Acórdão nº 5215/18.2T9CSC-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelERNESTO VAZ PEREIRA
Data da Resolução11 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO I.1.

AA, por sentença de 12/01/2022, do Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1. al. b) do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

A sentença transitou em julgado em 02.05.2022.

I.2.

O Ministério Público no Juízo Local Criminal ... veio apresentar requerimento pedindo a revisão da sentença condenatória em favor do condenado, com fundamento no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP).

Rematando, com as seguintes conclusões: “1. Por sentença transitada em julgado no dia 30 de junho de 2017, no Processo n.º 314/13.0PBCSC, que correu termos no Juízo Local Criminal – Juiz ..., foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 3 meses.

  1. Considerando que o arguido não procedeu à entrega da carta de condução para efeito de cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado, foi extraída certidão e remetida ao Ministério Público para efeito de eventual procedimento criminal contra o arguido por crime de desobediência, para além de se determinar a apreensão daquela, nos termos do artigo 500.º do Código de Processo Penal.

  2. Tal certidão deu origem aos presentes autos, nos quais, após a realização de todas as diligências necessárias, foi proferido despacho de acusação, imputando ao arguido um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal, do qual este veio a ser regularmente notificado.

  3. Na sequência, cumpridas as formalidades legais, foi o arguido submetido a julgamento, que teve lugar na sua ausência e proferida sentença, a 12 de janeiro de 2022 (e para cuja data foi também o arguido regularmente notificado), na qual se decidiu condenar o arguido pela prática do crime que lhe vinha imputado na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e se determina a notificação pessoal do arguido, nos termos do artigo 333.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, a qual veio a ocorrer a 22 de março de 2022.

  4. A sentença proferida, por não contestada em sede de recurso, transitou, de forma pacífica. No entanto, apesar de não apresentar qualquer recurso, o arguido remeteu aos autos requerimento, datado de 26 de abril de 2020, dando conhecimento de que a pena acessória em que havia sido condenado, e que estava na origem dos presentes autos e condenação, já havia sido declarada extinta, para o que juntou cópia de um despacho.

  5. Na sequência, foi determinada a junção aos autos de certidão do despacho proferido no Processo n.º 314/13.0PBCSC, a 12 de junho de 2020 e no qual, determinando-se a extinção da pena acessória aí aplicada ao arguido, pelo seu cumprimento, se fez constar que ‘Tendo em atenção o promovido pelo Ministério Público, sustentado pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 20-02-2020 considera-se ter o arguido iniciado o cumprimento da pena acessória na data do trânsito em julgado da sentença condenatória, a saber, 30-06-2017 e, consequentemente, ter terminado, no dia 30-09-2017, o cumprimento da pena em causa’.

  6. Verifica-se que foram descobertos factos e elementos de prova novos que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos termos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, os quais se aferem fundamento para ter lugar revisão da sentença condenatória transitada em julgado.

  7. O recurso de revisão de sentença transitada em julgado visa corrigir uma situação de erro judiciário quando factos ou meios de prova supervenientes ponham em causa a justiça de uma absolvição ou de uma condenação.

  8. Ora, no caso dos presentes autos, certo é que se verificam preenchidos ambos os requisitos previstos no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, nomeadamente: a apresentação de factos ou meios de prova que se devam considerar novos; e a verificação de que tais factos ou meios de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

  9. Efectivamente, os elementos de prova são novos porquanto não eram do conhecimento do Tribunal quando proferiu a sentença, não tendo sido por este considerados decisão em que se fundou a condenação.

  10. E, os novos meios de prova só foram conhecidos após trânsito em julgado da sentença condenatória, porquanto o arguido deles não deu atempadamente conhecimento, nem o Processo n.º 314/13.0PBCSC remeteu cópia do despacho proferido ao presente processo.

  11. Tais elementos de prova põem em causa, de forma séria, a justiça da condenação do porquanto demonstram que o arguido não podia fazer a entrega da sua carta de condução, razão pela qual, no referido despacho datado de 12 de junho de 2020 se fez retroagir o cumprimento da pena à data do trânsito em julgado da sentença.

