Acórdão nº 00372/23.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução30 de Junho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO «AA» [devidamente identificado nos autos], Requerente no processo cautelar que intentou contra o Ministério da Administração Interna [também devidamente identificado nos autos], visando a suspensão de eficácia do despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 18 de Janeiro de 2023 por via do qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado improcedente o pedido por si efectuado.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, o Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES I. A decisão a quo está errada e, por isso, deve ser revogada.

  1. Considerou o Tribunal a quo não se mostrar preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, isto é, da “aparência do bom direito” no que se refere à acção principal.

  2. Para que se considere preenchido tal pressuposto, mostra-se necessário que, atendendo aos factos alegados e aos fundamentos subjacentes ao pedido formulado, seja provável que a pretensão formulada ou a formular na acção principal venha a ser julgada procedente.

  3. Conforme se refere em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.11.2017, proferido no Processo n.º 01197/17, “o fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da acção administrativa principal.

  4. A apreciação da sua verificação ou não, no caso concreto, implica, por conseguinte, a formulação de um juízo – necessariamente perfunctório, atenta a natureza do processo cautelar – sobre a probabilidade do êxito da pretensão principal.

  5. Relativamente à avaliação do grau de probabilidade, e pese embora o carácter casuístico que lhe está, forçosamente, associado, tem defendido a jurisprudência que será de considerar provável “o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, o que exige, no domínio jurídico, “que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto” – cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 15.09.2016, proferido no Processo n.º 79/16 e de 08.03.2017, proferido no Processo n.º 651/16.

  6. Finalmente, para que seja concedida uma providência cautelar exige-se, ainda que se proceda a uma ponderação de todos os interesses públicos e privados em presença, como resulta do disposto artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

  7. Descendo ao caso concreto da recorrente a execução do acto suspendendo, A execução da decisão de suspensão da requerente com a consequente situação de desemprego em que ficará colocado, causará sério prejuízo a este cuja reparação se afigura difícil.

  8. O vencimento do requerente é fundamental para a subsistência do seu agregado familiar.

  9. O requerente é casado e vai ser novamente pai em finais de fevereiro 2023, tem um descendente de uma relação anterior que se encontra a residir com a mãe sendo que contribui a título de alimentos com a quantia mensal de 150€ (cento e cinquenta euros), as restantes despesas prendem-se com amortização de empréstimos bancário destinado a aquisição de habitação própria no montante mensal de 1034,91€, um empréstimo pessoal com uma prestação mensal no montante de 136,91€, a que acrescem ainda despesas mensais num montante aproximado de 275€ (fornecimento de água, luz e gás).

  10. Tem ainda a incontornável despesa relacionada com a alimentação que ronda os 500€ mensais.

  11. A esposa do recorrente encontra-se em gozo de licença de maternidade pelo que tão pouco dispõe o requerente de outra fonte de rendimentos neste momento pelo que a execução da decisão colocará o mesmo em situação deveras precária e de mui difícil reparação.

  12. Aliás, a execução do ato coloca em causa o direito ao Trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 58.º da C.R.P..

  13. Outrossim, não parece resultar prejuízo sério ou grave lesão para o interesse público com a suspensão da eficácia do ato até decisão da ação principal.

  14. No fundo, estamos perante vários inocentes que serão irremediavelmente prejudicados por um acto administrativo com eficácia externa e lesivo de um dos direitos mais basilares.

  15. Existe, pois, por parte do Reu uma falta de sentido de proporcionalidade e uma ponderação indevida na análise da situação vertente que coloca em causa o direito ao trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 65º da C.R.P., que garante a subsistência do agregado familiar do recorrente que nada têm a ver com a presente situação.

  16. Pelo que a situação do recorrente impõe a busca de equilíbrio e harmonia, na ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto, na prossecução da melhor forma de aplicação e efectivação dos direitos fundamentais.

  17. Por isso mesmo, estabelece o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

  18. O ato do Reu é, em nosso entender, nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos abrigados do artigo 161º nº 2 d) do C.P.T.A. em conjugação com o disposto no artigo 32º nº2 da C.R.P..

  19. Nulidade essa, cujo decretamento será requerido na ação administrativa de que a presente providência é preliminar.

  20. Há igualmente, violação do princípio da legalidade, do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da proporcionalidade, dos princípios da justiça e da razoabilidade, do princípio da imparcialidade e do princípio da boa-fé previstos nos artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º e 10º do C.P.T.A. e C.P.A.

Por todas estas razões deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão proferida.

[…]” ** O Requerido, ora Recorrido Ministério da Administração Interna, não apresentou Contra alegações.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos, e modo de subida.

*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões que vêm suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, essencialmente, a final e em suma, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito por não ter dado como verificado o requisito do fumus iuris a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA [Cfr. conclusões I, II, III, XIII, XVI, XVII, XVIII e XXI das Alegações de recurso].

** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “[…] Com relevância para a decisão a proferir nos autos, considero indiciariamente provados os seguintes factos: 1) Em 14.06.2016, foi remetido ao Sr. Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de ... o Ofício n.º ..., com o seguinte teor: “(...) Junto envio a V. Exª., em anexo, fotocópia autenticada do ofício n.º ...37, de 07.06.2016, da Comarca de Lisboa Oeste – Ministério Público – ... – DIAP – ... Secção, que remete cópia do despacho final proferido no âmbito do Inquérito n.º 113/11...., no qual são arguidos os Agentes (...) M/153662, «AA» (...), todos desse Comando, para os adequados procedimentos.

(...)” – cfr. fls. 2 e seguintes do PA junto aos autos, a fls. 106 e seguintes do SITAF; 2) Em 29.06.2016, foi proferido despacho de instauração de processos disciplinares, na sequência do ofício mencionado no ponto anterior – cfr. fls. 2 e 26 do PA junto aos autos, a fls. 106 e seguintes do SITAF; 3) Em 01.07.2016, o instrutor nomeado autuou o processo disciplinar N... contra «AA» – cfr. fls. 26 do PA junto aos autos, a fls. 106 e seguintes do SITAF; 4) Em 29.05.2017, no âmbito do Processo n.º 113/11...., foi proferido acórdão, pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de ... Oeste, nos termos da qual «AA» foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos artigos 26º, 143º, nº 1, 144º, al. c) e 145º, nº 1, al. c) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, als. h) e m), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, bem como a pagar ao demandante «BB», solidariamente e a título de indemnização por danos «CC», a quantia de € 15.000,00 – cfr. fls. 156 e seguintes do PA junto aos autos, a fls. 368 e seguintes do SITAF, e fls. 168 e seguintes do PA junto aos autos, a fls. 393 e seguintes do SITAF; 5) Em...

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