Acórdão nº 392/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 392/2023

Processo n.º 482/2023

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, foi apresentada reclamação por A. do despacho proferido por aquele Tribunal, datado de 11 de abril de 2023, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos.

2. No âmbito dos presentes autos, foi o ora reclamante condenado, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga — Juízo Local Criminal de Vila Verde, datada de 16 de setembro de 2022, pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 30,00 pelo crime de violação de regras urbanísticas.

Inconformado, o ora reclamante recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão datado de 20 de março de 2023, decidiu julgar o recurso totalmente improcedente e manter a sentença então recorrida.

3.1. O ora reclamante interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, dirigido ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 20 de março de 2023, através de requerimento formulado nos seguintes termos:

«A., Arguido recorrente nos autos à margem referenciados, notificado que foi do acórdão proferido em 20-03-2023 por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que rejeitou o recurso por si interposto da Sentença prolatada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, e não se conformando com esta decisão vem dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, que requer seja admitido, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1, do artigo 70.° da Lei 28/82, de 15/Novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante abreviadamente "LTC"), para (i) apreciação da inconstitucionalidade da interpretação normativa dos artigos 97.°. n.° 5 e 374.°, n.° 2 do CPP do Código de Processo Penal (doravante "CPP") segundo a qual a obrigação de fundamentação decorrente daqueles normativos não obriga à justificação da prevalência de determinados meios de prova em detrimentos de outros, bastando-se com a mera adjetivação dos depoimentos e invocação de qualidades e relações das testemunhas, sem os concretizar, por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consignado no artigo 205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante "CRP"); também para (íi) apreciação da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127.° do CPP que propugna o entendimento que a livre apreciação da prova permite dar prevalência aos depoimentos arrolados por um dos sujeitos processuais em detrimento dos do outro - no caso julgando credíveis as testemunhas do MP e não credíveis as da defesa - sem que haja uma razão objetiva e concretizada para taç, ou a corroboração dos relatos prevalecentes por outra prova credível ou, ainda, que os depoimentos da defesa tenham sido descredibilizado por outro meio de prova ele mesmo credível, por violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32.°, n.° 2, 1.a parte da CRP; e ainda para, como decorrência das antes invocadas, (iii) apreciação da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127.° do CPP que sustenta que o preenchimento do tipo objetivo e subjetivo do crime de violação de regras urbanísticas pode resultar da simples valoração não justificada e abalizada de um meio de um prova em detrimento de outro, por força da livre apreciação da prova, por violar o artigo 20.°, número 4 da CRP, que estipula o princípio da igualdade de armas e do processo equitativo, que se impõe ao julgador mesmo ou especialmente, no processo de consideração probatória, nos termos e com fundamentos seguintes:

1. Por decisão prolatada em 20 de Março de 2023, o recorrente A. foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violação de regras urbanísticas previsto e punido no artigo 278.°-A, n.° 1 e 4, do Código Penal, com referência aos artigos 4.°, n.° 1 e 2, h) e j) e 6.° do RJUE, aprovado pelo DL 555/99, de 16/12, pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 30,00 (trinta euros), perfazendo o total de € 6.000,00.

2. Contra esta decisão, no que interessa ao recurso agora interposto, insurgiu-se recorrendo para o Tribunal da Relação de Guimarães suscitando na respetiva motivação diversas questões de inconstitucionalidade que, em seu entender, feriam a decisão recorrida.

Vejamos,

3. Como melhor resulta da respetiva leitura, a Sentença em crise, de forma deliberada, optou por dar prevalência a um meio de prova sobre outro sem nenhuma razão atendível do que uma sucinta explicação de caracter subjetivo e não concretizada o que não se pode obviamente aceitar.

4. Com efeito, na breve consideração que faz a respeito da ponderação dos depoimentos as testemunhas do MP são julgadas credíveis por contraponto ao relato das testemunhas arroladas pelo Recorrente julgado não credível de forma tabelar: "Os depoimentos de B. e C. foram isentos, desprendidos e objetivos, depondo unicamente sobre a matéria de que tinham direto conhecimento pela intervenção que tiveram, unicamente por razões profissionais, sem qualquer interesse no desfecho do processo, merecendo total credibilidade. D. depôs de modo objetivo, denotando algum agastamento, o que lhe retirou serenidade. Contudo, manteve-se isento e assertivo.

