Acórdão nº 00916/23.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 05.06.2023, que julgou verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu a entidade requerida da instância, na intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões que moveu contra a AMP – Área Metropolitana do Porto.

Invocou para tanto, em síntese, que: a sentença padece de manifesto erro de julgamento, sendo que as normas e ou a interpretação que sufraga das normas (mormente do artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 82.º a 85.º do Código de Procedimento Administrativo, os artigos 5.º e 6.º da Lei nº 26/2016, artigo 423.º do Código de Processo Civil (e artigo 4.º do Código de Processo Penal) são inconstitucionais, não apenas por colocar em causa o direito à informação e as amplas garantias fundamentais de preparação de defesa do arguido (ao anular-lhe o único meio que a lei coloca à sua disposição para obter informação imprescindível na posse da Administração Pública) como ainda por promover e facilitar a violação do princípio da não auto-incriminação, que é um dos princípios basilares do nosso Estado de direito democrático dos cidadãos – cfr. artigos 1.º, 2.º, 18.º, 20.º, 32.º e 268.º, n.º1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso requerendo ao mesmo tempo a ampliação do âmbito do recurso, em que sustentou a procedência da matéria de excepção que tinha suscitado e, também por essa via, a improcedência do presente recurso.

A Recorrente veio responder à matéria de ampliação do âmbito do recurso, defendendo a respectiva improcedência.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Sob as vestes de cumprimento de lei (ao solicitar parecer à digna CADA – que se encontra com uma pendência elevadíssima de processos e demora mais de seis meses a dar resposta aos pedidos de parecer), a Administração Recorrida intentou, na prática, boicotar o cumprimento dos fundamentais direitos de informação e de defesa da requerente – ao contrário do que fez o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que prestou prontamente informações similares solicitadas com o mesmo intuito pela requerente.

  1. Depois de citar alguma doutrina e jurisprudência, e mesmo sem fixar quaisquer factos provados, a sentença recorrida decidiu en passant que se verificaria falta de interesse em agir, porque a requerente poderia lançar mão dos mecanismos processuais aplicáveis, previstos no art. 423.º do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, todavia, o referido artigo 423.º do CPC nem sequer se refere a qualquer “mecanismo processual aplicável” para aceder à informação administrativa, apenas dispondo sobre as regras gerais de junção de documentos aos processos, pelo que a sentença encerra, assim, erro de julgamento, e deve ser, pois, revogada.

  2. Em segundo lugar e por cautela, mesmo que o Tribunal a quo estivesse a equacionar outros normativos, em que se estabeleçam poderes dos Juízes dos processos cíveis ou penais para obter informações, importa não confundir nem sequer restringir direitos dos particulares (sobretudo em sede criminal e de direitos fundamentais), incorrendo a sentença num manifesto lapso, até quando mobiliza a doutrina que mobilizou, pois que, na situação sub judice, não está em causa um qualquer documento que seja necessário para “instruir processos pendentes no contencioso administrativo ou na jurisdição comum”, mas sim para organizar e preparar a sua defesa (a montante disso, portanto).

  3. Trata-se da fundamental garantia de defesa (estamos mesmo perante uma das garantias por excelência do nosso ordenamento jurídico), ou seja, a de preparar e organizar a sua defesa da forma mais apropriada à defesa dos seus direitos, tendo o arguido direito a analisar primeiro as informações e documentos antes de aquilatar da pertinência de juntar os mesmos ao processo ou não, pelo que a sentença incorre, assim, em manifesto erro de julgamento, por violação evidente das garantias de defesa do arguido – cfr. arts. 2.º, 18.º, 32.º da CRP.

  4. Depois e por um lado, o entendimento versado por vários Acórdãos citados na sentença recorrida, foi proferido em situações de facto manifestamente distintas do caso dos autos (casos de cível, ou de tutela do segredo de justiça, que aqui não estão manifestamente em causa), e por outro lado, a doutrina do acórdão do STA de 27/05/1997 e a dogmática na esteira de Teixeira de Sousa (de janeiro de 1998), afiguram-se claramente desajustadas ao caso concreto e, pelo menos, anquilosadas e desactualizadas em relação ao novo paradigma do sistema jurídico-processual-administrativo, pelo que não tem aqui, por isso, aplicação, padecendo a sentença de erro de julgamento.

  5. Com efeito, esse entendimento foi defendido quando a então “intimação para consulta de documentos ou passagem de certidão” era um meio processual acessório, funcionalizado ao recurso contencioso de anulação (cfr. art. 82.º da LPTA), ora, com o CPA de 1991 e com a LADA de 1993, que concretizaram com grande latitude os direitos de informação administrativa procedimental e não procedimental (assente no direito ao arquivo aberto não dependente de uso de meios administrativos ou contenciosos, dada a natureza uti cives do mesmo), começou a alterar-se para um meio autónomo e pleno (o que foi legalmente concretizado com o CPTA 2002).

  6. Actualmente, aquele entendimento é constitucionalmente insuportável, porque, entre o mais, pressupõe e professa uma visão claramente redutora e minimalista da própria natureza, âmbito e objecto deste meio processual administrativo, subalternizando-o, o que não é mais permitido nem pelos artigos 104.º e ss. do CPTA, nem pela Lei Fundamental [que consagra o direito à informação como um direito fundamental – art. 268.º – e protege de forma veemente o direito fundamental de acesso à justiça, quer na sua vertente de a cada direito corresponder um tipo de acção ou processo (neste caso, o direito à informação é tutelado pelo processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões), quer na vertente de o arguido poder preparar e organizar cabalmente a sua defesa, tendo o direito de requerer informações e documentos que estejam na posse da Administração Pública (ao abrigo daquele seu direito fundamental à informação) antes de os juntar ao processo, devendo, para isso, recorrer ao processo de intimação - único meio legal que tem à sua disposição].

  7. Assim e salvo o merecido respeito, a sentença padece de ostensivo erro de julgamento, pois este entendimento é não só violador do direito fundamental à informação, como também do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e das fundamentais garantias de defesa em processo crime, que são corolários do estruturante conceito do Estado de direito democrático dos cidadãos – cfr. arts. 2.º, 20.º, 32.º e 268.º, n.º 1 e 2 da CRP.

  8. Em consonância temos que na sua formulação inicial a intimação era um meio acessório ao recurso contencioso, mas evoluiu, devido à doutrina e à jurisprudência...

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