Acórdão nº 52/19.0T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução19 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 52/19...., que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, 2ª Secção de ..., da Procuradoria da República da Comarca ..., e que teve origem na certidão constante de fls. 3/130, emanada pelo Juízo Central Cível ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo em vista a investigação da eventual prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, do Código Penal, o Ministério Público, no momento processual a que alude o Artº 277º do C.P.Penal [1], proferiu o despacho de arquivamento que se mostra exarado a fls. 202/204, e que a seguir se transcreve na parte que ora interessa considerar [2]: “Os presentes tiveram origem na extracção de certidão de fls. 3 e ss, determinada no Juízo Central Cível ... – Juiz, para investigação do crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256.º, do Código Penal, constante a fls. 109, da referida certidão.

Estará em causa o recibo constante a fls. 108, emitido em .../.../2016, emitido pela F..., no qual se atesta que AA terá realizado um tratamento de fisioterapia desde o ano de 2012 a 2015, por um período aproximado de 6 meses, sendo que AA refere não se lembrar se o mesmo existiu ou não.

*Foram efectuadas as seguintes diligências consideradas úteis e pertinentes para a descoberta da verdade material: - Não foi inquirido AA por o mesmo ter falecido entretanto (cfr. fls. 138); - Inquirição de BB, a fls. 142 - Inquirição de CC a fls. 156; - Inquirição de DD, a fls. 158.

- Declaração de fls. 166.

*Realizaram-se as diligências de prova tidas por convenientes, úteis e necessárias ao apuramento da verdade dos factos participados (cfr. artigo 262º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Não foi possível proceder à inquirição AA, uma vez que faleceu entretanto, sendo o seu depoimento essencial para aferir da existência ou não do tratamento de fisioterapia na clínica em que são gerentes os denunciados – F....

Das inquirições efectuadas verifica-se que a pessoa que assinou a declaração efectivamente não se encontrava trabalhar na altura dos tratamentos na clínica, contudo a mesma limitou-se a assinar uma declaração, sem que lhe possa ser assacada alguma responsabilidade por tal facto.

Referiu contudo, que assinou a referida declaração por lhe ter sido solicitado pelos auxiliares de fisioterapia DD e CC.

Inquiridos CC negou tal facto, negando ter dado tal ordem.

Inquirida DD referiu que não deu qualquer ordem e que desconhece quem o teria feito, referindo que qualquer fisioterapeuta poderia dar indicações à recepcionista para passar a declaração em causa.

Esclareceu que a partir de 2014 foi efectuada uma remodelação na clínica , passando a estar toda a documentação informatizada.

*Não foram inquiridas ou apresentadas outras testemunhas presenciais, que pudessem atestar acerca de declaração de ciência dos factos denunciados.

*São estes os elementos de prova colhidos nos autos e, de momento, não se vislumbram quaisquer outras diligências probatórias úteis ou com relevo para o caso presente.

Cumpre agora apurar da existência, ou não, de indícios suficientes quanto a imputar aos arguidos a alegada prática do dos crimes denunciados e, consequentemente, virem a ser acusados, nos termos do artigo 283º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Os indícios suficientes são o conjunto dos elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados.

Para avaliar da existência dos referidos indícios, teremos que nos socorrer do material probatório recolhido e das disposições legais que prevêem e punem o tipo de crime imputado ao arguido, efectuando uma apreciação conjunta de ambos, com vista a verificar se os indícios eventualmente existentes são susceptíveis de integrar todos os elementos do crime, pois só com base na indiciação do seu total preenchimento poderá com segurança, afirmar-se que, com razoabilidade, ao arguido poderá vir a ser aplicada, em sede de julgamento, uma pena ou medida de segurança.

Ora, sem nos expandirmos mais, perante a factualidade supra descrita, podemos desde já afirmar que inexistem indícios suficientes da ocorrência do crime denunciado.

Apenas existe a versão apresentada pelo ofendido na petição inicial apresentada no Tribunal Cível e cuja extracção de certidão deu origem a estes autos, contudo não foi possível inquirir o mesmo, por ter, entretanto, falecido, sem que fosse possível conhecer a sua versão.

A pessoa que emitiu a declaração referiu tê-lo feito porque CC e DD lhe solicitaram tal emissão, tendo os mesmos negado.

Os eventuais suspeitos negam a prática dos factos e a a versão que apresentou dos factos é plausível, não existindo qualquer prova, que permite colocar em causa a sua versão, razão pela qual não se procedeu à constituição e interrogatório como arguidos.

Mas ainda que se entendesse que os mesmo tivessem dado tal ordem, não foram reunidos indícios suficientes de que o serviço de fisioterapia não tivesse sido prestado pela clínica.

