Acórdão nº 267/21.0JELSB-AC.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Agosto de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO SAPATEIRO (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução02 de Agosto de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Incidente de Recusa Processo n.º 267/21.0JELSB-AC.L1 5.ª Secção Criminal ACORDAM NA 5.ª SECÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I – RELATÓRIO 1.

AA veio apresentar, no Tribunal da Relação de Lisboa e no dia 24/7/2023, requerimento, subscrito pelo seu ilustre mandatário judicial e dirigido a este Supremo Tribunal de Justiça, de recusa contra o Juiz Desembargador em funções no Tribunal da Relação de Lisboa, Dr. BB, com os seguintes fundamentos (transcrição integral): «AA, arguido nos autos acima melhor identificados, vem, muito respeitosamente, ao abrigo do Princípio do Juiz Natural, do “due process of law” dos art.ºs 43.º e segs. CPP, 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 202.º e 205.º da Lei Fundamental, suscitar a RECUSA do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. BB, Relator no âmbito do processo acima referido, o que faz como segue: QUESTÃO PRÉVIA: A defesa do Arguido desde já requer a sua notificação para assistir à distribuição do presente incidente.

1.º - No dia 11/05/2023 o Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo a Irregularidade da Distribuição e bem assim, o impedimento do Senhor Juiz, Dr. CC, de levar a cabo a Instrução.

2.º - Em 24/05/2023 o Tribunal a quo veio a proferir Despacho nos seguintes termos: “No tocante à alegada violação do Juiz Natural, pelas razões sucintamente aduzidas pelo M.º P.º a fls. 12392, que se subscrevem e porque o signatário não aplicou ou reexaminou, no processo incorporado, qualquer medida de coação, atento o disposto no art.º 5.º do Código de Processo Penal, entendo não ter praticado qualquer ato que o empeça de intervir na fase instrutória e proferir a competente decisão instrutória já que a lei em vigor na data da distribuição e atualmente não o impede.

Consequentemente não reconheço o impedimento que contra mim é deduzido.

” 3.º - Em 24/06/2023, não se conformando com o referido despacho o Arguido apresentou Recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a final: “Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente recurso obter provimento e, em consequência, deve ser proferido Acórdão que declare impedido de participar nos presentes autos, em sede de Instrução, com as legais consequências, o Exmo. Senhor Juiz Dr. CC.

Assim, decidindo farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA!” 4.º - Em 28/06/2023 foi proferido despacho no qual se concluiu: «Face à informação do Tribunal da Relação de Lisboa e às datas das decretações das medidas de coação privativas da liberdade, entendo que os autos devem aguardar a decisão dos incidentes de recusa e do recurso do despacho que não reconheceu o impedimento.

Dou sem feito o Debate agendado que adio “sine die”.» 5.º - Em 10/07/2023 foi o Signatário notificado do douto Parecer do Ministério Público para querendo responder ao mesmo “no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação”.

6.º - Considerando o disposto no artigo 417.º, n.º 2 e 107.º-A do C.P.P. o prazo para o Arguido responder ao Parecer do Ministério Público termina a 25/07/2023.

7.º - Em 20/07/2023, para surpresa do Signatário, ao contrário do que anteriormente havia decidido, o Senhor Juiz de Instrução Criminal, apesar de não estar em causa o excesso de prisão preventiva do Arguido, o qual apenas ocorre a 27/10/2023, veio designar para debate instrutório os próximos dias 07 e 09 de agosto de 2023.

8.º - Assim, o Arguido apenas pode concluir que o Senhor Juiz de Instrução Criminal tem já conhecimento de que o Recurso apresentado pelo Arguido será julgado improcedente.

9.º - Sendo certo que, encontra-se, ainda a decorrer o prazo para o Arguido responder ao parecer do Digníssimo Procurador Geral Adjunto. Acresce que, 10.º - Este circunstancialismo processual trouxe à memória do Signatário a lição de Franz KAFKA; na verdade, longe vai o tempo em que o Estado era assim: “...um velho funcionário, um senhor bondoso e sossegado, tendo estado perante um caso difícil, que se complicara especialmente devido aos requerimentos dos advogados, estudou-o ininterruptamente durante um dia e uma noite - estes funcionários são na realidade dedicados como ninguém. Pela manhã, após vinte e quatro horas de trabalho, provavelmente não muito frutífero, dirigiu-se á porta de entrada, pôs-se emboscada e atirava todo o advogado que quisesse entrar pelas escadas abaixo. Os advogados reuniram-se em baixo no patamar para decidir o que deviam fazer…cada dia que não é passado no Tribunal é para eles um dia perdido, portanto tinham bastante interesse em entrar. Finalmente acordaram em que deviam fatigar o velho senhor. Era enviado continuamente um advogado, que corria pelas escadas acima e, após ter resistido o máximo possível de uma forma embora passiva, se deixava empurrar para baixo onde era apanhado pelos colegas. Esta situação durou cerca de uma hora, depois o velho senhor, que estava exausto também do trabalho noturno, ficou mesmo cansado e regressou à sua secretária...

