Acórdão nº 47/21.3IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução12 de Julho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão, deliberado em conferência, da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I.

RELATÓRIO I. O Ministério Público veio interpor recurso do segmento da sentença proferida no processo comum singular nº 47/21.3IDLRA, do Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – J2, Tribunal da Comarca de Leiria, que julgou improcedente o pedido de declaração de perda a favor do Estado do valor de € 13.802,19, efetuado pelo Ministério Público, nos termos do artigo 110°, n° 1, al. b), do Código Penal.

* I.1. Decisão recorrida (que se transcreve na parte com relevo).

“(…) 1.1.

Factos provados Com interesse e relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

  1. DA ACUSAÇÃO … A sociedade arguida está coletada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral.

    Na qualidade de sujeito passivo de IVA, a sociedade arguida tinha como obrigações a liquidação de IVA, emissão de fatura ou documento equivalente, declarativa, autoliquidação de tributo e o pagamento.

    A sociedade arguida deu cumprimento às respetivas obrigações de declaração periódica em sede de IVA, relativas ao quarto trimestre do ano de 2019, que apresentou à Administração Fiscal dentro do prazo legal estabelecido para o efeito.

    Nessa declaração a sociedade arguida inscreveu como valores de IVA a favor do Estado a importância liquidada a terceiros, seus clientes, que alcançou o montante de €13.802,19.

    Em simultâneo com o envio da mencionada declaração periódica de IVA, a sociedade arguida não entregou aos cofres do Estado a quantia suprarreferida resultante da autoliquidação, nem o fez nos 90 dias posteriores ao termo do prazo legal para a entrega.

    Notificados os arguidos para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias em dívida, acrescidas de juros e do valor das coimas aplicáveis, não o fizeram.

    Em representação da sociedade arguida, o arguido … apoderou-se da referida quantia, integrando-a indevidamente no património da sociedade arguida para fazer face a outros compromissos.

    Ao agir em representação da sociedade arguida, bem sabia o arguido … que tinha a obrigação legal de entregar o Imposto sobre o Valor Acrescentado aos Cofres do Estado e, apesar disso, de forma livre, voluntária e consciente, não o fez, e utilizou a mencionada quantia em proveito da sociedade arguida, em detrimento do Estado, atuando com intenção de obter vantagem patrimonial indevida e de prejudicar a Fazenda Nacional em montante não inferior a €13.802,19.

    Mais sabia o arguido … que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

  2. OUTROS FACTOS 1.

    Para cobrança coerciva do IVA do quarto trimestre de 2019, liquidado em nome da arguida A..., Unipessoal, Lda., NIPC ..., no valor de 13.802,19 €, foi instaurado o processo de execução fiscal n. o ...63, no âmbito do qual, por Despacho de 28.04.2022, foi determinada a reversão fiscal contra o responsável subsidiário AA, NIF ..., cuja citação pessoal ocorreu em 13.06.2022, nos termos do Art. 192.0 n.º 2 e 3 do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

    1. Relativamente ao valor do IVA de 13.802,19€, foi anulado o montante de 434,84€ (proveniente de uma declaração de substituição), ficando em dívida o montante de 13.367,35€, ao qual acresceram os seguintes valores: 872,17€ referentes a juros de mora e 388,00€ referentes a custas processuais.

    2. No âmbito da dívida em apreço, foi pago o montante de 10.738,45€, estando em dívida o valor de 3.889,07€, a que corresponde: 3.852,73€ de quantia exequenda, 14,28 € juros de mora e 22,06 € de custas processuais.

      (…) Na douta acusação vem pedida a PERDA DE VANTAGENS ao abrigo do disposto no Art.

      110º, nº 1, alínea b), do Código Penal, … Sucede que no caso dos autos à vantagem obtida corresponde uma obrigação fiscal de pagar o montante em causa. O qual, aliás, já está a ser objeto de execução, contra ambos os arguidos. Não podendo estes ser obrigados a pagar duas vezes esse montante, sob pena de enriquecimento indevido (e, portanto, ilícito) por parte do Estado.

      Pelo que nada há a declarar perdido a favor do Estado.

      … C) Não se declara a PERDA DE VANTAGENS ao abrigo do disposto no Art.

      110º, nº 1, alínea b), do Código Penal, como vem pedido na acusação, uma vez que não se verifica nos autos situação subsumível a essa previsão legal.

      ” * I.2. Recurso do Ministério Público … 1. Nos presentes autos os arguidos … Foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos arts.105° do RGIT.

    3. Pese embora o Ministério Público não tenha deduzido pedido de indemnização civil - por tal ter sido a posição manifestada pela AT - requereu que fosse decretada a perda de vantagens nos termos 110, n.º, al.b), do C.P., pedindo concretamente que a vantagem patrimonial obtida (13.802,19€) fosse declarada perdida a favor do Estado e consequentemente que os arguidos fossem condenados a proceder à entrega de tal valor.

    4. Todavia, o Tribunal a quo não declarou a perda de vantagens ao abrigo do disposto no art.110°, nº 1, alínea b), do Código Penal, por entender que não se verifica nos autos situação subsumível a essa previsão legal, uma vez que tal valor estava já a ser alvo de execução.

    5. Resulta do art.110°, n.º1, al. b), do Código Penal (na redação introduzida pela Lei 30/2017, de 30/5 e já em vigor à data dos factos, anterior art.111°) que são declaradas perdidas a favor do Estado, as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

    6. Por sua vez, do seu nº4 resulta que "Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo na fase executiva, com os limites previstos no artigo 112°-A", e o n°6 acrescenta que o disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.

    7. Assim, para tal decretamento basta a condenação por um facto ilícito típico e bem assim que dele tenham resultado vantagens para o seu agente.

    8. O instituto da perda de vantagem do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da...

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