Acórdão nº 220/19.4T9ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução07 de Junho de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO Nº 220/19.4T9ACB.C1 Processo Comum Singular Crimes de furto qualificado Erro de julgamento Crime continuado Qualificação jurídica dos factos Juízo Local Central Criminal ...

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A CONDENAÇÃO RECORRIDA No processo comum singular nº 220/19.... do Juízo Local Criminal ... - Comarca de Leiria, por sentença datada de 17 de Janeiro de 2023, foi decidido: 1.

… 2.

Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. f) do CP, na pena de 200 (duzentos) dias de multa por cada um deles; 3.

Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que totalizou uma multa global de €1820.

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido … recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: 0. «… 1. Foi incorrectamente julgada a parte final do facto provado 1., na qual se devia ler “embora junto à casa do arguido a vedação esteja tombada em alguns pontos e inexista noutros” (em itálico a parte que deve ser acrescentada), o que se impõe pela análise dos fotogramas juntos à contestação como Doc. 1, 2 e 9 a 13 (os quais correspondem às suas reproduções inexactas a fls. 367, 368 e 375 a 379 dos autos) e minutos 18:40 a 30:05 das declarações do arguido, de 10 Janeiro de 2023 (constando na respectiva acta que foram “gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 9 horas e 58 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 51 minutos.”).

  1. A sentença concluiu que não se verificou facto que o auto de fls 57 e 58, documento com força probatória reforçada, diz ter efectivamente ocorrido (presenciado directamente pelo OPC), facto que foi confirmado a minutos 2:20 a 3:00 do depoimento de 10 Janeiro de 2023 do cabo da GNR BB … 3. A conjugação do facto que se acaba de referir com os elementos probatórios que se indicam infra em 4. e 5. impõem que se lance mão das regras de experiência comum para, através de prova por presunção judicial, se dar como provado o facto vii da lista de factos não provados e se dar como não provados os factos 3., 6., 7., 8 e 9.

  2. O comportamento do arguido foi sempre compatível com o de quem pensa agir legitimamente e sempre absolutamente incompatível com o de quem comete furto qualificado: i. o arguido sabia que necessariamente a sua actividade ia ser detectada pelos trabalhadores do parque … ao usar motosserra (factos provados 2. e 5.), instrumento extremamente ruidoso, em vez de uma silenciosa serra manual; ii. o arguido nunca mostrou qualquer intenção de escapar quando os representantes do parque a ele se dirigiram e desde o início invocou perante eles que a sua actuação era legítima … iii. após abandonar o local para a sua residência adjacente ao local, o arguido apresentou-se voluntariamente perante a GNR quando deu pela presença da mesma no local (como supra referido).

  3. Não se fez prova de que o arguido tenha feito sua qualquer madeira, pelo que os factos provados 3. e 6. devam ser considerados não provados. Isto porque: i. Os fundamentos da sentença apresentam contradição interna, pois sustentam-se em duas declarações incompatíveis entre si, … ii. O excerto da fundamentação supra transcrito não corresponde sequer ao que CC disse … iii. … 6. O arguido foi condenado por dois crimes de furto qualificado, mas ao invés devia ter sido condenado por um único crime na forma continuada, uma vez que a situação se manteve precisamente homogénea, nomeadamente, pela circunstância de o local não ter sido fechado no tempo entre o facto provado 1. e o facto provado 4., não tendo sido essa circunstância causada pela acção do arguido, mas também pelo facto de os factos provados 4. a 6. serem quase iguais aos factos provados 1. a 3., assim se violando o artigo 30º, nº 2 do Código Penal, questão não considerada sequer pela sentença.

  4. A sentença recorrida aplicou incorrectamente o artigo 204º, nº 1 al. f) do Código Penal, pois considerou que o facto de existir uma vedação no tempo presente … bastava para aferir da verificação do elemento de “espaço fechado” previsto na norma, quando a norma deve antes ser interpretada no sentido de exigir que o espaço se encontre fechado não no presente, mas no momento da introdução ilegítima, a qual ocorreu em 2019, … 8. E não se conteste que há um mero lapso: i. Tal sempre seria inviabilizado por já assim constar na acusação, e o Tribunal só poder ir além dos factos na contestação em determinados casos que aqui não se colocam, sendo que nesta situação seria violado o art. 359º, nº 1 do Código de Processo Penal, uma vez que, não dizendo a acusação que o local era fechado na altura dos factos, apenas há lugar ao crime de furto simples.

    ii. E a prova testemunhal em que o Tribunal se baseou … situa a questão no presente e não quanto a Março de 2019.

