Acórdão nº 015502/22.0T8SNT.S1 de Tribunal dos Conflitos, 27 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução27 de Setembro de 2023
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam, no Tribunal de Conflitos: 1. Em 29 de Março de 2016, AA instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, contra o Instituto da Segurança Social, IP (I.S.S.,I.P.), uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, “consistente no reconhecimento aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional, compreendidos entre 2012/07/02 e 2012/07/06, 2012/07/19 e 2012/09/28, bem como, entre 2012/10/18 e 2014/01/23, e por doença natural, entre 2014/02/05 e 2014/10/19”, e de anulação de acto, Concluiu pedindo a condenação do réu, nos seguintes termos: “1.º À prática do acto devido, consistente no reconhecimento ao Autor do direito aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional e por doenças natural, entre 2012/07/02 e 2014/10/19, com o consequente pagamento das parcelas em falta, no valor total de € 14.531,01.

  1. Anulação da nota de reposição n.º 9323625, de 2015-10-20 e, em consequência, que sejam anuladas as notificações que lhe venham a ser feitas para reposição de quantias consideradas indevidamente recebidas, bem como ordenado o pagamento ao Autor das importâncias já deduzidas, no valor de € 1.022,46, e das que venham a ser deduzidas.

  2. No pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados ao Autor, em quantia nunca inferior a 20.000,00€ (vinte mil euros).

  3. (…) no pagamento ao Autor dos juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até integral pagamento, e desde a data da citação quanto aos danos morais”.

O Instituto da Segurança Social, I.P. contestou, excepcionando a inimpugnabilidade do acto impugnado, por falta de objecto, e a caducidade do direito de acção, impugnando, ainda, os factos.

O autor replicou, sustentando a improcedência das excepções invocadas.

Por despacho saneador-sentença de 5 de Abril de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou-se materialmente incompetente.

Sustentou, em suma, que estando em causa uma relação de natureza privatística estabelecida entre o autor e a respetiva entidade empregadora, sem qualquer vínculo de emprego público e subsumível à Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, a competência para a sua apreciação cabe à jurisdição comum, por via do art. 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF.

Notificado, o autor requereu a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, “para correr termos nos Juízos de Trabalho em Sintra”, o que veio a ser deferido por despacho de 16 de Setembro de 2022 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Por decisão de 4 de Novembro de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz ... declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos de condenação ao pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de condenação ao pagamento de indemnização pelos danos morais, bem como dos respetivos juros, e, em consequência, absolveu o réu da instância nessa parte. Mais determinou o prosseguimento da ação para conhecimento do pedido de condenação do réu no pagamento do diferencial relativo aos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional, pela quantia global de € 12.440,13, por discordar do valor de retribuição de referência de que o réu se serviu no seu cálculo.

Afirmou, para tanto: “(…) de acordo com o disposto no artigo 77° da Lei n.° 4/2007, de 16.01, «as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos». Por seu lado, dispõe o artigo 126.°, n.° 1, alínea i), da Lei n,° 62/2013, de 26.08, que compete aos juízos do Trabalho conhecer, em matéria cível, «das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais». Ora, «do cotejo destes normativos parece decorrer que a competência dos tribunais do trabalho nesta matéria é meramente residual, subsistindo somente na medida em que não seja da competência dos tribunais administrativos e fiscais como jurisdição regra»: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2006, processo 0446941, em www.dgsi.pt.

(…) Por isto, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido e causa de pedir relacionados com a «doença natural», isto é, com o pedido de condenação ao subsídio de doença natural e de anulação da nota de reposição, feito ao abrigo do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04.02, que «estabelece o novo regime jurídico de protecção social na eventualidade doença, no âmbito do subsistema previdencial de segurança social». Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 13/2002, de 19.02). Tal crédito não emerge, pelo menos de modo directo, da relação de trabalho, a qual é mera condição para o seu recebimento (em prejuízo do disposto na alínea b) do n.° 4 do referido artigo 4.°). Antes, trata-se de uma relação regulada pelo Direito Administrativo, em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público.

O mesmo sucede com o pedido de condenação da R. por danos não patrimoniais.

A seu respeito dispõe a alínea f) do n.° 1 do já mencionado artigo 4." que compete aos Tribunais Administrativos conhecer dos pleitos que tenham por objecto a «responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional». É assim, «inquestionável que o legislador do novo ETAF cometeu à jurisdição administrativa a apreciação de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se esta responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada. A distinção deixa de ter interesse relevante para o efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer caso, a jurisdição administrativa. Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos (…) Por isso, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação do R. no pagamento por uma indemnização por danos morais. Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 13/2002, de 19.02).

”.

Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela declaração de competência material do Tribunal do Trabalho de Sintra para o julgamento da totalidade da causa. O recurso subiu em separado, com efeito meramente devolutivo.

Subido o recurso, o Ministério Público junto da 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa emitiu parecer no sentido da sua improcedência.

Notificado, o autor/recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, reafirmando os fundamentos do recurso.

Por acórdão de 29 de Março de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, considerando competir aos Tribunais Administrativos e Fiscais “conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais”.

Além do mais, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a situação em apreço se enquadra nas alíneas a), b) e f) do n.º 1, do art. 4.º do ETAF, não havendo lugar à aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 4, al. b), do mesmo diploma, porquanto os créditos invocados não resultam, de modo directo, de contrato de trabalho.

Notificado daquele Acórdão, o autor veio requerer a fixação definitiva do Tribunal competente, nos termos do art. 101.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpondo recurso para o Tribunal dos Conflitos.

  1. Nas alegações que apresentou, formulou conclusões, que se transcrevem: «a) Em 29 de Março de 2016, o recorrente intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP, Acção Especial de Condenação à Prática de Acto devidos e anulação de acto, com o nº 44/16.6BESNT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

    1. O Requerente formulou os seguintes pedidos: c) Ver reconhecido os seus direitos quanto aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho.

    2. A anulação da nota de reposição nº 9323625, de 20 de Outubro de 2015, no valor de 1.880,90€ (Mil oitocentos e oitenta euro e noventa cêntimos, e de notificações que lhe venham a ser feitas e, assim como que seja ordenado o pagamento das importâncias já deduzidas no valor de 1.022,46€ ( Mil e vinte e dois euros e quarenta e seis cêntimos) e que venham a ser deduzidas.

    3. O pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados ao A., na quantia nunca inferior a 20.000,00€ (Vinte mil Euros).

    4. E dos juros de mora, vencidos e vincendos à Taxa Legal, sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até integral pagamento e desde a citação dos danos morais.

    5. Em 5 Abril de 2022, após apresentação das respectivas peças processuais, foi proferido despacho Saneador/Sentença pelo Tribunal Administrativo de Sintra, onde se declara incompetente para conhecer do pleito e que é da Competência do Tribunal Comum.

    6. Notificando o recorrente para a prerrogativa do artigo 14º nº 2 do CPTA.

    7. Consequentemente foi requerida a remessa do Processo para o Tribunal de Trabalho de Sintra.

    8. Porém, em 4 de Novembro de 2022...

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