Acórdão nº 184/12.5TELSB-M.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Incidente de Recusa Processo n.º 184-12.5TELSB-M.L1-A .S1 5.ª Secção Criminal ACORDAM NA 5.ª SECÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I – RELATÓRIO 1.

AA e BB, arguidos e recorrentes nos autos acima referenciados e aí melhor identificados vieram, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1, 2, 3 e 45.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (“CPP”), requerer a RECUSA de intervenção no processo da EXMA. SENHORA JUÍZA DESEMBARGADORA CC, tendo apresentado o respetivo requerimento no Tribunal da Relação ..., no dia 9/6/2023, com os seguintes fundamentos (transcrição): « I. PREVIAMENTE A 01.06.2023, e às 10h14m, através de mensagem de correio eletrónico, em face do que prevê o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CPP, foi pelos signatários decidido apresentar, nos mesmos termos legais que o presente requerimento, um requerimento de recusa da Mm.ª Juíza visada, junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Nessa ocasião, em razão dos efeitos próprios da pendência do incidente de recusa, foi, também, decidido informar a 3.ª Secção do Tribunal da Relação ..., da apresentação, junto do Supremo Tribunal de Justiça, de requerimento em tudo equivalente ao que ora se apresenta.

Pelas 10h45m do mesmo dia 01.06.2023, a Exma. Senhora Escrivã Adjunta em funções junto da secretaria judicial do Supremo Tribunal de Justiça, DD, endereçou uma mensagem de correio eletrónico ao segundo signatário, através da qual assertou o seguinte: “Exmo. Senhor Dr. EE / O pedido de escusa, é apresentado ao processo e tribunal onde o mesmo se encontra – art.º 129.º e 122.º do CPC, ex vide art.º 4.º do CPP . / Com os melhores cumprimentos;”.

Em resposta enviada às 11h13m do mesmo dia 01.06.2023, o segundo signatário expôs à Exma. Senhora Escrivã adjunta o seguinte: “Exma. Senhora Escrivã DD, Salvo melhor opinião, em face da existência de previsão de norma expressa na legislação penal adjetiva (cf. artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal – CPP –, nos termos do qual “1 - O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:

  1. O tribunal imediatamente superior” (destaque e sublinhados nossos), São inaplicáveis ao incidente de recusa previsto para o processo penal as normas que V. Exa. convocou, respeitantes ao Código de Processo Civil.

    É o que, além do mais, resulta do artigo 4.º do CPP – também convocado por V. Exa. –, na parte em que apenas admite a integração de lacunas “[n]os casos omissos (…)”, realidade que, em face do alegado supra, não se concretiza.

    Em abono do que aqui sustentamos, vd., entre outros, as anotações e comentários do Exmo. Conselheiro Presidente Emérito do Supremo Tribunal de Justiça, António Henriques Gaspar (em Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 175), do Exmo. Conselheiro Mouraz Lopes (em Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, p. 498) e do Exmo. Prof. Doutor Paulo Pinto de Albuquerque (em Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, p. 138), todos no sentido de confirmar que a apresentação do requerimento de recusa é feita, conforme expressamente consagra a lei, “perante” o Tribunal imediatamente superior àquele onde intervém o(

  2. Juiz(a) recusado(a).

    É, também assim, o que resulta do significado gramatical dessa preposição, sinónimo de diante de, na presença de ou, também, ante, etimologicamente oriunda do latim per, «por» +ante, «diante».

    Não obstante, com toda a consideração e respeito pela posição expressa por V. Exa., será o incidente, cautelar e simultaneamente apresentado nos termos indicados por V. Exa.

    Com os mais respeitosos cumprimentos,”.

    A apresentação do requerimento de recusa junto do Tribunal da Relação foi, então, concretizada, também presencialmente, no mesmo dia 01.06.2023.

    Independentemente de qual seja a interpretação válida sobre o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CPP, é facto que a Mm.ª Juíza visada, pelo menos desde 01.06.2023, tem conhecimento da pretensão dos requerentes, agora repetida, de requerer a sua recusa de intervenção nos presentes autos.

    Não obstante, a 06.06.2023, sem que até então fossem – ao que foi possível telefonicamente apurar junto da secretaria judicial da 3.ª Secção do Tribunal da Relação ... –, pela Mm.ª Juíza visada, cumpridos os trâmites previstos no artigo 45.º, n.º 2 e n.º 3, do CPP, foi pela mesma proferido despacho, através do qual decidiu o seguinte: “Para a realização da conferência no âmbito dos presentes autos, designa-se o próximo dia 5/07, às 11 horas” (sic).

