Acórdão nº 16/23.9GBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução21 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório 1.

… foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido AA, … 2.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 6.2.2023, decidindo-se: a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art.º 292º n.º1 do C.P. na pena de 85 dias de multa, procedendo-se ao desconto de 1 dia de detenção sofrido nos termos do disposto no art.º 80º do C.P., fixa-se a pena em 84 dias de multa, à taxa diária de 8,00€ o que perfaz um total de 672€ (seiscentos e setenta euros); b) Condenar o arguido AA na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor na pena de 6 meses nos termos do disposto no artigo 69º, nº1 do C.P.; …”.

  1. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões: “1.º In casu, foram, incorrectamente, julgados, pelo Tribunal a quo, com o consequente “erro de julgamento”, os 3.º (parte), 9.º (parte), 13.º e 14.º factos dados, como provados, na “Sentença” em crise (numeração nossa).

    … 5.º O Tribunal a quo decidiu contra o arguido, ora Recorrente, não obstante, clara, manifesta, notória e inequivocamente, devessem ter subsistido dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito, tudo em clara violação do Princípio do in dubiu pro reu, e/ou, pelo menos, em violação do disposto no art.º 127.º, do C.P.P.; 6.º A solução pela qual o Tribunal a quo optou, de entre as várias possíveis, é, face às “regras da experiência comum”, arbitrária, ilógica e inadmissível, verificando-se, clara, manifesta, notória e inequivocamente, um atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum; … 9.º As “provas directas”, consubstanciadas nas declarações prestadas, em sede de Audiência de Julgamento, quer pela testemunha BB, quer pela testemunha CC, onde, os mesmos, de resto, relatam as chamadas meras “conversas informais” entre eles mantidas com o arguido, ora Recorrente (quando, este, antes, mesmo, de ser constituído arguido, e mesmo, antes, de ser aberto, formalmente, um Inquérito, era, já, todavia, não um eventual “suspeito”, mas sim – note-se -, claramente, um credível, sério, verdadeiro e necessário suspeito), devem ser consideradas totalmente desprovidas de qualquer valor probatório, … … 11.º Não pode ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool no ar expirado a que o arguido, ora Recorrente, foi submetido, em virtude de o, respectivo, alcoolímetro, utilizado para tais efeitos, ter sido utilizado fora do seu, respectivo, prazo de validade, sendo o resultado obtido, através do mesmo, por conseguinte, total e objectivamente, inválido, não lhe podendo ser atribuído, de forma alguma, qualquer valor provatório, não servindo, de forma alguma, como prova incriminatória.

    … ”.

  2. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência … 5.

    O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido do não provimento do mesmo … 6.

    Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido ao douto parecer, reafirmando a posição vertida na peça recursória.

    … * B - Fundamentação 1. … 2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes: - se a sentença recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova; - se foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados, os seguintes factos: ▪ o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., como referido no ponto 1; ▪ apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l; ▪ o arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas; e ▪ agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal; - para o efeito, se os depoimentos das testemunhas BB e CC, na parte em que relatam as conversas informais tidas com o arguido, não podem ser valoradas; e - se não pode ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool no ar expirado a que o arguido foi submetido, uma vez que o alcoolímetro foi utilizado fora do seu prazo de validade; - se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 127º do Código Penal, bem como o princípio in dubio pro reo; - se o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1º, alínea a), do Código de Processo Penal e 292º, nº 1, do Código Penal.

  3. Para decidir das questões supra enunciadas, esta Relação ouviu a sentença proferida oralmente em sede de audiência de julgamento.

    Vejamos então a factualidade e motivação da decisão de facto da sentença recorrida.

    O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 1. No dia 21.1.2023, cerca das 2h40m, na ..., Rotunda ..., ..., o arguido foi interveniente em acidente de viação, quando conduzia o veículo automóvel, de matrícula ..-NL-.., após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 2.056 gramas por litro, deduzida a margem de erro máximo legalmente prevista face à taxa registada de 2,57 g/l.

