Acórdão nº 00515/20.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | Paulo Ferreira de Magalhães |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2023 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO [SCom01...], E.M.S.A.
[devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra «AA» e «BB» [também devidamente identificados nos autos], na qual foi requerida i) a condenação dos Demandados a pagar-lhe as rendas já vencidas, no montante de €323,41 (trezentos e vinte e três euros e quarenta e um cêntimos), assim como, ii) a condenação dos Demandados a pagar-lhe os juros calculados à taxa de 4% desde a citação e até real e efectivo pagamento, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado absolver os Réus da instância por ocorrência da falta de interesse em agir, veio interpor recurso de Apelação.
* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] 1 - Por douta sentença foram absolvidos os Réus da instância com fundamento na excepção dilatória de falta de interesse em agir.
2 - A factualidade está em desacordo expresso com o fundamento legal da douta sentença ora recorrida.
3 - A Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro não é aplicável à apreciação da questão decidenda.
4 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são meros contratos de arrendamento qua tale.
5 - O contrato dos autos é um contrato misto, formado por um contrato de locação e um contrato de promessa de compra e venda e consequentemente fora do âmbito de aplicação desta Lei.
Vejamos então, 6 - Os contratos previstos na Lei 81/2014, de 19 de Dezembro são celebrados pelo prazo máximo de 10 anos, contrariamente ao dos autos que é celebrado pelo prazo de 25 anos.
7 - Nos contratos celebrados no alcance e previsão da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro nunca os arrendatários se tornam proprietários, ao contrário da estatuição do contrato dos autos, em que os arrendatários se tornam proprietários do locado findo o prazo de duração do contrato.
8 – O total desalinho do quadro legal aplicável verte-se ainda nas regras de atribuição das habitações no âmbito da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro comparando-as com as definidas âmbito do contrato dos autos, em que a atribuição é feita de acordo com o estabelecido no Regulamento Municipal para Atribuição de Habitações a Custos Controlados.
9 - O contrato dos autos, ao contrário do quadro legal aplicável por força da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, prevê que durante o seu período de vigência a promitente vendedora deixa de ter quaisquer obrigações ou encargos com os imóveis locados/prometidos vender, sendo os locatárias assumir as obrigações inerentes a um proprietário.
Por último, 10 - Enquanto os contratos celebrados ao abrigo da Lei 81/204, de 19 de Dezembro é regulamentadas em todo o seu itinerário pelo regime jurídico que este encerra, o contrato dos autos é exclusivamente regido pelo Regulamento Municipal, pelo clausulado do contrato e pela legislação civil.
11 - O que a afasta, à saciedade, e sem mais, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado aos factos.
12 – Inequivocamente neste sentido na douta sentença extractada nas presentes alegações, como ainda em vários outros arestos, designadamente no processo 943/19.8BEPRT - U. Orgânica 2.
13 - Violou a sentença recorrida incisos legais, sustentando-a em legislação não aplicável ao caso em exegese, devendo, em consequência, ter provimento o presente Recurso.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso no alcance propugnado, assim se fazendo Justiça.
[…].” ** Os Recorridos não apresentaram Contra Alegações.
* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.
** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.
*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de direito.
** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado matéria de facto, para efeitos da decisão do presente recurso, este TCA Norte julga como adequada e bastante o quanto está constante do relatório elaborado, dele para aqui se extraindo parte da sua essencialidade, como segue: “[…] [SCom01...], E.M.S.A.
, empresa local, ao abrigo da Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto, detentora do cartão de contribuinte com o número ...83, com sede na Rua ..., freguesia e Concelho ..., veio intentar acção administrativa especial contra «AA» e «BB». Pede a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de € 323,41, a título de dívidas de rendas vencidas e não pagas, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento. Assenta o seu pedido em contrato de arrendamento que celebrou em 01.01.2004 com os réus, sujeito ao regime previsto no regulamento municipal de atribuição e gestão de habitação pública, nos termos do qual aquela deu de arrendamento àqueles a fracção autónoma ... do prédio urbano sito na Rua ... traseira, da freguesia ..., Concelho ... – cfr. doc. ... junto com a p.i. -, e na falta de pagamento das rendas devidas ao abrigo do mesmo contrato. Assim, a tutela que a autora pretende assegurar com os presentes autos refere-se ao pagamento das rendas em dívida e correspondentes juros de mora.
Os réus não apresentaram contestação.
Por despacho de 26.01.2022, foi suscitada a falta de interesse em agir.
Pronunciando-se sobre a excepção invocada, veio a autora pugnar pela sua improcedência, contrapondo que o contrato em causa nos autos, configurando um contrato misto de arrendamento e de promessa de compra e venda, não se enquadra no regime legal previsto na Lei n.º 81/2014...
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