” - FRANK KAFKA, “O Processo”, Ed Bertrand, pág. 142.

11.º - “…no fim, ele diz, olhando para entrada da Lei: “vou agora fechá-la”, mas no início da história é-nos dito que a porta da Lei se conserva sempre aberta e, se se conserva sempre aberta, isto é, permanentemente, independentemente da Vida ou da morte do Homem, então o porteiro não pode fechá-la” - KAFKA in “O Processo”, pág. 228.

12.º - A metáfora kafkiana com mais de 100 anos construída pela mente poderosa do escritor em 1920, é hoje plenamente atual; de que valem Leis publicadas no dia a dia do Diário da República se a aplicação das mesmas são às escuras, sem os destinatários serem informados ???? 13.º - De que serve a COUR de Estrasburgo impor aos Estados membros um processo EQUITATIVO se, na prática, não existe equidade ? 14.º - O Venerando Desembargador, com o devido respeito, foi nomeado com violação do PRINCÍPIO do DEVIDO PROCESSO LEGAL consagrado nos art.ºs 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos Tribunais Superiores, aqui aplicável por força do artigo 4.º do CPP de harmonia com o processo penal.

15.º - Na verdade, o arguido AA está retido numa cela fria e húmida do MOTEL PRISONAL DE ..., ao estilo GUANTANAMO, mal alimentado, em retiro físico e espiritual e não foi convidado a assistir ao sorteio eletrónico neste Alto Tribunal, nem o seu Advogado, o qual ao longo do processo sempre tem informado que pretende ser notificado para estar presente em todas as distribuições que lhe digam respeito.

16.º - Com um simples E-mail ou telefonema por parte deste Alto Tribunal a comunicar ao EP ... que tinham sido rececionados os Autos de Impedimento, logo o arguido sinalizaria na sua agenda pessoal, muito preenchida por divagações filosóficas e existenciais, que no dia X à hora Y deveria aprumar-se, eventualmente retirar o fato de macaco cor de laranja que lhe foi destinado como indumentária nos últimos 12 (doze) meses, para assistir ao sorteio neste Alto Tribunal; 17.º - O advogado signatário trabalha e reside em ... pelo que rapidamente se deslocaria ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

18.º - Acontece, porém, que nem o arguido que é o ALVO da JUSTIÇA PORTUGUESA e muito interessado em todos os tramites processuais, foi notificado ou convidado a assistir ao sorteio; tão pouco o advogado signatário foi avisado de tal diligencia que é essencial num ESTADO DE DIREITO; 19.º - Assim constata-se que o Venerando Juiz Desembargador agora recusado: - Foi nomeado para apreciar o Impedimento provavelmente sem sorteio (?); - Até hoje, 24-07-2023, não se conhece algo da nomeação do Venerando Juiz Desembargador; - O defensor apenas visualizou num despacho do tribunal a quo, que “Mediante informação do Tribunal da Relação de Lisboa de que os autos de recurso de impedimento na 5.ª secção, sendo Relator o Exmo. Desembargador Dr. BB…”, sem que se saiba como e por que meios; trata-se de facto consumado sem conhecimento público e do POVO; - Os Senhores Juízes julgam em nome do bom POVO ( art.º 202.º CRP) e para o POVO PORTUGUÊS ao qual o arguido recusante AA pertence; - Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público; - Não contou com a assistência de Advogado; - Não contou com a presença do advogado do Arguido; - Não ocorreu notificação da ACTA desconhecendo-se se foi efetuada; 20.º - As ilegalidades supra suscitadas violam o direito do Arguido ao Juiz Legal – direito, garantia e princípio constitucional fundamental do art.º 32.º, n.º 9 da Constituição; 21.º - Urge assim que seja realizado SORTEIO ELETRÓNICO na presença do arguido e do advogado signatário porquanto ocorreu NULIDADE INSANÁVEL no modus faciendi da distribuição; 22.º - O artigo 213.º, n.º 3 do CPC dispõe o seguinte: “É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 204.º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades: a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.

” 23.º - Os números 4 a 6 do artigo 204.º dispõem que: “4. A distribuição obedece às seguintes regras”: a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata”; b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter...

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