  12. Pelo que, em face dos novos elementos de prova, outra não pode ser a conclusão de que a atuação do arguido não preenche os elementos do tipo do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, pelo qual foi este condenado nos presentes autos.

  13. De facto, caso o Tribunal estivesse na posse dos elementos de prova que agora foram juntos, certamente teria absolvido o arguido do crime de desobediência, pelo que urge evitar os efeitos de uma sentença injusta e, consequentemente reparar um erro judiciário, dando, assim, primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

    Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, declarando-se a anulação da sentença proferida, substituindo-a por outra nos termos determinados, só assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA!” I.3.

    Veio a informação prevista no artigo 454º do CPP, do seguinte teor: “Tendo em consideração o disposto o art. 449º, n.º 1, al. d) do Cód. de Processo Penal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: “(…) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

    Destarte, o processo de revisão com fundamento na al. d), acima citada, visa uma nova decisão, assente num novo julgamento sobre a matéria de facto, sendo que nos factos novos se incluem todos os que deveriam constituir tema de prova.

    Ora, in casu, vislumbra-se que nas questões suscitadas pela Digna Magistrada do Ministério Público, são invocados novos elementos fácticos alicerçados em novos meios probatórios, porquanto o Tribunal, no momento da audiência de julgamento e da sentença proferida,deles não tinha conhecimento, o que apenas veio a suceder em momento posterior (meses após o trânsito em julgado) pelo que, devem aqueles servir de fundamento para permitir uma alteração à sentença condenatória proferida, substituindo-a por outra que absolva o arguido da prática do crime de desobediência, nos termos do art. 461º do Cód. de Processo Penal.

    Por todo o exposto, e em conformidade com as referidas disposições legais, o parecer deste Tribunal é no sentido de que deve ser deferida a revisão, por manifestamente fundada.” I.4.

    O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto no STJ emitiu parecer no sentido da negação da revisão, de onde se extrai o seguinte: “Ordenando cronologicamente os factos que evolam dos elementos processuais supra resenhados temos que: 1.º - Em 22 de maio de 2017, o arguido AA foi condenado no processo 314/13.0PBCSC pela prática de um crime p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses; 2.º - A sentença foi pessoalmente notificada ao arguido em 31 de maio de 2017 e transitou em julgado em 30 de junho de 2017; 3.º - Aquando da notificação da sentença o arguido foi advertido que devia entregar a carta de condução no tribunal ou no posto policial da área da sua residência sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença; 4.º - Em 13 de junho de 2020, a Sr.ª juíza titular do processo 314/13.0PBCSC lavrou despacho consignando que, de acordo com a informação do IMT, a carta de condução do arguido fora cancelada por ter caducado há mais de cinco anos e não ter sido revalidada neste prazo e, diante disso, ficcionou que o arguido expiara a pena acessória de proibição de conduzir em 30 de setembro de 2017, ou seja, decorridos 3 meses após o trânsito da condenação; 5.º - Este despacho foi notificado ao arguido por via postal simples expedida em 15 de junho de 2020 e transitou em julgado em 8 de setembro de 2020, o que significa que a notificação se presumiu realizada em 23 de junho de 2020; 6.º - O arguido AA foi notificado do despacho que designou a audiência de julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC e para apresentar contestação em 4 de agosto de 2020; 7.º - O arguido não apresentou contestação nem compareceu ao julgamento do processo comum 5215/18.2T9CSC; 8.º - A sentença condenatória do processo comum 5215/18.2T9CSC foi proferida em 12 de janeiro de 2022 e transitou em julgado em 2 de maio de 2022; 9.º - Em 22 de abril de 2022, o arguido fez chegar ao processo 5215/18.2T9CSC um requerimento solicitando a revisão da sentença, alegando que já em 10 de setembro de 2019 enviara um mail a comunicar que não lhe era possível entregar a carta de condução em virtude de a mesma ter sido apreendida em 22 de março de 2015 e de, entretanto, ter caducado e não ter sido revalidada; 10.º - Em 27 de outubro de 2022 o MP interpôs o recurso de revisão.

    Como se pode verificar, o condenado, cujo requerimento impeliu o MP a interpor o recurso de revisão, sabia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT