Acórdão nº 320/20.8GBSSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução10 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I. RELATÓRIO No processo comum n.º 320/20.8GBSSB, do Juízo de Competência Genérica ... [Juiz ...] da Comarca ..., o Ministério Público acusou (i) AA, nascido a .../.../2000, natural da freguesia ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., Quinta ..., na Quinta ..., pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal; (ii) DD, nascido a .../.../2001, natural da freguesia ... do concelho ..., filho de EE e de FF, residente na Rua ..., em ..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de: - um crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punível pelo artigo 199.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal; - um crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 189.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal.

Ambos os Arguidos apesentaram contestação escrita, onde oferecem o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 13 de janeiro de 2023, foi decidido: «(…) julga-se a acusação do Ministério Público parcialmente procedente e em conformidade:

  1. ABSOLVO o Arguido AA da prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, 1 (um) crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal; b) CONDENO o Arguido DD, pela prática, em autoria, na forma consumada, e em concurso efetivo de: b.1. 1 (um) crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do Código Penal, na pena parcelar de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €990,00 (novecentos e noventa euros); b.2. 1 (um) crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 182.º, n.º1 e 184.º do Código Penal, na pena parcelar de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €522,50 (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos); b.3. Operando o cúmulo jurídico, condeno o Arguido na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta), num total de € 1.155,00 (mil, cento e cinquenta e cinco euros).

  2. CONDENO o Arguido no pagamento das CUSTAS PROCESSUAIS, que englobam o pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 2 (duas) unidades de conta, bem como os demais encargos com o processo (cfr. artigos 513.º, 514.º do Código do Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).

    » Inconformado com tal decisão, o Arguido DD dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «I.

    O Recorrente não se conforma com a Decisão que resultou da Sentença, que o condenou pela prática de dois crimes que não cometeu.

    II.

    O Tribunal a quo não baseou a sua Decisão num correto encadeamento dos factos, numa rigorosa avaliação da parca prova existente nos autos, da inexistência de perícias e muito menos nos depoimentos das testemunhas que considerou, diga-se até com razão, não ser possível ligarem diretamente o Recorrente aos crimes pelos quais vem condenado III.

    Aspetos relevantes de direito e da matéria de facto foram incorretamente julgados, o que veio a redundar na condenação ora posta em crise, com a apresentação do presente recurso.

    IV.

    Com o mais elevado respeito, o Tribunal a quo não andou bem e pecou pela injusta e infundada Decisão que proferiu.

    V.

    Entende-se que o Tribunal a quo chegou a conclusões que não poderia ter chegado com a prova produzida em sede de julgamento, existindo um claro erro de julgamento, resultando numa clara violação dos princípios constitucionais da presunção da inocência e do in dubio pro reo, favoráveis ao Arguido.

    VI.

    Também a falta de exame crítico da prova, que desde já se alega a sua evidência na sentença proferida pelo Tribunal a quo, leva à nulidade prevista no Art.º 379.º nº 1 al. a) do C.P.P.

    VII.

    É que no caso que aqui se discute, não se alcança o mecanismo probatório pelo qual, o Tribunal a quo, se socorreu para, no que diz respeito ao Recorrente, dar como provados os ponto 7.º e 9.º a 11.º da douta sentença.

    VIII.

