Acórdão nº 1236/20.3T8BJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução23 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.o 1236/20.3T8BJA.E1.S1 MBM/JG/RP Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. AA demandou PROMARINHA – Gabinete de Estudos e Projetos, S.A.

    , pedindo a sua condenação na quantia global de € 30.729,79 (a título de diferenças salariais, vencimentos não pagos, férias, subsídios de férias e de Natal e horas de formação não ministrada), acrescida de juros de mora.

    Alega ter sido admitido ao serviço da R. com a categoria profissional de Praticante de Piloto, em navio que arvora a bandeira portuguesa, que a cláusula contratual de motivação do termo é nula, que R. não lhe pagou a remuneração mínima prevista no CCT e que partir de 28.05.2019 não lhe deu qualquer ocupação nem pagou qualquer retribuição, pelo que resolveu o contrato de trabalho em 04.09.2020.

  2. Foi proferida sentença, a julgar a ação improcedente.

  3. Interposto recurso de apelação pelo A., julgado parcialmente procedente, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) condenou a R. a pagar-lhe a quantia de 21.409,81€, acrescida de juros moratórios.

  4. A R. interpôs recurso de revista, dizendo essencialmente: – Foi o A. que, por abandono do trabalho, cessou a sua relação laboral em 27 de maio de 2019.

    – No sector laboral marítimo só existe contrato de trabalho enquanto o trabalhador estiver embarcado.

    – O contrato de trabalho marítimo tem de ser assinado entre o armador e o marítimo, sendo que a R. não é um Armador, mas agente de um Armador (Mutualista Açoreana), qualidade em que subscreveu o contrato.

    – O Acórdão enferma de nulidade (art. 615.o do Código de Processo Civil), porquanto não aplicou ao caso as normas de direito, decorrentes da Convenção Do Trabalho Marítimo de 2006 (CTM-2006), o que viola o disposto no art.o 8 da Constituição da República Portuguesa – Conforme configura a Convenção do Trabalho Marítimo (CTM) de 2006, a existência de contrato de trabalho está relacionada com o facto do marítimo estar embarcado, pois é estabelecido que é obrigatório ser fixado a bordo dos navios o horário de trabalho a navegar e em porto.

    – Ou seja, só existe contrato de trabalho marítimo enquanto o trabalhador estive embarcado.

    – Existe uma prática do sector marítimo, segundo a qual o pedido para desembarcar de um trabalhador equivale ao pedido de cessar o vínculo laboral.

    – Quando o A. intentou a ação já havia corrido o prazo da prescrição do seu direito aos créditos, que prescreveram em 22 de agosto de 2020, conforme decidiu a 1.a Instância.

    – Quando o A. pediu para sair ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias do período experimental, pelo que tem lugar a aplicação do disposto na alínea a) do n.o 1 do art.o 112.o do Código de Trabalho, porquanto entre a data de outorga do contrato em 18 de maio de 2019 e a data em que o A. fez o pedido de cessação do contrato decorreram 39 dias.

  5. O recorrido respondeu, pugnando pela improcedência da revista.

  6. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

    II.

    (Delimitação do objeto do recurso) 7.

    Na Revista, invoca a R. a sua ilegitimidade, em virtude de ser uma Agência de Recrutamento e Colocação de Marítimos e não um Armador, e, alegadamente, só esse poder celebrar contratos de trabalho com marítimos.

    No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, decisão transitada em julgado.

    Mostrando-se já definitivamente decidido este ponto, não pode, naturalmente, ser o mesmo conhecido (retomado) neste momento processual (cfr. ainda art. 635o, no 5, CPC1). Como refere Abrantes Geraldes2, “o caso julgado que se tenha estabelecido em relação a alguma decisão ou segmento decisório não pode ser perturbado por uma atuação posterior, ainda que de um tribunal hierarquia superior”.

    Acresce que o TRE não se pronunciou sobre esta questão, sendo certo que os recursos, enquanto meios de impugnação das decisões judiciais (cfr. art. 627.o, n.o 1), apenas se destinam a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas.

    3 Não se conhecerá, pois, desta questão (sendo certo que dos autos não resultam quaisquer razões que minimamente imponham conhecer da mesma oficiosamente, tendo desde logo em conta que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”, nos termos do art. 30o, no 1).

  7. Pela mesma razão, tendo em conta que a questão atinente à alegação de que o A. se encontrava no decurso do período experimental (à data do pedido de desembarque) não foi apreciada pela decisão recorrida (nem, sequer, pela 1a instância), não se conhece da mesma.

    Sem deixar, todavia, de se notar que, estando em causa um contrato de trabalho a termo, é no máximo de 30 dias o prazo conferido às partes para denunciarem o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (cfr. arts. 112o, no 2, e 114o, no 1, do CT).

  8. Posto isto, em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir4 são as seguintes: – Se o acórdão da Relação enferma de nulidade.

    – Da invocada “violação da lei substantiva”.

    – Se (nomeadamente por desembarque ou por abandono do trabalho por parte do A.) o contrato de trabalho cessou ou, pelo menos, se suspendeu.

    – Em caso afirmativo, quais as suas consequências.

    – Se prescreveram os créditos invocados pelo A.

    Decidindo.

    II.

  9. Foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto: 1. A Ré é uma empresa que exerce a atividade de Agência de Recrutamento e Colocação de marítimos.

  10. O A. (...) tem o curso de pilotagem pela ..., mas não está habilitado a exercer a função de piloto enquanto não tiver tempo de embarque e ser considerado habilitado e certificado; 3. A pedido do autor e do ..., de quem é agente, a Ré acordou com o autor, recém-formado piloto na ..., a colocação como praticante no navio ... da ... para aí obter formação e tempo de embarque, mediante a contrapartida 600,00 € (seiscentos euros), incluindo o montante respeitante a subsídios de férias e de Natal; 4. Na sequência do referido acordo a ré e o autor subscreveram documento escrito em ... de ... de 2019, denominado “contrato de trabalho a termo incerto”; 5. Do ponto 1.5 do referido documento consta que o mesmo se encontra «inserido no Art. 140 do CT, no 3, alínea g) do Código do Trabalho (Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro), com o objetivo da prática adquirida a bordo (tirocínio) para a obtenção do certificado de competências» e no ponto 1.6 que o contrato caduca «quando o marítimo adquirir a prática necessária a bordo, que lhe permitirá a obtenção do certificado de competências».

  11. Do ponto 20 do aludido documento consta que o mesmo se rege “de acordo com as normas contempladas no Acordo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT