Acórdão nº 29/23.0GGSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. No processo sumário n.º 29/23.0GGSTC, foi submetido a julgamento, mediante acusação do Ministério Público, o arguido AA, nascido a .../.../1983, melhor identificado nos autos, tendo sido proferida sentença, em 22/02/2023, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, decide-se: (...) 1. condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de UM CRIME DE DESOBEDIÊNCIA, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 152.º, n.º 3, com referência ao n.º 1, al. a) do mesmo artigo do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses (artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal); 2. com condição do cumprimento, pelo arguido, durante o período da suspensão da referida pena de prisão, de regra de conduta de abstinência, total, do consumo de bebidas de alcoólicas, submetendo-se aos necessários testes de despistagem - artigo 52.º do Código Penal -, deferindo-se aos serviços de reinserção social o apoio e fiscalização do arguido no cumprimento desta regra de conduta (artigo 51.º, n.º 4, do Código Penal); 3. condenar o arguido, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal pelo período de 7 (sete) meses, proibição que abrange veículos de qualquer categoria; (...).» 1.2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões: «i. O consumo de bebidas alcoólicas não consubstancia ato ilícito, criminal ou contraordenacionalmente punido quando não contemporâneo, por exemplo, com o exercício da condução; ii. Impor a abstinência total do consumo de bebidas alcoólicas, tout court, põe em causa por desproporcionalidade, o direito à reserva da vida privada do arguido; iii. Ainda que permanecendo na sua habitação, na sua vida privada, o arguido para cumprir uma regra que é condição de suspensão da execução de pena de prisão, está impedido de ingerir qualquer bebida alcoólica; iv. Os tribunais estão vinculados pelos direitos, liberdades e garantias o que se concretiza, também, através da determinação e direção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais materiais; v. A abstinência total imposta comprime de forma excessiva, que assim tem de se reputar desproporcional, o direito à reserva da intimidade da vida privada do arguido, nomeadamente a esfera privada da sua vida, contemplada no nº 1º do artigo 26º da CRP; vi. O Tribunal a quo poderia ter imposto ao arguido a frequência de formação no âmbito rodoviário, ou mesmo a frequência de consulta para despiste e eventual tratamento de dependência do álcool, proibir de todo o consumo, mesmo em situações em que o mesmo não consubstancia crime ou contraordenação, sem que eventual adição esteja demonstrada ou sequer admitida pelo arguido, viola o disposto nos artigos 18.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa; vii. O tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena acessória de inibição de conduzir nunca superior a 5 meses; viii. A determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no artigo 71º do Código Penal com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita do que a pena principal, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente; ix. O arguido conduziu uma curta distância, resolvendo por fim à condução, moto próprio; x. Está social e familiarmente inserido, confessou os factos e demonstrou assimilar a ilicitude e repudiar a conduta que adotou.

xi. Tendo a pena acessória como finalidade principal a recuperação do comportamento estradal do condutor, atento o circunstancialismo fáctico julgado provado, a duração fixada na sentença a quo mostra-se desadequada e desenquadrada dos critérios presidentes à sua dosimetria.

xii. Sendo a pena acessória reclamada, essencialmente, por necessidades de prevenção especial, violou a douta sentença o vertido nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

xiii. Deve, assim, ser a douta sentença revogada na parte ora em crise, subordinando a suspensão da execução da pena de prisão a outra regra de conduta que não a abstinência total do consumo de álcool, e aplicando pena acessória de inibição de condução pelo período de 5 meses.

Destarte, nestes termos e nos melhores que vós, Excelsos Desembargadores munificentemente suprirão se fará JUSTIÇA!!!» 1.3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de o recurso dever proceder no atinente à revogação da regra de conduta imposta ao arguido – por a sentença recorrida não conter factualidade provada que permita sustentar a sua necessidade e a adequação e, como tal, revelando-se a mesma desproporcionada – e improceder quanto à pretendida redução da dosimetria da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

1.4. O recurso foi regularmente admitido.

1.5. Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer acompanhando a resposta ao recurso do MP, na 1ª instância.

1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.

1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

    Delimitação do objeto do recurso É consabido que as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir, em cada caso.

    Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, bem como das causas de nulidade da sentença, a que se refere o artigo 379º, n.º 1, do CPP e de outras nulidades insanáveis, como tal tipificadas por lei.

    No caso em análise, atentas as conclusões extraídas pela recorrente, da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas: - Revogação da regra de conduta de “abstinência de consumo de bebidas alcoólicas”, a que foi subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido; - Medida da pena acessória.

    2.2.

    A sentença recorrida – nos segmentos que relevam para a apreciação das questões suscitadas no recurso –, é do seguinte teor: «(...) 3.1. FACTOS PROVADOS Acusação pública 1 - No dia 02.02.2023, cerca das 04h00m, o arguido AA conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-OS-.., na Praceta ..., Bairro ..., ..., local onde estacionou e saiu do automóvel.

    2 - Por, momentos antes, ter apresentado uma condução a velocidade elevada face às características da via de trânsito, foi seguido até ao local sobredito e abordado por uma patrulha da GNR ....

    3 - Os elementos da patrulha, devidamente uniformizados com o fardamento da GNR, abordaram o arguido e determinaram-lhe que se submetesse à realização de exame de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado.

    4 - O arguido recusou realizar o referido exame.

    5 - O arguido foi advertido pelos militares da patrulha de que, caso se recusasse a realizar o aludido exame, incorreria na prática de um crime de desobediência e seria detido.

    6 - De imediato, foi novamente solicitado ao arguido que realizasse o exame de pesquisa de álcool no sangue e novamente advertido que a recusa o faria incorrer em crime de desobediência.

    7 - O arguido recusou, novamente, realizar o aludido exame.

    8 - O arguido actuou com o propósito concretizado de desobedecer a uma ordem que sabia ser legítima, porque emanada por autoridade que sabia ser, para tanto, competente, mais sabendo que a sua recusa o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.

    9 - O arguido conhecia a qualidade profissional dos militares da GNR, sabendo igualmente que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções.

    10 - O arguido agiu sempre de forma livre, consciente e voluntária, sabia que a sua conduta era proibida pela lei penal portuguesa e tinha capacidade para se determinar de acordo com tal conhecimento Outra factualidade 11 - O arguido em audiência de julgamento confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.

    12 - É tido como honesto; bom amigo; pacífico; dá-se bem com todos.

    13 - Faz-lhe falta o carro para as suas deslocações casa-trabalho trabalho-casa, sendo mais difícil fazer horas extraordinárias sem esse meio de deslocação próprio.

    14 - Quanto às condições pessoais do arguido apurou-se que: - é técnico operacional de produção na ..., em ...; há cerca de 14 anos; o ordenado base são 1.900 euros; oscila em função das horas; no mês anterior recebeu cerca de 2.300 euros; tem...

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