  4. O arguido foi submetido ao teste de álcool através do alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 7510 PT, com o nº ARPL-0500, aprovado pelo ANSR através do Despacho nº 9378/2021 e pelo IPQ através do Despacho de aprovação de Modelo nº 701.51.21.03.74 (Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro), verificado pelo IPQ em 18.1.2022 (1ª verificação). O arguido não requereu contra-prova.

  5. O arguido quis conduzir o veículo de matrícula ..-NL-.., como fez, apesar de saber que estava influenciado pelo consumo de álcool em limite superior ao legalmente permitido, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas.

  6. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei criminal.

  7. À data de 23.1.2023 nada constava do certificado de registo criminal do arguido.

  8. O arguido trabalha no ramo de hotelaria, aufere mensalmente quantia não inferior a 750,00 euros, vive com a mulher e uma filha com 10 anos de idade, o agregado vive em casa própria, pagando a prestação de 250,00 euros e tem o 9º ano de escolaridade.

    * Inexistem factos não provados de relevo.

    * Motivação da decisão de facto: … A primeira questão que aqui se coloca diz respeito à contestação que é apresentada pelo arguido e à versão que aqui apresenta em audiência de julgamento, no sentido de que não era ele o condutor do veículo.

    Todavia esta questão quanto a nós não pode merecer acolhimento.

    E não pode merecer acolhimento por uma razão muito simples. O arguido, em momento que, sublinhe-se, não era suspeito, não era arguido, era um mero cidadão que se encontrava na via pública, é abordado pela GNR porque vê o veículo capotado e portanto sabendo que ocorreu um acidente grave e imediatamente antes de ser sequer suspeito do que quer que seja assume-se como condutor do veículo.

    … Não são conversas informais, não são declaração de arguido e, portanto, não são qualquer declaração que a lei proíba que seja valorada como meio de prova.

    São simplesmente declarações de um cidadão quando é abordado pelos elementos policiais, elementos policias estes que afirmam não vimos quem ia a conduzir, vimos o veículo acidentado, vimos um indivíduo na via pública e perguntamos-lhe se ele sabia alguma coisa, nomeadamente se ele sabia quem estava a conduzir e ele assume-se como condutor.

    Portanto, quanto a nós, estas declarações dos militares da GNR, BB e CC, têm naturalmente que ser aqui valoradas como meio de prova.

    … Agora importa verificar o teste de alcoolemia.

    O arguido apenas foi fiscalizado, apenas lhe foi feito um teste porque ele se assumiu como condutor.

    O arguido esteve presente quando foi feito o teste e nomeadamente foi-lhe dada a possibilidade de fazer contra prova, o arguido negou. Recusou efetuar contraprova, disse que não queria que fosse feita contraprova.

    Ora, nesta circunstância não pode agora o arguido vir arguir que o aparelho não estava válido porque tinha caducado a certificação há 2 dias.

    Isso quando muito seria uma mera irregularidade que teria que ser arguida no próprio acto que o arguido esteve presente. O arguido não arguiu essa irregularidade. O arguido conformou-se com o resultado do teste. Mais, o arguido recusou a possibilidade de fazer uma contraprova.

    Ao recusar a possibilidade de fazer uma contra- prova ele aceita a validade do teste que lhe é feito e, portanto, quanto a nós, também não existem dúvidas quanto à regularidade do teste que foi efetuado e quanto à taxa, porque aliás, refira-se, a ausência de certificação ou a ausência de validade em termos temporais da certificação não determina que o teste detete álcool quando ele não existe, apenas determinada que pode haver uma margem de erro que seja diferente daquela que a própria portaria estabelece, e a portaria já estabelece uma margem de erro de 20%, de 20%.

    Ora, ainda que nós admitíssemos que a taxa de erro pudesse ir mais do que os 20% ou estar nos 20%, estávamos no limite da validade da certificação, ainda assim o arguido continuava a ser portador de uma taxa de alcoolemia que consubstancia uma taxa crime, e, portanto, não existem dúvidas também quanto à circunstância do mesmo ser portador de uma taxa crime.

    …”.

    * * 4. Cumpre agora apreciar e decidir.

    A primeira questão a apreciar é a de saber se a sentença recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da...

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