Acórdão nº 0213/17.6BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 18-10-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a impugnação deduzida por A..., LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), melhor identificada nos autos, contra o acto de indeferimento do pedido de revisão apresentado do acto de liquidação de IRC relativo ao ano de 2011, no qual não foi apurado imposto a pagar, e determinou a anulação do ato impugnado.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

  1. Com base na factualidade dada como provada, o MM. Tribunal a quo, exarou a douta sentença, ora recorrida, em 18/10/2022, concluindo que, deveria a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do princípio do inquisitório, e para tanto desenvolvendo as diligências que entendesse necessárias, procurar perceber se os elementos declarados pela Impugnante eram aptos ou não a substituir os elementos por si considerados na elaboração da liquidação oficiosa (liquidação que em face de assentar em elementos ficcionados não pode deixar de se considerar como tendo natureza provisória, como a isso aponta o princípio da tributação pelo rendimento real).

B) Entende a douta sentença recorrida que não está em questão uma obrigação, por parte da AT de considerar, sem mais, verdadeiros os elementos extemporaneamente declarados, até porque ao não entregar a declaração dentro do prazo legal, a Impugnante não pode beneficiar da presunção de boa-fé que decorre do n.º 1 do art.º 75.º da Lei Geral Tributária, não podia era a AT-RAM, ignorar por completo os elementos declarados, sem procurar aferir da sua veracidade, o que poderia ter feito, designadamente, através de um procedimento inspetivo.

C) Salvo o devido respeito, é nosso entendimento que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto faz uma errónea subsunção do caso concreto ao direito aplicável, designadamente nos artigos 90.º, n.º 1, alínea b) e n.º 10, do CIRC (artigo 83.º na redação vigente à data da liquidação impugnada), artigos 55.º, 58.º e 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 59.º do CPPT, pelas razões que vamos infra expor.

D) A douta sentença ora recorrida incide a sua fundamentação na circunstância de que a AT-RAM ter ignorado por completo os elementos – extemporaneamente - declarados pela recorrida na declaração Modelo 22 de IRC, ainda dentro do prazo de caducidade, tendo assim incorrido em vício de violação de lei, vício que conduz à anulabilidade da liquidação impugnada (cfr. n.º 1 do art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi al. d) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), razão pela qual concedeu provimento à presente impugnação.

E) Entendimento com o qual discordamos.

F) Com efeito, está em causa nos autos uma liquidação oficiosa de IRC, efetuada à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 10 do artigo 90.º do Código do IRC (CIRC), à data artigo 83.º do mesmo diploma, tendo por base os elementos que a AT dispunha, designadamente os elementos relativos ao último exercício em que a contribuinte submeteu voluntariamente a sua declaração.

G) Ora, em causa nos autos está uma situação em que a AT se substituiu, por imposição legal, ao contribuinte quanto ao cumprimento da obrigação acessória declarativa, pelo que, como refere – e bem – a douta sentença recorrida a presunção de veracidade e boa-fé dos elementos declarados na Modelo 22 de IRC submetida pela recorrida, em 07.01.2013 deixa de existir.

H) Ora, é precisamente a partir deste momento que a nossa discordância com a douta sentença recorrida fica vincada.

I) Com efeito, é nosso entendimento que a douta decisão judicial está inquinada de erro na subsunção do direito aplicável ao caso concreto, porquanto, contrariamente ao que defende o Tribunal a quo, recai sobre o sujeito passivo – e não sobre a AT - o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável ou, no caso concreto, sobre a verificação de prejuízos fiscais que pretende ver reportados, J) ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 120.º (então 112.º) do CIRC.

K) Veja-se, a este respeito e num âmbito duma situação em tudo idêntica à dos autos, o entendimento exarado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0416/09.7BECBR, de 03.02.2021, seguindo o qual: “Com efeito, na situação dos autos, perante a falta de cumprimento do dever de apresentação da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo, a AT lançou mão do mecanismo legal previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 83º do CIRC, recorrendo a uma matéria tributável ficcionada- matéria coletável do exercício mais próximo, o que equivale a dizer que recorreu a uma avaliação indirecta da matéria tributável, procedimento este que fundamentou nos termos legais e cujos pressupostos não foram postos em causa pela Recorrente. Nessa medida, é inequívoco que, ao contrário do que pretende a Recorrente, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 112º do CIRC.

Não se olvide ainda que, na situação em apreço, em bom rigor, nem sequer se pode falar em “declarações de substituição”, pois não estamos perante nenhum dos casos previstos no então artigo 114º do CIRC (actual 122º).

Deste modo, as declarações a que alude a Recorrente apenas poderão ser valoradas pela AT, desde que acompanhadas por outra documentação e meio probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos, esforço probatório que não foi realizado pela Recorrente, como se deixou exarado na sentença recorrida, asserção esta que a Recorrente não põe em causa, pelo que, o recurso não pode proceder nesta sede.

A Recorrente faz ainda alusão à violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real. Ora, como se crê ter demonstrado, recaindo sobre o sujeito passivo, neste caso, o ónus da prova do excesso da matéria tributável tida em consideração na liquidação oficiosa, e não tendo carreado para os autos de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico quaisquer elementos probatórios, não era exigível à AT a realização de quaisquer diligências complementares que se mostrassem necessárias à comprovação desses dados.

Além disso, o princípio constitucional consagrado no artigo 104º nº 2 da CRP, no sentido de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real é perfeitamente compatível com o apuramento da matéria tributável por meios indiretos.

Efectivamente, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 84/2003, Proc. 531/99) refere que “a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções”, ou seja, aquele TC tem admitido o apuramento da matéria tributável por meio de presunção, desde que as mesmas sejam ilidíveis, o que se verifica no caso concreto.

Sendo assim, como é, não merece qualquer censura a decisão recorrida quando aponta que “o princípio constitucional da tributação das empresas sobre o seu rendimento real não é impeditivo de qualquer liquidação tendo por base os elementos que a Administração Fiscal disponha, mormente a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, no caso de o sujeito passivo não cumprir com obrigações declarativas ou não as cumprir nos prazos legalmente estabelecidos.” (sublinhado nosso).” L) Dito isto, julgamos que a sentença ora recorrida padece de errónea subsunção do direito aplicável ao caso concreto, porquanto recai sobre o sujeito passivo – e não sobre a AT, como defendido pela douta sentença recorrida - o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável ou, no caso concreto, sobre a verificação de prejuízos fiscais que pretende ver reportados, M) ónus de prova esse que implicaria trazer ao conhecimento da administração fiscal (em sede dos procedimentos graciosos) ou ao tribunal, em sede de impugnação judicial, os elementos contabilísticos que permitissem verificar que a liquidação oficiosa não se poderia manter, por, in casu, se verificarem os prejuízos fiscais declarados na Modelo 22 de IRC submetida extemporaneamente pela recorrida e que não se satisfaz pela mera apresentação/submissão dessa declaração, pelo que não incumbia então à AT proceder às diligências para aferir da sua veracidade, à luz do princípio do inquisitório aludido na sentença ora recorrida.

N) Tudo visto, pugnamos pela procedência do presente recurso e pela substituição da decisão por outra que julgue a impugnação improcedente Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.

Não foram produzidas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso, impondo-se a revogação da sentença na parte em que determinou a anulação do acto tributário, confirmando-se, no demais, a sentença recorrida, e determinando-se a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão...

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