Carecem os autos de mais elementos de prova, pelo que não podemos aferir maior credibilidade e valor à versão do ofendido, sem qualquer prova adicional.

Assim, caso fosse deduzida acusação pública pela prática do crime em causa, atenta a prova ora arrolada, forçosamente os denunciados se fossem constituídos como arguidos, poderiam vir a ser absolvidos, pelo crime que lhe é imputado e supra indicados em sede de julgamento, por aplicação do princípio in dubio pro reo.

Com isto não se quer dizer que os factos não tenham ocorrido tal como descrito pelo ofendido, apenas que inexistem indícios suficientes que nos levem a deduzir acusação contra os os denunciados, nos termos já explanados supra.

Em face do exposto, mais não resta ao Ministério Público do que determinar, também nesta parte, o arquivamento do presente inquérito, nos termos do artigo 277.º, n.º2, do Código de Processo Penal.

(...)”.

*2.

Por discordar de tal despacho de arquivamento, pelo requerimento de 15/07/2020, constante de fls. 211 / 221 Vº, EE, na qualidade de descendente do ofendido falecido [AA], veio solicitar a sua constituição como assistente, e requerer a abertura de instrução.

Sustentando, em síntese, que o Ministério Público omitiu, durante o inquérito, diligências obrigatórias, nomeadamente a constituição como arguida de BB (a pessoa que admitiu ter assinado o documento sem verificar a veracidade do seu teor), bem como dos demais denunciados, FF e GG (pessoas que estão na posse e usaram o dito documento), o que configura a nulidade do inquérito.

E que foi recolhida prova de que o documento em causa, assinado pela testemunha BB, com a conivência e colaboração da gerente e dona da clínica, DD, foi elaborado com o intuito de favorecer FF na acção cível que corre termos no Juízo Central Cível ..., J..., com o nº 187/16.....

Terminando a sua peça processual pedindo a prolação de despacho de pronúncia relativamente aos denunciados BB e DD pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, nº 1, als. a) e d), do Código Penal, e relativamente aos denunciados FF e GG pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo Artº 256º, nº 1, als. e) e f) do Código Penal.

*3.

Distribuídos os autos ao Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi a requerente EE admitida a neles intervir na qualidade de assistente (cfr. despacho de 19/10/2020, exarado a fls. 270), e, na sequência da ulterior pertinente tramitação processual, foi designada data para o debate instrutório, o qual se realizou no dia 05/12/2022, conforme acta de fls. 563 / 564 Vº, após o que, no dia 22/12/2022 foi proferida a decisão instrutória que consta de fls. 568 / 574 Vº, com o teor que a seguir se transcreve, na parte que ora interessa considerar: “(...) Proferido despacho de arquivamento a fls. 202 e ss por se ter considerado não existir nos autos indícios suficientes da prática do crime de falsificação de documento, veio a assistente EE, a fls. 211 e ss requerer a abertura da instrução, alegando que o MP omitiu, durante o inquérito, diligências obrigatórias, nomeadamente que tivesse sido constituída arguida HH, a pessoa que admitiu ter assinado o documento sem verificar a veracidade do seu teor e que os denunciados tivessem sido constituídos arguidos e interrogados nessa qualidade, invocando, assim, a nulidade do inquérito.

Alega ainda que foi recolhida prova que o documento em causa assinado pela testemunha BB, com a conivência e colaboração da gerente e dona da clínica DD foi elaborado com o intuito de favorecer FF na acção cível que corre termos no Juízo Central Cível ..., J..., com o n.º 187/16.....

Mais invoca em 72) do RAI as diligências que considera necessárias que o MP tivesse levado a cabo.

Termina pedindo a prolação de despacho de pronúncia pelo crime de falsificação de documento relativamente aos denunciados BB e DD (em co-autoria, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, als a) e d) do Cód. Penal), FF e GG (p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al.s e) e f) do CP).

***A fls. 351 dos autos pronunciou-se o MP quanto à invocada nulidade, defendendo que a mesma não se verifica desde logo por que da prova produzida no inquérito não resultou fundada suspeita em relação a quem quer que fosse da prática de crime e, por isso, não se impunha o interrogatório e a constituição de arguidos, termos que se entende não verificada a aludida nulidade.

A fls. 355 dos autos também a arguida BB se pronunciou quanto à invocada nulidade, alegando, por um lado, a falta de legitimidade da assistente para a invocar e por outro, por que o MP só constitui como arguido se existirem fundadas suspeitas da prática de um crime, não sendo o caso dos autos.

***De igual modo se pronunciou, a fls. 363 e ss a arguida DD no sentido que tal nulidade deverá ser indeferida uma vez que o MP não deixou...

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