Acórdão nº 370/20.4GABRR-W.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Julho de 2023

Data21 Julho 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório 1. AA, arguido nos autos em referência, sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), alegando encontrar-se atualmente em prisão ilegal, apresenta petição de habeas corpus, nos termos e com os seguintes fundamentos: «1º- Em sede de interrogatório judicial, no pretérito dia 13/07/2021, foi determinada ao Arguido a aplicação da medida de coação de prisão preventiva prevista no artigo 202º do C.P.P., por se considerar existirem fortes indícios dos mesmos terem praticado, em autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-B do mesmo diploma legal.

2.º Em Outubro de 2021 a medida de coação daquele foi alterada para OPHVE, 3.º Foi condenado a 12 de Setembro de 2022, a partir dessa data interpôs os recursos respectivos, 4º- Assim, os Arguidos encontram-se privado da liberdade sujeito á medida de coação ora referida desde o dia 13/07/2021.

5º- Sendo certo que, que no dia em que fez o excesso da privação da liberdade 13 de Julho de 2023 é que toma conhecimento do transito em julgado sem ter havido notificação alguma, logo estamos perante uma grande ilegalidade cometida pelo Tribunal á Quó, .

  1. - Dispõe o artigo 215° do CPP a contrario sensu, o seguinte: "1 A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

    1. Seis meses sem que tenha sido deduzida acusação; b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.a instância; d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado." 2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos…” 7º - No caso em apreço, atentos os crimes indiciados nos autos, o prazo máximo de privação da liberdade sem haver transito em julgado é 02 anos, pelo que, encontra-se esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva ou seja de OPVE, previsto nas disposições dos artigos 215º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 1º, alínea m), do Código de Processo Penal, cujo término ocorreu em 25/05/2022.

      8º- Assim, o prazo máximo de prisão preventiva nos presentes autos encontra-se ultrapassado.

      9º - Dispõe o Artigo 222º do Código de processo Penal que: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

      2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

    2. Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.” 10º - Encontrando-se ultrapassado o prazo máximo de OPHVE, a detenção dos Arguido na sua residência mostra-se um atentado ilegítimo à sua liberdade individual, e é ilegal nos termos do Artigo 222º nº2 alínea c) do Código de processo Penal.

      Até a presente data, 13/07/2023, nem o Arguido nem o seu Mandatário foi notificado do Despacho de transito em Julgado, pelo que, à cautela, e por mero dever de patrocínio, ainda diremos o seguinte: 9º- Nos termos do artigo 4º do Código de Processo Penal: “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.” (Negrito nosso).

  2. - Assim, verte o artigo 144º do Código de Processo Civil: 1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição. (…) 7 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:

    1. Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal; c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição; d) Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.” (Negrito nosso).

      11º- Segundo os artigos acima citados, os atos processuais das partes, consideram-se praticados na data da efetivação do registo postal.

      12º- Ou seja, mesmo que o Despacho de Acusação seja proferido com data anterior a 25/05/2022, o que é revelante para verificação do cumprimento do prazo máximo da prisão preventiva, previsto no artigo 215º do Código de Processo Penal, é a data da expedição do registo postal e não a data da prolação da acusação.

      Ora, 13º- Portugal é, por determinação Constitucional, “um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, (…), no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes” (art.2º da CRP), no qual, nomeadamente, “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (nº4 do art. 20º da CRP), “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. (art. 27º, n.º 2 da CRP), “A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.” (art. 28º, n.º 4 da CRP), “1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

      1. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, (…).” (art.32º da CRP); “1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

      2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos (…)” (art.202º da CRP); “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nele consagrados” (art.204º da CRP); 14º - E no qual a lei ordinária dispõe, nomeadamente, que: “1. Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes (…).” (art.152º do CPC); 15º- Ou seja: com o óbvio propósito de, por um lado, assegurar o respeito do direito a processo equitativo e das garantias de defesa (arts. 2º, 20º e 32º da CRP); e por outro, impedir que os cidadãos sejam privados da sua liberdade, quando se encontram esgotados os prazos estabelecidos por lei.

        16º- Sendo certo que sempre serão inconstitucionais os artigos 215º e 222º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido que: “Para verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva é relevante a data da prolação do Despacho de Acusação e não a data da expedição postal.” E ainda no sentido que: “Não é fundamento bastante do pedido de Habeas Corpus a data da expedição postal do Despacho de Acusação.” Tais interpretações violam os artigos 2º, 20º, 27º, n.º 2, 28º n.º 4, 32º, 202º, 204º, todos da Constituição da República Portuguesa, artigo 144º e 152º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal, inconstitucionalidades que, desde já se arguem.

        Assim, em face do que ficou exposto resulta, claramente, que a prisão dos Arguido é manifestamente ilegal, pelo que se requer a V. Exa., o deferimento do presente pedido de Habeas Corpus, e em...

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