Acórdão nº 501/23 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Carvalho
Data da Resolução11 de Julho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 501/2023

Processo n.º 501/2023

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do despacho do relator daquele Tribunal, de 14 de abril de 2023, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade de arguido em processo crime, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão de 1.ª instância que o condenou, pela prática em coautoria material de um crime de burla qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, bem como no pagamento da indemnização peticionada em pedido cível. Por acórdão de 22 de junho de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

O ora reclamante arguiu irregularidades e a nulidade desse acórdão através de dois requerimentos, apresentados em 30 de junho e em 4 de julho de 2022, e interpôs recurso do mesmo acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de setembro de 2022.

Em 27 de novembro de 2022, foi admitido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas quanto à matéria cível.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de dezembro de 2022, foram indeferidos ambos os incidentes pós-decisórios apresentados em 30 de junho e 4 de julho.

Deste acórdão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja admissão foi recusada por despacho de 31 de janeiro de 2023.

Ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, foi apresentada reclamação deste despacho para o Supremo Tribunal de Justiça. A reclamação foi indeferida por decisão do Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de março de 2023.

O ora reclamante arguiu a irregularidade deste despacho, requerimento que foi indeferido na totalidade, por despacho do Juiz Conselheiro Vice-Presidente, de 28 de março de 2023.

3. Foi então interposto recurso de constitucionalidade dos despachos do Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de março e de 28 de março de 2023. Do extenso requerimento apresentado (cf. fls. 751-761), retira-se com interesse para a decisão a proferir o seguinte:

«A., Reclamante nos autos à margem melhor identificados, notificado da douta decisão singular, datada de 18 de Março de 2023, e do douto despacho, datado de 28 de Março de 2023, que apreciou e indeferiu a arguição da irregularidade imputada pelo Arguido à primeira decisão, que se manteve, de ambas as referidas decisões, vem interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

o que faz nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, al. b), e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º, nºs 1, al. b), n.º 2, e n.º 3, 72.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 75.º, n.º 2 e 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 82/89, de 15 de Novembro (LTC), com os seguintes fundamentos:

[…]

II - NORMAS CUJA FISCALIZAÇÃO DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE SE REQUER QUE O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL APRECIE POR TEREM SIDO APLICADAS NA DOUTA DECISÃO SINGULAR, DATADA DE 18 DE MARÇO DE 2023 (1.a DECISÃO RECORRIDA)

O recurso ora interposto pretende fazer apreciar pelo Tribunal Constitucional a constitucionalidade das seguintes duas normas aplicadas na douta Decisão Singular, datada de 18 de Março de 2023 (1.a decisão recorrida):

- O artigo 400.°, n.° 1, alínea c), do CPP, interpretado (como foi na douta decisão de 18 de Março de 2023) no sentido de, em caso de confirmação pelo Tribunal da Relação de pena de prisão inferior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso do Arguido para o STJ o Acórdão da Relação que, posteriormente a tal Acórdão confirmatório, aprecie, a requerimento do mesmo, a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. a), do CPP, com base na violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição do Tribunal da Relação; e

- O artigo 405.°, n.° 1 e 3, do CPP, quando interpretado (como foi na decisão de 18 de Março de 2023, mas, de igual forma, na decisão de 28 de Março de 2023) no sentido de o Presidente do Tribunal superior (ou Vice-Presidente quando aprecie a reclamação), poder oficiosa e inovadoramente proferir decisão que mantenha a rejeição do recurso, com fundamento jurídico diverso do adoptado pelo Tribunal recorrido/reclamado, sem conceder contraditório prévio ao Arguido/Recorrente sobre a hipótese de a rejeição ocorrer com base em fundamento que não tenha sido anteriormente suscitado pelo MP e ou pelo Assistente.

III - DAS NORMAS CUJA FISCALIZAÇÃO DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE SE REQUER QUE O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL APRECIE POR TEREM SIDO APLICADAS NA DOUTA DECISÃO, DATADA DE 28 DE MARÇO DE 2023 (2.a DECISÃO RECORRIDA)

O recurso ora interposto pretende fazer apreciar pelo Tribunal Constitucional a constitucionalidade das seguintes três normas aplicadas na douta Decisão Singular, datada de 28 de Março de 2023 (2.ª decisão recorrida), anotando-se que a primeira norma abaixo indicada foi igualmente aplicada na 1.a decisão recorrida (datada de 18 de Março de 2023):

