas como prova.

20 - Como se pode verificar pela análise da factualidade considerada provada e da sua falta de motivação ou insuficiência, essencialmente assenta no depoimento do coarguido. Que, sublinhe-se, encontram-se de relações cortadas com o aqui recorrente e face aos seus conflitos no passado não se pode deixar de ponderar a intenção de o prejudicar.

21 - Enquanto o arguido tem direitos de defesa, designadamente o direito ao silêncio, a testemunha tem o dever de responder com verdade.

22 - A valoração probatória das declarações dos coarguidos tem uma limitação, a de não poderem valer como meio de prova em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações subtraídas ao contraditório – artº 345º nº 4, aditado pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.

23 - Para as declarações do arguido poderem valer contra o co-arguido, este tem de ter a possibilidade efetiva de o poder contraditar ou contra-instar em audiência de julgamento. Tem de lhe ser assegurado o exercício de um contraditório pela prova.

24 – Consequentemente, o tribunal a quo deve, por cautela, reabrir a audiência reconfirmando se os arguidos se mantêm ou não no uso do seu direito ao silêncio ou se dispõem a responder a perguntas do tribunal ou dos outros coarguidos especificamente sobre as suas declarações prestadas em audiência de julgamento.

25 - Mantendo-se em silêncio ou em recusa de resposta, o tribunal deve reformular a fixação da matéria de facto, expurgando da sua fonte de convicção as declarações incriminatórias de coarguidos que estes não confirmassem nas suas próprias declarações e apenas com base na restante prova produzida e nas declarações autoincriminatórias dos próprios arguidos, formar então a sua convicção e explicar os fundamentos da mesma, decidindo depois de direito em conformidade.

26 - Conforme resulta da leitura do Acórdão recorrido, nenhuma referência consta que os coarguidos tenham respondido a pedidos de esclarecimento solicitados por outros coarguidos, designadamente pelo aqui recorrente.

27 - Assim sendo, não é admissível a valorização dos depoimentos prestados por outros arguidos para incriminar qualquer dos coarguidos, designadamente o aqui recorrente.

28 – Padece ainda o Acórdão recorrido da falta de critério de escolha da pena – nulidade de omissão de pronúncia artº 379º nº al. a) do Código de Processo Penal.

29 - O art.º 70º do C.P. estabelece, com clareza, uma preferência pelas penas não detentivas, sempre que tal se mostre possível.

30 - Neste ponto, além da explícita referência ao comando aplicável, as decisões não se demoram prolongadamente na fundamentação dogmática da opção tomada. É possível, não obstante, recolher elementos que justificam a preferência pela pena não privativa de liberdade, o que não se verifica no caso sob apreciação.

31 – Há a necessidade de os acórdãos fundamentarem, sempre, a opção pela pena privativa ou não privativa de liberdade. Sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal; 32 - Como tal não se verifica no Acórdão recorrido, deve ser conhecida a correspondente nulidade e ordenada a baixa ao tribunal recorrido, uma vez que, não se encontram verificados os pressupostos para a renovação da prova no Tribunal Superior – artº 430 do CPP.

33 - Na medida em que o art.º 70º do C.P. elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, na aplicação deste preceito importa...

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