E., F., G., H. e I. mantêm todos relações familiares ou de subordinação laboral com o Recorrente ou com sociedades comerciais nas quais este, ou familiares, têm participação. Denotaram alguma dificuldade no esclarecimento dos factos por referência aos elementos documentais juntos aos autos, mantiveram algumas incongruências entre os seus depoimentos, pelo que a credibilidade a conferir a tais depoimentos ficou dependente de corroboração por outros elementos de prova."

5. O Tribunal a quo, não entendeu sequer pertinente fundamentar de forma mais detalhada e objetiva quer a credibilidade que lhe merecem os depoimentos das testemunhas do MP, quer a falta de credibilidade que, a seu ver, fere os depoimentos das testemunhas de defesa.

6. Quanto aos primeiros, apenas refere que são credíveis porque isentos, objetivos, desprendidos e assertivos e têm conhecimento direto e desinteresse no desfecho da causa. Contudo, a mera adjetivação não concretizada não constitui justificação suficiente do julgamento de credibilidade que mereceram estas testemunhas. Carece de ser explicado, para que este julgamento convença, porque é que são isentas, assertivas, objetivas e desprendidas, tanto mais que este juízo de credibilidade implica descartar a prova da defesa, incompatível por retratar uma realidade oposta à relatada pelas testemunhas de acusação.

7. Nessa senda, o depoimento destes últimos foi desconsiderado integralmente pelo julgador que justifica esta opção referindo que estas testemunhas relações familiares ou de subordinação laboral com empresas participadas pelo arguido, como se a invocação desta realidade fosse em si suficiente para justificar o descrédito de uma testemunha. Se assim fosse, mais de metade dos depoimentos prestados nos tribunais portugueses em todas as suas instâncias seriam, por isso, inverosímeis.

8. É que a mera invocação de um facto não é fundamentação suficiente do juízo de inverosimilhança, sendo forçoso explicar, em concreto, como essa relação afetou a veracidade do relatado pelas testemunhas, caso contrário recai-se num profundo subjetivismo que nunca poderá ser a regra decisória acolhida nos tribunais portugueses.

9. Mais evidente é a insuficiência da outra justificação do descrédito das testemunhas de defesa: que os depoentes revelaram dificuldade no esclarecimento dos factos por referência aos documentos e que tiveram algumas incongruências entre si, posto que, uma vez mais, não concretiza quais foram dificuldades e essas incongruências.

10. Esta parca fundamentação não só dificulta a sindicância da justeza da decisão de facto, como impede a defesa de a contraditar, em sede de recurso, porque pura e simplesmente não conhece os concretos mecanismos lógico-racionais que levaram o Tribunal a desconsiderar um meio de prova (in casu depoimentos), concluindo que determinado facto, contrariamente ao que resulta desse(s) depoimento(s), deve ser julgado provado ou não provado.

11. Mesmo admitindo que exista sempre uma carga subjetiva na impressão que o julgador colhe da prova mercê do princípio da imediação, sempre aquela tem que ser explicada para se dar por cumprido o ónus da fundamentação.

12. A opção por uma versão em confronto com outra sem ser invocado um fundamento válido para a preterição mais que ser essa a impressão que o julgador retirou, é perigosamente aproximar a liberdade de apreciação da prova ao julgamento arbitrário.

13. Estas são resumidamente as razões pelas quais entende o recorrente estar a sentença condenatória ferida de inconstitucionalidade por violação da obrigação de fundamentação das decisões judiciais imposta pelo artigo 205.°, n.° 1, da CRP, concomitantemente, também o estando o acórdão da Relação de Guimarães, que acolhendo tal interpretação normativa, mantém a sentença.

Acresce que,

14. A sentença ao julgar credíveis as testemunhas do MP e não credíveis as da defesa, sem que haja uma razão objetiva e concretizada para tal entendimento, assim como, a corroboração dos relatos prevalecentes por outra prova credível e, ainda, sem que os depoimentos das testemunhas da defesa tenham sido contraditados por outro meio de prova ele mesmo credível, fez uma interpretação normativa do artigo 127.° do CPP que excede claramente os limites da livre apreciação da prova, violando as garantias de defesa consagradas no artigo 32.°, n.° 2, 1.a parte da CRP.

15. Mesmo havendo um espaço jurisdicional próprio do Tribunal, em que este se deve mover com liberdade decisória, sempre...

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