Acórdão nº 2492/22.8T8CBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPAULA MARIA ROBERTO
Data da Resolução30 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 2492/22.8T8CBR-A.C1 _________________________________ Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório AA, residente na ..., intentou a presente ação de processo comum contra A...

, com sede em ..., ...

* formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, devendo ser condenada a R.

a arquivar o presente processo disciplinar, sem mais.

Sendo conhecida e julgada procedente, por provada e verificada, a exceção perentória de caducidade, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 357º, do Código de Trabalho, pela qual a entidade patronal, aqui R., dispunha, que não respeitou e cumpriu, de 30 dias, para proferir a respetiva decisão disciplinar, que há muito ultrapassou.

E, sendo igualmente a R.

condenada a reconhecer a nulidade, com todos os efeitos legais, da sanção disciplinar aplicada à A., eliminando do currículo da A.

a toda e qualquer menção à mesma sanção e, com a consequência, sendo igualmente condenada a R.

a pagar integralmente à A.

os direitos e salários integrais correspondentes ao período da suspensão.

E, sendo a R.

condenada ao pagamento de uma indemnização, a título dos danos morais sofridos, no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) E sendo a R.

condenada integralmente na custas.” * Após a realização da audiência prévia, foi proferido o seguinte despacho: “- Da invocada isenção do pagamento de custas: A...

, Ré na presente acção, invoca a isenção de custas prevista no art.º 4º, nº 1, al. f) do RCP, dado tratar-se de pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, actuando exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos artigos 2.º e 3.º, alínea a) e c) do respectivo estatuto.

A Digna Magistrada do Ministério Público opôs-se ao reconhecimento da isenção por entender que o objecto da acção não se insere no âmbito das especiais atribuições desta pessoa colectiva, conforme resulta do teor da promoção que antecede.

* Como regra geral e como resulta do preceituado no artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais (também abreviadamente designado por RCP) todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados por esse Regulamento, que se aplica a todos os processos, quer eles corram nos tribunais judiciais, administrativos e fiscais ou no balcão das injunções (artº 2º RCP), abrangendo as custas a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artºs. 3º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais e 529º, nº 1, do Código de Processo Civil).

No entanto, a regra geral aludida sofre da excepção prevista no art.º 4.º do RCP, sob a epígrafe “isenções”, referindo no nº 1 uma série de entidades (isenções subjectivas), e no nº 2 uma série de processos (isenções objectivas) que se encontram, ab initio, isentas do pagamento de custas.

O art.º 4º, nº 1, al. f) do RCP isenta do pagamento de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

Entre as pessoas colectivas de natureza jurídica privada incluem-se as pessoas colectivas de mera utilidade pública, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas de utilidade A referida isenção não absoluta, mas sim isenção limitada e condicionada, pois, conforme decorre da leitura de tal normativo, constituem pressupostos legais da aplicação da isenção de custas nele previstos:

  1. Que estejamos na presença de uma pessoa colectiva privada, sem fins lucrativos.

  2. Que essa pessoa colectiva privada actue no processo exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou; c) Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

    A isenção em apreço é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar.

    É, assim, uma isenção motivada pelo desiderato de tutela do interesse público.

    Trata-se, porém, de uma isenção subjectiva de custas condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de actuarem no âmbito das suas específicas competências ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

    Trata-se assim de uma isenção de custas restritiva, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei. Nesta perspectiva, pode parecer que esta isenção não abrange as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições. Contudo, se o objecto destas acções for instrumental em relação aos fins estatutários de tais entidades, propendemos a considerar serem abrangidas pela isenção de custas.

    Neste mesmo sentido, refere-se no acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Setembro de 2013, proferido no 558/11.9TNCBR-A.C1, que estamos, portanto, perante uma isenção de custas com características condicionais, desde logo, na medida em que somente funciona em relação a processos concernentes às suas especiais atribuições das entidades abrangidas pela isenção ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou, ainda, pela própria lei. Nesta perspectiva, a examinada isenção não abrange, nomeadamente, as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que estas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.

    E ainda que tal isenção está condicionada à actuação no âmbito das especiais atribuições da pessoa colectiva em causa ou da defesa dos seus interesses estatutários, pelo que a isenção só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela lei (disponível em www dgsi.pt.).

    Nesta perspectiva, pode parecer que esta isenção não abrange as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.

    Todavia, se o objecto de tais acções for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, alguns autores, como Salvador da Costa, propendem a considerar serem abrangidas pela isenção de custas em análise (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2ª edição, 2009, pp. 149 a 153).

    Ora, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos não prosseguem sempre, indirecta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabem, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objectivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas. Importa assim relevar as acções emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa colectiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma (cfr., entre outros Acs. RG. de 30/04/2015, Proc. 204/14.9TTVRL, relatado por Antero Veiga; 30/06/2016, Proc. 846/14.2T8BCL.G1, relatado por Alda Martins; 14/06/2017, Proc. 2734/16.9T8BCL-A.G1, relatado por Vera Maria Sottomayor; 04/10/2017, Proc. 11/14.9TTVRL-A.G1, relatado por Eduardo Azevedo; RL. de 22/03/2017, Proc. 22455/16.1T8LSB.L1-4, relatado por Celina Nóbrega e Ac. da RC de 11/5/2020, Proc. 999/17.0T8CBR.C1, todos acessível in www.dgsi.pt.

    É verdade que a Ré, como já referimos, é uma IPSS e prossegue, entre outras, as actividades de solidariedade social e educação.

    Sucede que, no caso em apreço foi interposta contra a Ré a acção de processo comum, proposta por uma trabalhadora do grupo do jardim de infância, com vista a impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.

    A questão laboral não se reporta exclusiva e directa ou instrumentalmente às especiais atribuições da Ré ou dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, sendo semelhante a qualquer situação de outro trabalhador por conta de outrem que não uma instituição de solidariedade social.

    Por outro lado, não foram alegados pela Ré factos susceptíveis de virem a ser provados dos quais decorresse de forma circunstanciada que a actividade por si desenvolvida no âmbito da qual a Autora desempenhou as suas funções era totalmente desprovida de intuito lucrativo, designadamente, porque tais serviços eram prestados de forma gratuita.

    Os factos alegados apenas nos permitem concluir que o litigio existente entre Autora e Ré é comum a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal instituição.

    Não estamos perante qualquer actuação respeitante ao âmbito das suas especiais atribuições, nem para defesa dos interesses que especialmente lhe estão conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável contrato em apreço, razão pela qual se entende que independentemente de aquelas funções serem ou não levadas a cabo no âmbito dum contrato de trabalho, o que se discute nada tem a ver com o interesse público visado pela Ré, nem os créditos laborais reclamados constituem obrigações necessárias ou sequer instrumentais à prossecução dos seus fins, pelo que a Ré não está assim isenta de custas.

    Assim delineado o objecto da acção...

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