  5. Ainda que a sentença tivesse indicado que, em Março de 2019, a vedação assumia as características descritas na 2.ª parte do facto provado 1., ainda assim não poderia ter considerado, como considerou, que se verifica o elemento “espaço fechado” do art. 204º, nº 1, al. f) do CP, visto que a mera indicação de que há uma vedação e a mesma está tombada (facto provado 1.), sem indicar a extensão da parte em que está tombada e a extensão da parte em que não está tombada, não permite aferir se a introdução nesse ponto deve ser considerada como introdução em espaço fechado, pois não permite perceber nem a extensão da parte efectivamente vedada nem a extensão da parte tombada. Para mais quando, segundo a fundamentação, a vedação esteve tombada vários anos.

  6. … como considerou o Assento 7/2000, a expressão «espaço fechado» que consta da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do CP “tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa”, sendo que não há na sentença qualquer facto considerado provado que mostre que o espaço estava conexionado a uma casa, mesmo no sentido muito amplo de «casa» que é utilizado por esse aresto, tendo a sentença considerado incorrectamente que não se impunha a ligação a qualquer casa, mesmo no sentido de espaço comercial ou industrial. O que impõe que o arguido não seja punido por essa norma.

    … 3.

    Respondeu[1] ao recurso o Ministério Público, concluindo que se deve manter na íntegra a decisão do tribunal a quo.

  7. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neles se pronunciou, sendo seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

  8. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso … Desta forma, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem no seguinte: o Houve erro de julgamento? o Deveria ter sido aplicada a unidade criminosa do artigo 30º, nº 2 do CP? o Foi mal qualificado o crime de furto, à luz do artigo 204º, nº 1, alínea f) do CP? 2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

    O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição): 1. «No dia 10 de Março de 2019, a hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se ao Parque dos ..., sito na Quinta ..., ..., ..., ... que se encontra inteiramente vedado, embora junto à casa do arguido a vedação esteja tombada.

  9. Ali chegado, munido de uma motosserra, cortou 3 cedros, designados Leylandis, que ali se encontravam plantadas, de valor individual não inferior a €300,00.

  10. Acto contínuo, juntou parte da madeira proveniente do corte e abandonou o local fazendo a mesma sua.

  11. No dia 30 de Março de 2019, o arguido dirigiu-se ao Parque dos ..., sito na Quinta ..., ..., ..., ....

  12. Ali chegado, munido de uma motosserra, cortou 2 árvores identificadas como “Leylandis” e “Acers”, cujo valor individual é não inferior a €300,00 e que ali se encontravam plantadas, 6. Acto contínuo, juntou parte da madeira proveniente do corte e abandonou o local fazendo a mesma sua.

  13. Ao entrar no interior das instalações do Parque dos ..., o arguido agiu com o intuito de se apoderar da madeira resultante do corte de árvores e fê-lo sempre sem autorização e contra a vontade do respectivo proprietário.

  14. Com efeito, o arguido agiu bem sabendo que os objectos (madeira) acima referidos não lhe pertenciam e, no entanto, quis integrá-los na respectiva esfera patrimonial, o que conseguiu.

  15. Ao praticar os factos descritos, o arguido actuou, em todos os momentos, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida e punível por lei.

  16. No CRC do arguido não se mostra averbada qualquer condenação.

  17. O arguido trabalha como mecânico automóvel efectuando reparações de máquinas agrícolas, actividade que lhe rende cerca de €750,00 mensais.

  18. A companheira do arguido trabalha com ele na sua oficie auferindo mensalmente €600,00.

  19. Residem em casa própria, despendendo na amortização do empréstimo contraído para a...

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