Acórdão nº 1647/16.9T8PVZ.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A.

, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe o capital e os juros vencidos e garantidos, no valor de €57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Ou, se assim não se entender, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os €50 000,00, que a A. entregou ao R., em obrigações subordinadas “SLN 2006”; que seja declarada ineficaz em relação a si a aplicação que o R. tenha feito desses montantes e que se condene o R. a restituir-lhe €57.000,00 dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento.

E sempre sendo o R. condenado a pagar-lhe a quantia de €3.000,00, a título de danos não patrimoniais, e ainda nas custas e demais encargos legais.

2.

Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo o R. dos pedidos.

3.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito, vindo a ser proferido acórdão pelo qual se decidiu: «Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da Recorrente/Autora quanto à impugnação da matéria de facto, mas improcedente quanto à matéria de direito e parte decisória, confirmando-se a decisão recorrida.».

4.

Veio a A. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça por via normal, e, subsidiariamente, por via excepcional. Em sede de contra-alegações, pugnou o Recorrido pela inadmissibilidade da revista tanto por via normal como por via excepcional.

Por despacho da relatora de 08.04.2019 foi o recurso admitido por via normal com fundamento em que a dupla conforme, enquanto obstáculo à admissibilidade da revista (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC), se encontra descaracterizada pela existência de fundamentação essencialmente diferente.

No mesmo despacho foi ainda exarado o seguinte: «[C]onsiderando que: (i) As questões objecto do presente recurso respeitam ao alegado preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil do R. enquanto intermediário financeiro, em particular ao pressuposto da ilicitude e ao pressuposto do nexo de causalidade; (ii) Por decisão de 29 de Março de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actuou como intermediário financeiro e sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores; (iii) Por decisão de 2 de Abril de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência igualmente sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores; Entende-se que a apreciação do objecto do presente acórdão está dependente da decisão ou decisões que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir nos supra indicados recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência pelo que, nos termos do art. 272º, nº 1, do CPC, se suspende a instância até que tais recursos sejam julgados.».

[negrito nosso] 5.

Entretanto, no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, transitado em julgado em 19.09.2022, e publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022, pelo qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2.

Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3.

O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4.

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

[negritos nossos] 6.

Em 21.10.2022 foi proferido despacho da relatora no qual, para o que ora importa, se exarou o seguinte: «2.

A decisão uniformizadora supra transcrita reporta-se, como expresso no respectivo n.º 1, ao Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

Ora, nos presentes autos, a subscrição do produto financeiro pela autora teve lugar no ano 2008, em data posterior, portanto, à data da entrada em vigor (1 de Novembro de 2007) da reforma do Código dos Valores Mobiliários realizada pelo referido Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, conforme previsto no art. 21.º deste diploma legal. Razão pela qual o AUJ proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A não permite, por si só, resolver as questões objecto do recurso de revista dos presentes autos.

Verificando-se que, nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, os produtos financeiros em causa foram, em parte, subscritos no ano 2008, após ter entrado em vigor a referida reforma do Código de Valores Mobiliários, a apreciação do objecto do presente recurso de revista está dependente da decisão que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência admitido em tal Processo.

3.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, mantém-se a suspensão da instância até que o recurso para uniformização de jurisprudência admitido nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A seja julgado.».

7.

No Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A foi recentemente proferido Acórdão do Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal, que transitou em julgado em 01.06.2023, e pelo qual se decidiu: «Termos em que, confirmando o teor da decisão singular do Juiz Conselheiro relator proferida em 2 de janeiro de 2023, decidem em conferência, ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil, por impossibilidade e/ou inutilidade superveniente da lide recursória, julgar extinta a instância e ordenar o oportuno arquivamento dos autos».

8.

Declarada cessada a suspensão da instância, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista, tendo em que as conclusões recursórias formuladas pela A. Recorrente: «a) Do recurso de revista - Violação da lei substantiva com base em erro de interpretação do direito (art. 674°, n°1 a) do CPC): 1- Face à alteração da matéria de facto, atendendo a que o item 36) dos factos dados como provados passou a figurar nos factos dados como não provados, impunha-se pois decisão diversa da proferida, mormente quanto à responsabilidade do Banco Réu, por violação dos deveres de informação.

2- Em boa verdade, no investimento em causa não estava assegurado o retorno do capital investido, mas apenas o valor nominal dos títulos, sendo essa a razão pela qual foi oferecida à Autora uma atrativa taxa de rentabilidade.

3 - Ora, esta é a grande diferença entre a natureza do produto financeiro intermediado e a informação que foi prestada à cliente, no âmbito da qual lhe foi garantido o recebimento do capital aplicado e respetivos juros.

4 - O que nos leva a reafirmar a desconformidade da informação com a realidade do produto, no tocante ao seu reembolso.

5 - A mascarada caracterização que o então gerente do Banco Réu dava às Obrigações SLN 2006, aliada à confiança de que gozava por parte da Autora, criou nesta a convicção justificada de que se tratava de uma aplicação segura quanto ao reembolso da totalidade do dinheiro investido, desconhecendo outros aspetos relevantes.

6 - Sendo certo que, o Tribunal recorrido, pelo menos quanto a esta parte, e bem, deu como não provado que tenha sido entregue qualquer nota informativa à Autora.

7 - Ao não ter sido entregue à Autora qualquer nota informativa com as reais características do produto que estava a subscrever, aquela não ficou cabalmente informada e esclarecida sobre o investimento em causa.

8 - Em concatenação com o supra aludido, está a matéria de facto dada como provada sob os números 2), 3), 5), 6), 9), 10), 12), 13), e 14).

9 - É incontornável que no âmbito da colocação daquele produto no mercado, o intermediário faltou aos seus deveres de boa-fé, diligência, transparência, lealdade, fidelidade e informação, levando a que a cliente subscrevesse, desfavoravelmente, um valor mobiliário que não desejava e que importa a assunção de maiores riscos, 10 - O Banco réu pretendia que os seus...

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