Acórdão nº 1754/22.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2023
Magistrado Responsável | FRANCISCO SOUSA PEREIRA |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., também nos autos melhor identificada, pedindo: a) - Ser o Autor reconhecido e declarado como trabalhador do Réu durante o período que trabalhou para o mesmo compreendido entre o dia 11/03/2013 e o dia 01/05/2020, com todas as consequências legais inerentes; e b) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor as férias não gozadas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, nos montantes do vencimento médio mensal desses anos, num total de € 12.410,18 (doze mil quatrocentos e dez euros e dezoito cêntimos) c) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor os subsídios de férias relativos aos anos de 2013 a 2020, nos montantes do vencimento médio mensal do Auto nesses anos, num total de € 12.410,18 (doze mil quatrocentos e dez euros e dezoito cêntimos); d) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor os subsídios de Natal relativos aos anos de 2013 a 2020, no montante do vencimento mensal médio do Autor, no total de € 12.345,34 (doze mil trezentos e quarenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos); e) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor a título de subsidio de Refeição, referente ao período compreendido entre 11/03/2013 e o dia 01/05/2020, no valor global de € 8.030,92 (oito mil e trinta euros e noventa e dois cêntimos).
f) - Ser o Réu condenado a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas nas precedentes alíneas b) a e), calculados desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados bem como os juros vincendos, a contar desde a citação do réu, até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alega o autor que O autor, que é licenciado em História, foi contratado pelo réu para o desenvolvimento da actividade de formação, mediante a celebração dos contratos denominados de “Contrato de aquisição de serviços” que identifica.
Os contratos referidos foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012, de 17 de Dezembro e 1/2015, que visavam a contratação para os Centros de Empregos e Formação Profissional, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e de um último procedimento inominado para o período entre 1 de Janeiro de 2020 e 30 de Junho de 2020.
Entretanto, com base na PREVPAV – Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos precários na Administração Pública, em 1 de Maio de 2020 o aqui autor integrou o quadro do réu como seu trabalhador (de facto e de direito).
No âmbito dos contratos identificados como de “aquisição de serviços” a prestação da actividade do autor revestia, e conforme pertinente factualidade que alega, as características previstas nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, sendo a relação jurídica estabelecida entre o autor o réu desde 19 de Março de 2013 até 1 de Maio de 2020 uma relação caracterizada pela subordinação jurídica.
O autor no âmbito desses contratos auferia do réu a retribuição média mensal era de € 1.728,00 (€ 14,40 X 30horas X 4), sendo que nunca gozou férias, nunca recebeu qualquer remuneração a título de subsídios de férias e de Natal, nem subsidio de refeição.
Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação.
O réu apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando a excepção peremptória da prescrição dos eventuais créditos laborais - o autor propôs a presente ação no dia 27 de Agosto de 2022, e o réu foi citado para a mesma em 29 de Agosto de 2022, ou seja, uma coisa e outra decorrido mais de um ano desde a cessação do alegado contrato individual de trabalho celebrado entre o autor e o réu (verificada em 30 de abril de 2020), mesmo considerando a suspensão dos prazos de prescrição por força das chamadas «Leis COVID» -, e a excpeção peremptória do abuso de direito, consubstanciada na tutela da confiança/suppressio, no venire contra factum proprium e no tu quoque.
Defendeu-se também por impugnação, tanto por negação directa de diversa factualidade alegada pelo autor como dando a sua própria, e diversa, versão dos factos.
O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial, rebatendo as excepções deduzidas pelo réu.
Prosseguindo os autos, veio a ser proferido saneador - sentença com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, e face ao exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. e, consequentemente, absolvo-o dos pedidos contra si deduzidos, na presente acção, pelo autor AA.” Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1. O Autor intentou uma acção judicial em processo comum contra o Réu Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. formulando vários pedidos contra este, sendo um deles de simples apreciação (a) ao reconhecer a existência do contrato de trabalho) e os restantes de condenação (alíneas b), c), d), e) e f), onde são exigidos pagamentos de créditos laborais e juros).