    De forma a concluir pelos factos provados e pelos factos não provados, o Tribunal a quo, no que diz respeito ao Recorrente, formou a sua convicção, aproveitando-se da seguinte motivação de facto: 1. “(…) No que tange à dinâmica dos factos e palavras proferidas, o teor do auto de notícia foi corroborado pelas declarações prestadas pelas testemunhas GG e HH, Militares Autuantes, os quais prestaram depoimentos distanciados, objetivos, coerentes e, em larga medida, harmoniosos entre si, facultando, quanto a esta matéria, uma única versão dos factos; 2. Ademais, as testemunhas em apreço não têm qualquer relação de amizade/inimizade/familiar com os Arguidos, não se vislumbrando qualquer motivo para que faltassem à verdade. Como tal, os depoimentos destas testemunhas lograram convencer o Tribunal; 3. Relativamente ao facto vertido nos pontos 7), tomámos em consideração, desde logo, o teor do auto de visionamento de vídeo e de extração de fotogramas, constantes de fls. 41 a 43, sendo que da imagem 1, 2 e 3 é possível verificar que o utilizador «...» publicou uma «história», na rede social «instagram», contendo uma gravação do momento da detenção do Arguido AA, contendo os dizeres que ficaram consignados; 4. A imputação de tal publicação ao Arguido DD decorreu do facto do nome de utilizador do publicante coincidir com o nome próprio e apelido do Arguido, seguido da data de aniversário do mesmo; 5. Ademais, ouvidas as testemunhas GG e HH, os mesmos declararam que ambos os Arguidos costumam frequentar o local dos factos, o qual é conotado com o tráfico de drogas, justificando várias patrulhas da polícia, sendo costume andarem juntos, pertencendo ao mesmo grupo; 6. Concatenando todos estes factos, dúvidas não restaram a este Tribunal que o Arguido DD foi o Autor da publicação em causa; 7. Não descuramos que a testemunha EE, mãe do Arguido DD, referiu que o nome de utilizador do seu filho é «Ds», porém, as suas declarações afiguraram-se titubeantes e pouco firmes, denotando parcialidade, razão pela qual não foram consideradas; 8. Quanto aos factos elencados nos pontos 8) a 11) o Tribunal firmou a sua convicção com base na interpretação da factualidade dada como provada à luz das regras da experiência comum, uma vez que as condutas externas dos Arguidos apenas são condicentes com o carater voluntário de cada um dos comportamentos, e com a existência subjetiva das representações e intenções elencadas nestes pontos da matéria de facto; 9. (…) Quanto à factualidade dada como não provada, a sua consignação nestes termos decorreu do teor das declarações prestadas por GG e HH que esclareceram que, no momento dos factos descritos em 1., o Arguido DD não estava presente.” IX.

    O Recorrente não aceita que se tenham dado como factos provados, os pontos 7. e 9. a 11. da douta sentença, sendo estes os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados X.

    Questiona-se, quais foram os elementos que caracterizam a experiência comum, pelos quais se socorreu o Tribunal a quo para formular a sua convicção e dar como provados os pontos 7., 9. a 11. da douta sentença.

    XI.

    Embora seja evidente que no decorrer da audiência de discussão e julgamento, se tenha apurado que um utilizador «...», publicou uma «história» na rede social “instagram”, contendo uma gravação do momento da detenção do Arguido AA, contendo os dizeres referidos no ponto 7. dos factos provados da douta sentença, XII.

    Já a imputação de tal publicação ao Recorrente, pelo decorrer do facto do nome de utilizador «...» coincidir com o nome próprio e apelido do Recorrente, seguido da data de aniversário, é uma conclusão que o Recorrente considera ambígua, inconclusiva, redundante e, diga-se, até perigosa, num mundo cada vez mais informatizado e tecnológico.

    XIII.

    A criação de um perfil de utilizador na rede social “Instagram”, está ao dispor de qualquer cidadão, podendo ser oferecido o nome de utilizador e data de nascimento que o utilizador deseje, bem como proceder a publicações de fotogramas, vídeos e escritos que o utilizador entenda.

    XIV.

    A título de exemplo, no decorrer do prazo para apresentação do presente recurso, em apenas 2 (dois) minutos, foi possível à defesa do Recorrente criar um perfil na rede social “Instagram”, com o nome de utilizador «...», averbada a uma conta “Gmail”, criada no mesmo espaço de tempo, com o endereço eletrónico “...”.

    XV.

    O nome de utilizador empregue na rede social “Instagram” e no endereço eletrónico da conta “Gmail” são idênticos ao nome do Recorrente, no entanto não foi a pessoa do Recorrente que criou os perfis em questão.

    XVI.

    No entanto, todos esses elementos “identificativos”, poderão levar a que terceiros associem, erradamente, um qualquer cidadão a um perfil de uma rede social, tão só porque dispõem de nomes idênticos.

    XVII.

    Mais evidente se torna essa (errada) associação, caso esse perfil com um nome de utilizador, contenha fotogramas desse concreto cidadão.

    XVIII.

    E a verdade é que por meio da utilização das redes sociais, é possível, nos dias que correm, forjar, num curto espaço de tempo, a identidade de qualquer um por meio da criação de um perfil com o nome e fotografias dessa pessoa.

    XIX.

    Ficando ao dispor desse utilizador, desconhecido, a publicação do conteúdo que bem entender.

    XX.

    Jamais poderia ter concluído o Tribunal a quo que foi o Recorrente a publicar a «história» na rede social «Instagram», porquanto a Testemunha GG referiu: “Através deste nome, entrámos no Instagram e a fotografia dele estava lá” (Audiência de julgamento – dia 05 de Janeiro de 2023 - Gravação n.º 20230105141452_3696131_2871817), ou seja, a testemunha, através da pesquisa do nome «...», na rede social Instagram...

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