    Salvo melhor opinião e, repita-se, independentemente de qual seja a interpretação válida sobre o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CPP, a respeito do Tribunal perante quem deve ser apresentado o incidente de recusa, apresenta-se, pelo menos, inusitado, que a Mm.ª Juíza visada proceda a (novo) agendamento da conferência, sabendo da apresentação pelos requerentes, uma semana antes, de um requerimento de recusa contra si. E apresenta-se especialmente inusitado face ao que é alegado pelos requerentes quanto ao que tem sido a sua intervenção processual no que toca ao agendar, reagendar ou cancelar, da conferência que, por sua exclusiva iniciativa, se não concretizou desde que os autos lhe foram redistribuídos.

    Tudo o que infra se deixa alegado é, ipsis verbis, o que foi apresentado a 01.06.2023. Em face do que ocorreu desde essa data até 07.06.2023 – momento em que os requerentes foram notificados do despacho de 06.06.2023 –, não podiam os signatários deixar de alegar o que ora se alegou.

    Posto isto: II. INTROITO E PRESSUPOSTOS NORMATIVOS DA RECUSA DE JUIZ No desenrolar do inquérito tramitado sob o NUIPC 184/12.5TELSB, foi determinado pelo Juiz de Instrução Criminal a quo, a 06.07.2020, o agravamento do estatuto coativo a que, a essa data, se encontravam sujeitos os requerentes (mero termo de identidade e residência), sendo-lhes aplicadas medidas de coação não privativas da liberdade. Não se conformando com o teor e sentido decisório do referido despacho, pelos arguidos foi interposto recurso, para o Venerando Tribunal da Relação ..., a 03.08.2020, vindo o mesmo a ser distribuído junto do referido Tribunal (de recurso) a 08.10.2020.

    Não obstante o prazo estabelecido pelo artigo 219.º do CPP (de conhecimento do recurso de decisão que aplique medidas de coação nos 30 dias que sucedem a receção e distribuição do recurso), pela Mm.ª Juíza visada foi proferida, e só a 07.04.2021 (ultrapassado em cerca de 5 meses o prazo legal máximo de decisão do recurso), decisão sumária de rejeição do recurso, com fundamento na sua alegada inutilidade superveniente – entre 08.10.2020 e 07.04.2021 foram extintas, pelo decurso do tempo ou por revogação (num caso), todas as diferentes medidas de coação que constituíam e constituem o objeto do recurso interposto.

    Após reclamação para a conferência e a prolação do acórdão que, a 02.06.2021, confirmou o sentido da referida decisão sumária, de 07.04.2021, os requerentes convocaram a intervenção do Tribunal Constitucional, em sede de processo de fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade. O Tribunal Constitucional, por sua vez, julgando procedente o recurso interposto pelos requerentes, por acórdão de 26.04.2022, julgou “inconstitucional a norma contida no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de considerar supervenientemente inútil o recurso de decisão que aplicou medidas de coação não privativas da liberdade, por força da sua extinção temporal ou revogação na pendência do recurso, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”. Consequentemente, foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação ..., “para reforma de decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade”.

    Quando os autos de recurso baixaram ao Tribunal da Relação ..., o processo foi novamente distribuído à Mm.ª Juíza visada, a qual, porém, a 27.05.2022, em razão da superveniente (à anterior distribuição do apenso de recurso) eleição, a 05.01.2022, como presidente da 3.ª Secção do Tribunal da Relação ..., proferiu despacho, através do qual ordenou a remessa dos autos de recurso “à secção central a fim de se proceder à redistribuição deste processo”, o que se concretizou, a 31.05.2022, com a redistribuição do recurso ao Exmo. Senhor Juiz Desembargador (entretanto jubilado) FF, ao tempo colocado na 5.ª Secção do Tribunal da Relação .... Este, por não concordar com as razões que motivaram a redistribuição do apenso de recurso – grosso modo, por ter considerado, fundamentadamente, que as funções de presidente de secção não são incompatíveis com as de relator de um recurso, prevendo a lei um quadro completo de regras sobre impedimentos e substituições que salvaguardam a regular tramitação processual para as situações onde o presidente da secção tem de intervir enquanto relator –, suscitou, no quadro legal vigente, a intervenção da Exma. Senhora Juíza Desembargadora Presidente do Tribunal da Relação ..., a qual, por decisão de 06.07.2022, acompanhando a argumentação aduzida pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador FF, determinou a remessa imediata dos autos “à Secção Central para serem “descarregados” ao Exmo. Sr.º Juiz Desembargador FF e serem “carregados” à Exma. Sr.ª Juíza Desembargadora CC, a quem primeiramente foram distribuídos”. Esta nova distribuição dos autos de recurso, com atribuição manual por certeza, concretizou-se a 08.07.2022.

    Volvido quase um ano da consolidação e estabilização da distribuição dos autos de recurso em causa à Mm.ª Juíza visada, não foi, pela mesma, ainda, relatado o acórdão que deverá, em obediência ao julgamento feito, a 26.04.2022, pelo Tribunal Constitucional, conhecer do recurso das medidas de...

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