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Atento o facto da decisão ora em crise versar apenas a alegada excepção peremptória de prescrição consagrada no artigo 337.º/1 do Código do Trabalho, afigura-se que a sentença recorrida padece dos vícios de nulidade previstos no artigo 615.º/1, alíneas b), c) e d) e artigo 195.º/1 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º/2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
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De entre os pedidos formulados pelo Autor, o primeiro deles é de simples apreciação porquanto visa obter o reconhecimento da existência de um direito – no caso sub judice uma relação de trabalho entre o Autor e o Réu.
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Com o inabalável respeito pelo douto Tribunal a quo, não pode o Autor aceitar a sentença proferida uma vez que o mesmo não podia decidir no sentido e com os fundamentos que decidiu sem primeiro analisar, de forma crítica e fundamentada, o peticionado pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho entre o Autor e o Réu.
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Sendo a relação laboral o fundamento para a existência ou inexistência, bem como o possível vencimento e exigência dos créditos laborais também reclamados pelo Autor (pedidos b) a f) da petição inicial), é impreterível a sua análise e tomada de posição sobre aquele pedido, sob pena de toda a decisão cair em erro de raciocínio lógico.
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Incorre a sentença recorrida em incontestável nulidade, por ocorrer uma absoluta falta de pronúncia relativamente ao primeiro pedido formulado pelo Autor, o qual dá base a todos os outros, uma vez que a sua improcedência determina a prejudicialidade de todos os restantes – artigos 608.º/2, 615.º/1, alínea d) e 195.º/1 do Código de Processo Civil.
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Nulidade que, por si só, determina a anulação da decisão recorrida, determinando a produção de prova em sede de discussão e julgamento, atento o facto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho assentar em presunções do artigo 12.º do Código do Trabalho.
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No mais, não tendo sido considerada como não provada a existência de contrato de trabalho entre o Autor e o Réu, o que não se concede, nunca poderia estar em causa a prescrição prevista no artigo 337.º do Código do Trabalho, muito menos poderíamos estar a falar de créditos laborais como o direito ao subsídio de férias, de Natal, de férias não gozadas e subsídio de alimentação/refeição.
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O artigo 607.º/3 e 4 do Código de Processo Civil impõe ao(s) juiz(es) o dever de fundamentação segundo o princípio já consagrado no artigo 205.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
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Em especial, o artigo 607.º do Código de Processo Civil determina especificamente que a sentença escrutine os factos provados, dentro daqueles que foram alegados e dos que deva haver conhecimento oficioso, realizando a ponderação crítica dos mesmos, esclarecendo o sentido e a valoração dos mesmos.
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E apenas mediante tal encadeamento lógico, com o devido enquadramento jurídico, é possível lograr uma decisão clara, coerente e fundamentada, tal como legalmente exigido.
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O que, com o devido respeito, não ocorreu nos presentes autos.
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A tudo o que se reduz a sentença a quo é à apreciação da excepção de prescrição invocada, dando, com isso, “um passo maior que a perna”.
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Sendo um pressuposto da aplicação do artigo 337.º do Código do Trabalho a existência de um contrato de trabalho, aplicando aquele disposto e não reconhecendo o referido contrato de trabalho, resulta evidente a nulidade da sentença judicial segundo o artigo 615.º/1, alínea b) do Código de Processo Civil.
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Impondo-se, com efeito, a sua anulação, ordenando o Tribunal a quo a produção de prova para que, posteriormente, com todos os elementos à sua disposição, possa tomar uma decisão em consciência, como se requer.
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Concomitantemente, salvo melhor entendimento, consideramos que a douta decisão do Tribunal a quo padece de nulidade previsto no artigo 615.º/1, al. c) do Código de Processo Civil, porquanto a aplicação da prescrição prevista no artigo 337.º/1 do Código do Trabalho impunha necessariamente o reconhecimento da existência de um vínculo laboral entre o Autor e o Réu nos moldes descritos e, subsequentemente, a procedência de, pelo menos, do pedido formulado na alínea a) da petição inicial.
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Mais uma vez, a considerar como verificada tal nulidade, deve a sentença judicial do Tribunal a quo ser anulada, ordenando o Venerando Tribunal da Relação a produção de prova em sede de discussão e julgamento, ou, pelo menos, a alteração da matéria de facto dada como provada, incrementando um ponto que considere como existente um contrato de trabalho entre o Recorrente e a Recorrida entre o período de 11/03/2013 e 01/05/2020.
Nestes...
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