Acórdão nº 1188/20.0PLLSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 1188/20.0PLLSB.L1-A.S1 Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência * Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.

O arguido AA, vem nos termos e para os efeitos dos artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 22 de fevereiro de 2023, no proc. n.º 1188/20.0PLLSB.L1, transitado em julgado, porquanto que se encontra em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação do Poto, de 31 de maio de 2017, prolatado no âmbito do processo n.º 9671/12.4TDPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.

  1. São do seguinte teor os fundamentos do recurso apresentados pelo recorrente AA (transcrição): “1. No domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal da Relação de Lisboa proferiram dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentaram em soluções opostas; 2. O Acórdão recorrido, com o n. 1188/20.0PLLSB.L1, de 22/02/2023, da ... Secção, do Tribunal da Relação de Lisboa encontra-se em oposição com o Acórdão n. 9671/12.4TDPRT.P1, de 31-05-2017, da 1ª Secção, do Tribunal da Relação do Porto que se encontra publicado em www.dgsi.pt, e para facilidade de consulta com o seguinte link: Acórdão do Tribunal da Relação do ... (dgsi.pt); 3. O acórdão recorrido entendeu que “A interpretação da norma ínsita no artigo 213º, nº1, alínea c) do Código Penal, não suporta a distinção apontada nesta última posição jurisprudencial.” decidindo que “Assim sendo, é de afirmar a punibilidade indiferenciadamente do dano estético e do dano funcional.” 4. Enquanto que o identificado acórdão-fundamento interpretou a mesma questão - 5. Originando por isso um conflito de jurisprudência, porquanto, por um lado, o acórdão recorrido entende que “É de afirmar que a atuação do recorrente causou danos num edifício público (municipal). Danos que se devem qualificar como danos estéticos e não como danos funcionais.” enquanto que o acórdão-fundamento conhece da mesma questão de direito, entendendo em sentido contrário, que “Uma escada rolante de uma Estação E… destina-se imediatamente ao transporte de passageiros que a frequentam, não é uma escada de uso interno dos seus funcionários, é um bem destinado à satisfação direta das necessidades da generalidade dos elementos da coletividade, pelo que se destina a ser direta e imediatamente utilizada pelos membros da coletividade que diariamente afluem aquela Estação.” 6. Com efeito decide que: “Como bem refere o MP no recurso, “Na realidade, a escadaria rolante só não se enquadraria no conceito de coisa pública caso não estivesse vocacionada ao uso direto e imediato dos passageiros da Estação (como sucederia se a escadaria estivesse apenas destinada a ser usada pelos trabalhadores da Estação, o que não é o caso que aqui nos ocupa).” Nesta medida, entende-se que assiste razão ao recorrente, na medida em que a factualidade apurada deveria ter levado o tribunal a quo a condenar o arguido pela prática de um crime de dano qualificado, pelo preenchimento do artigo 213º, nº1, al. c) do C. Penal.”.

  2. Ambos os acórdãos já transitaram em julgado, tendo o recorrido transitado em 09/03/2023.

    Donde o recorrente tem legitimidade e está em condições de requerer, como requer, que se considere interposto o competente recurso para fixação de jurisprudência, sem efeito suspensivo, mas sem prejuízo do disposto no artº 445º do C.P.P. seguindo-se os ulteriores termos, adiantando-se desde já que deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, no sentido seguinte: Os danos estéticos causados na fachada de um prédio municipal não se subsumem à qualificativa do artigo 213º, nº1, al. c) do Código Penal por não preencher os critérios do fim e imediação da norma incriminadora.”.

  3. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu ao recurso, concluindo que se impõe a fixação de jurisprudência e o acolhimento do entendimento vertido no acórdão recorrido, no sentido de que a qualificação do crime de dano constante da alínea c), do artigo 213.º, do Código de Processo Penal, deverá impor-se, indiferenciadamente, do dano estético e do dano funcional, uma vez que a norma não suporta qualquer distinção.

  4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da inexistência de oposição de julgados para efeitos de preenchimento da previsão do art.437.º, n.º2, do Código de Processo Penal, pelo que não ser admitido, antes rejeitado, o recurso, nos termos do art.440.º, n.º3 e 441.º, n.º1 do mesmo Código.

  5. Notificado o recorrente da posição assumida pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, para efeitos de contraditório, nada disse no prazo que lhe foi conferido.

  6. Realizado o exame preliminar a que alude o art.440.º, n.º1 do Código de Processo Penal, e dispensados os vistos, cumpre decidir em Conferência, nos termos do art.440.º, n.º4 do Código de Processo Penal.

    II - Fundamentação 7.

    A questão objeto do recurso, nos termos em que o recorrente a configura, consiste em saber se existe oposição de julgados, justificativa deste recurso extraordinário, porquanto no acórdão recorrido se decidiu que a interpretação da norma ínsita no art.213.º, nº1, alínea c) do Código Penal, não suporta a distinção entre dano estético e dano funcional, sendo de afirmar a punibilidade indiferenciadamente do dano estético e do dano funcional e, no acórdão fundamento decidiu-se, em contrário, que “Uma escada rolante de uma Estação E… destina-se imediatamente ao transporte de passageiros que a frequentam, não é uma escada de uso interno dos seus funcionários, é um bem destinado à satisfação direta das necessidades da generalidade dos elementos da coletividade , pelo que se destina a ser direta e imediatamente utilizada pelos membros da coletividade que diariamente afluem aquela Estação.”.

  7. A apreciação da questão impõe, antes do mais, a fixação do regime legal que lhe subjaz.

    O Código de Processo Penal, no Capítulo II, epigrafado «Da fixação de jurisprudência» - do Título II «Dos recursos extraordinários», do Livro IX «Dos recursos» -, estabelece um conjunto de normas sobre a finalidade, objeto, fundamentos e eficácia da fixação de jurisprudência (artigos 437.º a 448.º).

    Integra-se este recurso no âmago da competência do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que vela pela correta aplicação da lei por todos os tribunais judiciais.

    Submetidas à mesma rúbrica estão três especiais de recursos, cada um com as suas especificidades: - recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito (artigos 437.º a 445.º); - recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada (art.446.º); e - recursos interpostos no interesse da unidade do direito (art.447.º).

    A finalidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência é a interpretação uniforme da lei, evitando contradições entre acórdãos dos tribunais superiores.

    Como observa Alberto dos Reis, justificando o recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, no exercício da sua atividade de interpretação da regra formulada pelo legislador “…há-de assegurar-se ao magistrado plena independência e completa liberdade; o juiz deve ter o poder de interpretar a lei segundo os ditames da sua consciência , sem estar sujeito a pressões nem a influências exteriores. Só assim se obterá Justiça, que mereça respeito e inspire confiança.”. Porém, existe o reverso da medalha, podendo a princípio da liberdade de interpretação conduzir a resultados indesejáveis: “A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos é a atuação concreta da lei, e não a sua formulação abstrata.

    Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar providências tendentes a assegurar, quanto possível, a uniformidade da jurisprudência.”.

    1 O que está em causa não é, pois, a reapreciação da decisão de aplicação do direito ao caso no acórdão recorrido, transitado em julgado, mas verificar...

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