Acórdão nº 125/16.0T9SEI-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução12 de Julho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO Nº 125/16.0T9SEI-A.C1 Processo Comum Singular Pagamento da multa penal em prestações Imputabilidade do incumprimento do trabalho comunitário aplicado em substituição de uma pena de multa Despacho de revogação de trabalho comunitário Forma de contraditório – audição prévia ou audição presencial Juízo de Competência Genérica de Nelas Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

O DESPACHO RECORRIDO No processo comum singular nº 125/16.0T9SEI do Juízo de Competência Genérica de Nelas, foi proferido despacho com a referência nº 92355789, datado de 9 de Fevereiro de 2023, com o seguinte teor (transcrição): «I.

Nos presentes autos de processo comum singular foi AA condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúria agravada, …, e de um crime de detenção de arma proibida, …, na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), … Na sequência do requerimento junto pelo condenado em 17/01/2019, … por despacho datado de 12/12/2019, …, foi aquela pena de multa substituída pela prestação de 230 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo sido homologado o plano de prestação de trabalho a favor da comunidade junto … Sucede que …, o condenado prestou até ao momento apenas 33 horas de trabalho, tendo comparecido pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 8/07/2021.

Notificado para esclarecer os motivos pelos quais não cumpriu o remanescente das horas de trabalho veio o condenado informar que o seu incumprimento se deve ao facto de padecer de problemas de saúde que vêm afectando as suas tarefas e quotidiano, nomeadamente ao nível do coração, a que acrescem problemas relacionados com depressão e ansiedade.

Acrescenta o condenado que trabalha por turnos, o que dificulta uma plena recuperação e que tem relevantes responsabilidades familiares, pois que consigo reside a sua filha menor BB, com 3 anos de idade, e o seu pai está diagnosticado com leucemia e requer exigentes cuidados de saúde, afecto e atenção.

Mais requer o condenado que lhe seja facultada a possibilidade de proceder ao pagamento em prestações da pena de multa em falta.

*O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.

* Desde logo diga-se que como resulta do art.489º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, o requerimento pagamento da pena de multa em prestações faseado deve ser apresentado dentro do prazo para pagamento voluntário da pena de multa.

… No caso em apreço, há muito que decorreu o prazo para pagamento da pena de multa em prestações.

Em face do exposto, por intempestivo, indefiro o requerido pagamento da pena de multa em prestações.

*Cumpre, então, decidir se é de revogar a referida prestação de trabalho a favor da comunidade.

II.

A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena substitutiva, da pena de multa ou da pena de prisão, que necessita do requerimento do condenado para poder ser equacionada pelo tribunal.

…* Dispõe o art.59º, nº2 do Código Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Por outra parte, preceitua o art.49º, nº1 do Código Penal que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº1 do artigo 41º”, adiantando o nº2 que “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado” e o nº4 que “o disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída.

Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior”.

No caso vertente temos que após a substituição da pena de multa pela prestação 230 horas de trabalho a favor da comunidade, o condenado apenas prestou 33 horas, sendo que tendo iniciado o cumprimento do trabalho no dia 20/01/2020, compareceu pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 8/07/2021.

Alega o condenado, em primeira linha, como fundamento para a falta de cumprimento do remanescente das horas de trabalho problemas de saúde.

… tais problemas de saúde não são impeditivos da realização do trabalho por parte do condenado, pois que, como o próprio o reconhece, se encontra laboralmente activo, trabalhando mesmo por turnos.

Um segundo argumento do condenado centra-se na circunstância de tendo ocupação laboral não dispor de tempo para prestar trabalho a favor da comunidade.

A este propósito diga-se que dispondo o condenado de um horário laboral sempre poderia prestar trabalho a favor da comunidade fora de tal horário, sabendo-se da flexibilidade que lhe foi proporcionada para prestar trabalho em período pós-laboral.

Um último argumento do condenado passa pela circunstância de ter relevantes responsabilidades familiares, nomeadamente uma filha menor, com três anos de idade, ao seu encargo e o pai com problemas de saúde, necessitando do seu acompanhamento.

Também tal argumento não convence.

Destarte, quando o condenado exerce a sua actividade profissional necessariamente que tais pessoas não contam com a sua presença física, não podendo ainda deixar de salientar-se que decorreu mais de um ano e meio desde a última vez em que o condenado compareceu na entidade beneficiária do trabalho.

De tudo o que fica dito, cremos que se impõe a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade cuja execução foi determinada em substituição da pena de 230 dias de multa que foi aplicada ao condenado.

Em face do exposto, revogo a prestação de trabalho a favor da comunidade, fixada na prestação de 230 horas de trabalho, em substituição da pena de 230 dias de multa aplicada ao condenado a título principal.

*…».

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu do despacho em causa, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Na óptica do Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo afigura-se, além de injusta, ilegal.

2. Desde logo, ao indeferir a pretensão do pagamento do remanescente da multa em prestações.

3. Já que, alegou e comprovou o aqui Recorrente a sua situação de saúde, familiar e laboral.

4. Enquanto circunstâncias que produzem vicissitudes relevantes na prestação de trabalho a favor da comunidade, v.g. patologia do coração, depressão e ansiedade; intensidade e penosidade dos turnos rotativos que desempenha; o facto de ter a sua filha BB, de 3 anos de idade, aos seus cuidados exclusivos e ter o seu Pai em situação de grave doença, rectius leucemia, o que demandam aturada disponibilidade.

5. Questões estas não verificadas, nem aquando da condenação, nem aquando do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho comunitário.

… 7. Ora, a pretensão do Arguido não foi fugir à pena, mas antes tornar possível e efectiva a compatibilização da mesma com o mínimo da sua dignidade e da sua família.

8. Requerendo um pagamento em prestações, em função do seu rendimento e das suas responsabilidades correntes (comuns a todos os mortais chefes de família) – E não se ignore, aqui, a penhora de que é alvo e como consta do documento junto.

9. Referir, como faz o Tribunal a quo, que uma pretensão dessa natureza é inadmissível face à norma do art.489º, nº2 e nº3 do CPP, é negar a relevância de circunstâncias sérias/supervenientes não imputáveis a qualquer pessoa.

10. Tal interpretação viola os princípios subjacentes à dignidade da pessoa humana, aos próprios fins das penas e é pautada pela insensatez, desnecessidade e desproporcionalidade.

11. Sendo, ainda, incompatível com o fiel sentido normativo dos arts. 1º, 13º, nº2, 18º, da CRP, e arts. 40º e sgs., 49º, 59º, do CP e art.489º, do CPP.

… 23. Caso assim não se conclua, cremos que este Venerado Tribunal de Recurso, deverá aquilatar da violação de um direito de defesa efectivo (art.32º, da CRP), atenta a falta de audição presencial do Arguido, antes da decisão de revogação aqui em causa.

24. Importando a declaração da nulidade insanável prevista no art.119º, al. c), do CPP,com legais consequências, designadamente, anulação da decisão ora em crise e imposição dessa audição presencial do Arguido em juízo.

… 3.

O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento.

4.

Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, … 5.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso … são estas as questões a decidir por este Tribunal: · Nesta fase processual, ainda é possível pagar a pena de multa em prestações? · O incumprimento do trabalho comunitário não é imputável ao arguido? · Na revogação do trabalho...

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