Acórdão nº 654/13.8PALGS-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de processo comum n.º 654/13.8PALGS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, por acórdão proferido em 28/10/2016, transitado em julgado a 28/11/2016, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão [pela prática, em 06/10/2013, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, n.º 2, al. b), 73º e 131º, n.º 1, todos do Código Penal, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alíneas c) e d), por referência ao artigo 2º, n.º 1, al. x), 3º, n.º 2, al. l) e 4º, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro], suspensa na respetiva execução, por igual período de tempo.

1.2. Decorrido o período da suspensão da execução da pena de prisão, foi junto aos autos CRC atualizado do condenado.

1.3. Resultando do teor do CRC que em 06/09/2020, no decurso do período de suspensão da execução daquela pena, praticou um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por que foi condenado, por sentença proferida, no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, transitada em julgado em 16/03/2022, na pena de 7 (sete) meses de prisão, teve lugar a audição do condenado, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP.

1.4. Por despacho proferido em 01/03/2023 foi revogada a suspensão da execução da aludida pena de 5 (cinco) anos de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal e determinado o respetivo cumprimento pelo condenado.

1.5. Inconformados com o assim decidido, o Ministério Público e o condenado interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões: 1.5.1. O Ministério Público: «1. O Ministério Público interpõe o presente recurso, por não concordar com a decisão proferida nos presentes autos no dia 1 de Março de 2023, nos termos da qual, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão a que AA foi condenado e, consequente, determinação do cumprimento efectivo daquela.

  1. No âmbito dos presentes autos, AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado no dia 28 de Novembro de 2016, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática dos crimes de homicídio na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal; detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e de ameaça, previsto e punido no artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.

  2. Sucedeu que, no decurso do período da suspensão, AA foi condenado no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, por sentença transitada em julgado no dia 16 de Março de 2022, na pena de 7 meses de prisão (efectiva), pela prática no dia 06/09/2020 de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

  3. Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal: “1- A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.” 5. Todavia, tal condenação em pena de prisão efectiva não impõe automaticamente a revogação da suspensão da pena, sendo, pois, necessário que o Tribunal efectue um juízo sobre as finalidades que estiveram na base da suspensão foram ou não alcançadas.

  4. A este propósito anotaram [Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2014, cujo relator foi o Exm.º Desembargador Renato Barroso e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt] Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques [Código Penal Anotado, volume I, 4.ª edição, Rei dos Livros, 2014, p. 823] o seguinte: “Donde que a revogação da suspensão tenha que ser olhada como um expediente in extremis e sempre subordinada a apertadas limitações, (...).

    (...).

    As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.

    Aliás, (...) o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.” 7. Na situação em apreço, verifica-se que, por um lado, AA voltou a sofrer uma condenação no decurso do período da suspensão pela prática do crime de detenção de arma proibida, todavia, os factos em causa nesta última condenação ocorrem no dia 06/09/2020, ou seja, quase quatro anos após o trânsito em julgado da condenação sofrida nos presentes autos.

  5. Por outro lado, em causa estava a detenção de armas cujo grau de perigosidade é diverso (o que se reflecte em termos de moldura penal abstractamente aplicável), pois que, nos presentes autos estava em causa a detenção de uma arma transformada e munições, sendo que, no âmbito do processo n.º 534/20.0PALGS, reporta-se à circunstância de AA ter em sua posse uma soqueira e um “spray”.

  6. Acresce ainda que, num quadro de vida estruturado ao nível familiar e pautado por hábitos de trabalho (cfr. relatório social), afigura-se-nos ser possível sustentar um juízo positivo em relação ao futuro de AA, nomeadamente, quanto ao afastamento por parte deste da criminalidade e da sua recuperação e, daqui decorre que, no nosso modesto entendimento, não se deverá prescindir de lhe conceder a oportunidade de o mesmo continuar em liberdade.

  7. De resto e, conforme se concluiu no relatório elaborado pela DGRSP: «Não parece ser um indivíduo propriamente mal referenciado no meio, contando com condições e apoio familiar normativo, quer da família constituída, quer da família de origem, mas apresenta propensão para fases mais desreguladas, nas quais recai em hábitos aditivos e se desorganiza em termos funcionais.

    A prisão tem sido sentida com penosidade em meio familiar, designadamente pelo impacto negativo da mesma no filho de 14 anos, havendo a disposição para que uma vez em meio livre se reorganizem juntos, como antes.

    Embora sem um apoio médico específico, é notória uma condição física debilitada em meio prisional, que AA associa aos seus antecedentes de problemas a este nível e bem assim à gravidade do processo infecioso que o manteve internado vários meses em finais de 2021.

    De momento, embora tenda a uma atribuição causal externa dos seus comportamentos e conflitos, parece denotar uma atitude mais conscienciosa face ao respeito por obrigações estando em causa o confronto com o sistema de administração da justiça penal.».

  8. Termos em que, por o Tribunal a quo ter interpretado incorrectamente os artigos 36.º, n.º 1, alínea b) e 57.º, n.º 1, ambos do Código Penal, deverá o despacho sob censura ser revogado e substituído por outro que declare extinta a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nos presentes autos a AA (cfr. artigo 57.º do Código Penal e 175.º do Código de Processo Penal).

    CONTUDO, V.ªS EX.ªS FARÃO COMO SEMPRE JUSTIÇA!».

    1.5.2. O condenado: «1 - O Douto despacho recorrido violou por erro de aplicação e de interpretação o pugnado no artigo 56º do Código Penal, que estabelece que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

    2 - Porquanto, a violação grosseira de qua fala o Art.º 56º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, deverá, no nosso entender, ser entendida como uma indesculpável actuação em que “bonus pater famílias” não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de total e leviano desvalor face às regras jurídicas e às decisões dos Tribunais.

    3 - Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta a respeitar as Decisões impostas pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa...

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