Acórdão nº 55/20.1GAFZZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 55/20.1GAFZZ, do Tribunal Judicial ..., Juízo Local Criminal ..., submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido AA, desempregado, nascido em .../.../2001, natural de ..., ..., filho de BB e de CC, residente em Rio ..., ..., ..., ..., ... condenado pela autoria material, na forma consumada, de um crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1 do CP numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 €.

2. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Atento o facto de nos autos se encontrar indiciada a prática, por parte do arguido de factos susceptíveis de, em abstrato, integrar a prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221.º do C. Penal, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6.º da Lei do Cibercrime e de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 da Lei do Cibercrime e de existir o sério risco de dissipação dos valores monetários indevidamente transferidos, em 11.01.2021, foi ordenada judicialmente pelo MM JIC a apreensão do saldo da conta bancária, destino das transferências bancárias realizadas pelo ofendido.

2. Pelo que foi apreendido o saldo bancário existente na conta bancária, com o número ...56, titulada pelo cliente AA, a quantia de 0,15€ (quinze cêntimos) 3. Tendo sido decretada a apreensão supramencionada, constante na acusação, a MM Juiz a quo deveria ter-se pronunciado na sentença quanto ao destino da mesma, o que não aconteceu.

4. Pelo que a sentença proferida é nula nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

5. O Ministério Público deduziu acusação contra AA, imputando-lhe factos suscetíveis de integrar a prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso efetivo, um crime de falsidade informática, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15-09.; e um crime de burla informática e nas comunicações, previstos e punidos pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal (ambos em concurso aparente com 1 crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 6.º da Lei do Cibercrime e um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal).

6. Na acusação pública, a final, o Ministério Público promoveu a Perda de Vantagens: “Que o valor de €610,00, seja declarado perdido a favor do Estado, sendo o arguido AA condenado a pagar ao Estado o referido montante, conforme determina o disposto no artigo 110 n.º 1 alínea a), 4.º, ambos do Código Penal, sem prejuízo dos direitos do ofendido.

7. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deu como provados todos os factos constantes da acusação e, em consequência condenou o arguido AA como autor material, na forma consumada, de um crime de burla informática, p.p. pelo artigo 221.º n.º 1 do Código Penal numa pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), 8. E, decidiu, quanto à perda de vantagens requerida pelo Ministério Público (…) “que não se mostram reunidos os pressupostos legais, pois caso o ofendido queira deduzir pedido cível de indemnização pelo prejuízo sofrido tal redundaria numa duplicação.” 9. A lei não deixa que a perda de vantagens de um crime, fique à mercê de interpretações ou de juízos de oportunidade. A lei impõe hoje necessariamente a perda (art. 110 nº 1 b) do CP), sem dar a possibilidade ao julgador de equacionar a sua aplicação ou não aplicação, perda esta que se não em espécie, terá de ser em valor. [negrito e sublinhado nosso] [in Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-03-2019, proc. n.º 103/14.4TACBT.G1, citado no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 24-01-2023, proc. n.º 308/19.1GACTX.E1, Relatora Desembargadora Margarida Bacelar, www.dgsi.pt].

10. A dedução do pedido cível ou a possibilidade de dedução do mesmo não constituem qualquer óbice à decisão de perda vantagens.

11. O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 110.º, n.º 1, alíneas. a) e b), e n.º 4 do Código Penal.

12. pelo que se deve proferir nova sentença na qual determine a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial ilicitamente obtida com a prática do crime de burla informática, com a consequente condenação do arguido AA no pagamento ao Estado do valor equivalente (ou seja, a quantia de 610,00€ (seiscentos e dez euros).

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência: a) Ser julgada nula a sentença proferida nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal; b) Deve ser proferida nova sentença na qual determine perda a favor do Estado do valor apreendido, 0, 15€ (quinze cêntimos) e se condene o arguido a pagar ao Estado o valor de 609,85€ (seiscentos e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), sem prejuízo do estabelecido no artigo 379.º do Código Penal. (…)”.

2.2.

Notificado da admissão do recurso o arguido silenciou 2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer com o seguinte teor (transcrição): “Nada obstando ao conhecimento do recurso, aderimos à fundada argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância pela sua correção jurídica, clareza e síntese, com os aditamentos que seguem.

O arguido foi condenado pela autoria material, na forma consumada, de um crime de burla informática, previsto e punido pelo art.221.º, n.º 1, do Código Penal numa pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros).

Quanto à perda de vantagens requerida pelo Ministério Público entendeu o Tribunal que não se mostram reunidos os pressupostos legais, pois caso o ofendido queira deduzir pedido cível de indemnização pelo prejuízo sofrido tal redundaria numa duplicação.

1- Como bem resulta dos fundamentos da motivação do recurso da sentença interposto pelo Ministério Público, no que concerne à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao destino a dar ao bem apreendido relacionado com o crime, nos termos do disposto no art.374.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal, a sentença termina pelo dispositivo que contém a indicação do destino a dar aos objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicáveis.

E não contendo a sentença no dispositivo o destino a dar à quantia apreendida relacionada com o crime, a mesma enferma de nulidade nos termos do art.379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. que rege que é nula a sentença quando o tribunal, para além do mais, deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Cf., a propósito o Ac. TRP de 26/05/2021, Processo nº970/18.2JAPRT-C.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp, assim sumariado: I - Da análise do disposto no art.º 374.º, n.º 3, al. c), em conjugação com o disposto no art.º 186.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Penal, resulta que o momento correto para dar destino aos objetos que até esse momento continuam apreendidos é a sentença, porque após a produção da prova, é na sentença que se fixam os factos, se procede ao seu enquadramento jurídico, e se decide a causa submetida a julgamento, e bem assim as consequências que daí possam advir.

II - Uma das consequências que possam advir da decisão da causa submetida a julgamento poderá ser a perda dos instrumentos ou direitos relacionados com a prática de um crime.

III - É na sentença, após fixação da matéria assente, que o Tribunal fica na posse de todos os elementos que permitem decidir, de acordo com o princípio da proporcionalidade, se determinado objeto serviu ou estava destinado a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou se por este foi produzido e, bem assim, se o mesmo - pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso – oferece riscos sérios de ser utilizado no cometimento de novo facto ilícito, ou coloca em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, tal como dispõe o art.º 109.º, n.º 1, do Cód. Penal.

IV - A norma do art.º 186.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal indica não só que, havendo sentença, é nela que a decisão da perda de bens é proferida, mas também as consequências do não perdimento dos bens: a restituição dos objetos apreendidos a quem de direito.

V - Mas se nada foi declarado na sentença sobre o perdimento a favor do Estado de determinado bem apreendido nos autos teremos que distinguir duas situações para a resolução da questão.

Pela clareza da sua...

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