- O artigo 405.º, n.° 1 e 3, do CPP, quando interpretado (como foi na decisão de 18 de Março de 2023, mas, de igual forma, na decisão de 28 de Março de 2023) no sentido de o Presidente do Tribunal superior (ou Vice-Presidente quando aprecie a reclamação), poder oficiosa e inovadoramente proferir decisão que mantenha a rejeição do recurso, com fundamento jurídico diverso do adoptado pelo Tribunal recorrido/reclamado, sem conceder contraditório prévio ao Arguido/Recorrente sobre a hipótese de a rejeição ocorrer com base em fundamento que não tenha sido anteriormente suscitado pelo MP e ou pelo Assistente;

- Os artigos 405.°, n.° 1, 118.°, n.° 2 e 123.°, n.° 1, do CPP, interpretados (como foram na decisão de 28 de Março de 2023) no sentido de a violação do direito ao contraditório quanto a argumento de rejeição do recurso oficiosamente adoptado pelo Presidente do Tribunal (ou pelo Vice-Presidente quando o substitua) no exercício do poder jurisdicional previsto na primeira disposição indicada, não poder ser reparada por via de arguição de irregularidade posterior à decisão que conheça da reclamação, por (nesse momento) já se ter esgotado o poder jurisdicional do mesmo; e

- Os artigos 405.°, n.° 1, 118.°, n.° 2 e 123.°, n.° 1, do CPP, interpretados (como foram na decisão de 28 de Março de 2023) no sentido de a violação do direito ao recurso, por ilegal rejeição do mesmo, no exercício do poder jurisdicional previsto na primeira disposição indicada, não poder ser reparada por via de arguição de irregularidade posterior à decisão que conheça da reclamação, por (nesse momento) já se ter esgotado o poder jurisdicional do mesmo.

[…]

VI – CUMPRIMENTO E OU DISPENSA DE CUMPRIMENTO DO ÓNUS DE PRÉVIA ARGUIÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

A - Quanto à primeira norma objecto de recurso, extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea al. c) do CPP e aplicada na 1.ª decisão recorrida, datada de 18 de Março de 2023:

No entendimento do ora Recorrente existe "decisão surpresa" não quanto ao sentido interpretativo a que se aderiu na douta decisão de 18 de Março de 2023 (perfeitamente e desde logo identificado pelo ora Recorrente na reclamação dirigida ao Presidente do STJ), mas, apenas e só, quanto à base normativa a que o STJ veio oficiosa e inovadoramente a recorrer para extrair a norma aplicada, a al. c), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP;

Circunstância que, s.m.o., dispensa o Recorrente de prévia indicação da al. c) n.º 1 do artigo 400.º, do CPP, como base normativa da primeira norma objecto de recurso.

[...]

B - Quanto à segunda norma objecto de recurso, extraída do artigo 405.º, n.º l e 3, do CPP, aplicada na 1.ª decisão recorrida, datada de 18 de Março de 2023 mas, de igual forma, na 2.ª decisão recorrida, datada de 28 de Marco de 2023:

Salvo melhor entendimento, ao Recorrente não era exigível antecipar que o STJ iria alterar, como alterou, o fundamento para a rejeição do recurso antes adoptado pelo TRL, e, simultaneamente, dispensar o contraditório sobre a aplicabilidade ao caso da alínea que veio a aplicar.

Por esse motivo, a douta decisão singular datada de 18 de Março de 2023 constitui uma "decisão surpresa" que dispensa o Recorrente da prévia arguição da segunda norma objecto de recurso.

Acresce que, o ora Recorrente arguiu perante o STJ a inconstitucionalidade normativa da segunda norma aplicada no requerimento que remeteu ao STJ no dia 27 de Março de 2023 [...].

C - Quanto às terceira e quarta normas objecto de recurso, ambas extraídas dos artigos 405.º, n.º 1, 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP e aplicadas na 2.ª decisão recorrida, datada de 28 de Março de 2023:

O Recorrente não procedeu à prévia arguição da inconstitucionalidade da terceira e quarta normas a sindicar por as mesmas terem sido aplicadas através de "decisão surpresa", datada de 28 de Março de 2023, na sequência da arguição da irregularidade quanto à douta Decisão Singular, datada em 18 de Março de 2023.

Na verdade, face à interpretação normativa adoptada na decisão de 28 de Março de 2023, também recorrida, o instituto das irregularidades para nada serviria em reacção a decisão já prolatada nos termos do artigo 405.º do CPP.

Ou seja, mesmo que o Presidente (ou Vice-Presidente) que julguem a reclamação violem, de facto (por erro de julgamento, sempre possível), seja o direito ao contraditório do Reclamante, seja o próprio direito ao recurso (invocado com fundamento da reclamação), de nada valeria ao Arguido reagir contra tal violação, nem sequer através da mais célere...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT