Acórdão nº 378/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 378/2023

Processo n.º 320/2023

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Competência Genérica da Lourinhã, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante designada por LTC), do despacho proferido naquele tribunal que, em 29 de novembro de 2022, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

2. A aqui reclamante foi condenada, em primeira instância, numa pena de cem dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (perfazendo o montante total de € 700,00), pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal.

No decurso da audiência de julgamento, realizada em 5 de novembro de 2020, que antecedeu a prolação da sentença condenatória aludida, foi proferido despacho a admitir a dispensa da inquirição da testemunha B. (vide ata de audiência de discussão e julgamento, assinada em 6 de novembro de 2022, fls. 2-4).

Da sentença condenatória, a ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão prolatado em 23 de junho de 2021, o julgou não provido, mantendo-se a sentença recorrida. Deste acórdão, deduziu requerimento de arguição de nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia, o qual foi indeferido por decisão datada de 4 de fevereiro de 2022.

Além disso, a 2 de setembro de 2021, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido, por decisão de 1 de outubro de 2021.

3. Após a dedução de incidentes pós-decisórios, os quais foram sucessivamente indeferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 7 de agosto de 2022, a reclamante apresentou um requerimento no âmbito do qual (i) peticionou que fosse declarado prescrito o presente procedimento criminal e, subsidiariamente, (ii) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

«(…)

Sem conceder; caso esse não seja o colendo entendimento de V. Exa., diga-se ainda;

II

17.º

Por outra banda, nos termos e para os efeitos do artigo 280.º, n.º 1 alínea b) da Constituição da República Portuguesa, doravante apenas designada por "C.R.P." e das disposições conjuntas dos artigos 70.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2, 72.º, n.º 1. alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.ºs 1 e 4, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante apenas denominada de "L.O.F.P.T.C. vem ainda a Arguida interpor recurso para o Colendo Tribunal Constitucional.

18.º

Por estar em tempo e ter legitimidade, devendo o mesmo subir em separado, com subida imediata e com efeito suspensivo.

19.º

Neste sentido, o presente recurso tem por objecto o despacho oral prolatado pelo Tribunal de 1.ª Instância na sessão de julgamento de 05/11/2020, no qual foi proferida a decisão de não inquirir uma testemunha comum aos sujeitos processuais e a única testemunha arrolada pela Arguida na sua contestação.

20.º

Com efeito, o despacho recorrido, na sua fundamentação, efectuou interpretação e aplicação das normas dos artigos 328.º, n.º 1, 331.º, n.ºs 1 e 2 e 340.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, adiante apenas designado por "C.P.P". 

21.º

Porém, a Recorrente, na motivação do recurso que interpôs da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitou e invocou logo a inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação dos artigos 328.º, n.º 1, 331.º, n.ºs 1 e 2 e 340.º, n.º 1 todos do C.P.P., nos termos propugnados pelo despacho de 1.ª instância.

22.º

Nesta medida, o despacho prolatado, a 05/11/2020, pelo Tribunal de 1.ª Instância, não admite recurso ordinário nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, adiante apenas denominada por "L.T.C.".

23.º

Encontrando-se, assim, já irremediavelmente esgotados todos os meios processuais ao alcance da Recorrente ou recursos ordinários que cabiam ao caso concreto.

24.º

Efectivamente, a Recorrente não dispõe de outro meio processual que lhe possibilite, de acordo com o estatuído no artigo 280.º, n.º 1 da Lei Fundamental, reagir contra a decisão judicial de aplicação e interpretação nas normas acima indicadas.

25.º

Na realidade, a interpretação e aplicação atribuídas pelo despacho recorrido aos artigos 328.º, n.º 1, 331.º, n.ºs 1 e 2 e 340.º, n.º 1, todos do C.P.P. e o modo como os aplicou, afecta de forma inadmissível as garantias constitucionais de defesa da Arguida, do seu direito ao contraditório e à audiência e do direito a um processo justo, leal e equitativo, consagrados nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 e 20.ºs 1 e 4, ambos da C.R.P.

26.º

Traduzindo-se ainda numa clara violação do disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

27.º

Desta feita, os artigos 328.º, n.º 1, 331.º, n.ºs 1 e 2 e 340.º, n.º 1, todos do C.P.P., padecem de inconstitucionalidade material, quando interpretados e aplicados no sentido pugnado pelo Tribunal de 1.9 Instância em fase de julgamento, de dispensar a inquirição de uma testemunha comum ao Assistente e à Arguida e da única testemunha arrolada pela Arguida.

28.º

Encontrando-se tal interpretação e aplicação dos artigos 328.º, n.º 331.°, n.°s 1 e 2 e 340.º, n.º 1, todos do C.P.P., encontra-se inquinada de inconstitucionalidade material por violação das garantias constitucionais de defesa da Arguida, do seu direito ao contraditório e à audiência e do direito a um processo justo, leal e equitativo, consagrados nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 e 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da C.R.P.

29.º

Nesta medida, por não ser admissível recurso ordinário, a Recorrente não dispõe de outro meio processual que lhe possibilite, de acordo com o estatuído no artigo 280.º, n.º 1 da Lei Fundamental, reagir contra a decisão judicial de aplicação e interpretação das normas acima indicadas e no sentido supra exposto.

30.º

Por sua vez, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da L.O.F.P.T.C., desde já a Recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os princípios constitucionais acima indicados da interpretação e aplicação das normas supra referidas.

31.º

Ademais, igualmente por força do disposto no artigo 75.º-A, n.º 2 da L.O.F.P.T.C., a Arguida suscitou a inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação das normas acima indicadas aquando da interposição do seu recurso do despacho proferido em 1.ª Instância, de modo processualmente adequado.

32.º

Neste sentido, à luz do disposto nas disposições conjugadas do artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da C.R.P. e do artigo 70.º, n.º 1 alínea b) da L.O.F.P.T.C., sempre se dirá que cabe recurso da decisão judicial sob sindicância, uma vez que aplicou e interpretou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada previamente durante o processo pela Recorrente, em sede próprio e em momento oportuno.

33.º

Aqui chegados, continuando a Recorrente inconformada com esta decisão judicial, com a interpretação e aplicação efectuadas aos artigos 328.º, n.º 1, 331.º, n.ºs 1 e 2 e 340.º, n.º 1, todos do C.P.P., da mesma vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por se encontrarem integralmente observados os respectivos requisitos legais e processuais.»

4. Por despacho datado de 19 de setembro de 2022, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça julgou-se incompetente para apreciar a admissibilidade do recurso de constitucionalidade, «(…) uma vez que, visando-se com ele impugnar normas aplicadas pelo Tribunal de 1.ª instância, só a este competiria apreciar e decidir sobre a admissibilidade de tal recurso» (cf. fls. 11 e 12). Nestes termos, ordenou a sua remessa ao Tribunal de primeira instância.

5. Após a remessa dos autos ao Tribunal de primeira instância, por despacho datado de 29 de novembro de 2022, entendeu-se inadmissível este recurso de constitucionalidade, com o seguinte fundamento (cf. fls. 13):

«(…)

Compulsados os despachos proferidos no dia 05/11/2020, em sede de audiência de julgamento, verifica-se que o Tribunal não recusou a aplicação de qualquer norma, nem aplicou qualquer norma anteriormente julgada inconstitucional ou cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, nos termos e com os fundamentos previstos nas alíneas a) a i) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro.

Carece, assim, de fundamento legal o recurso interposto da referida decisão para o Tribunal Constitucional.

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerandos, decide-se não admitir o sobredito recurso.»

6. Notificada desta decisão, a recorrente apresentou reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC...

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