Acórdão nº 2905/09.4PASNT-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2023
Magistrado Responsável | PAULO FERREIRA DA CUNHA |
Data da Resolução | 07 de Junho de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em audiência no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.
AA, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e art.º 31.º n.º 1, 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, apresentou a vertente providência de Habeas Corpus, visando os seguintes efeitos, que contêm em si alguma factualidade alegada: “1) Ser declarada a inexistência do trânsito em julgado do despacho proferido em 06-03-2017, já que à data da notificação do arguido para a morada do TIR, o TIR se encontrava extinto, com o trânsito em julgado da sentença condenatória de 09-04-2012, de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 214.º do CPP redigida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15/12, na versão da Lei n.º 26/2010, de 30/08; 2) Ser declarada a inexistência do trânsito em julgado do despacho proferido em 06-03-2017, pois o n.º 2 do artigo 495.º do CPP não prevê de forma expressa que o despacho que revoga a suspensão da pena de prisão e ordena o cumprimento efeito desta, possa ser notificado por via postal simples, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP; 3) Ser declara a ilegalidade da prisão e ordenada a libertação imediata do requerente à liberdade”.
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Nos termos do art.º 223.º do CPP, foi prestada a seguinte informação: “1. No dia 08.05.2011, AA prestou termo de identidade e residência tendo, indicando como morada para notificações: Avenida ... - c/v B, Bairro do ..., ....
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No dia 24.02.2012, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em que o arguido esteve presente e no que à identificação diz respeito, voltou a referir residir na Avª. ..., Nº... - C/v B, Bairro do ..., ....
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No dia 02.03.2012, realizou-se a segunda sessão de julgamento, em que o arguido esteve novamente presente.
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No dia 09.03.2012, foi lida a sentença, na presença do arguido, tendo o mesmo sido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, subordinada ao pagamento, pelo arguido, da quantia de € 1.000 (mil euros) à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima até ao final do prazo da suspensão da execução da pena de prisão.
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No dia 29.03.2012, transitou em julgado a sentença proferida nestes autos.
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No dia 03.03.2016, a APAV informa os autos que o arguido não procedeu ao pagamento em que foi condenado.
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Foi designada data para a audição do arguido para o dia 27.10.2016, tendo sido notificados, o arguido para a morada constante do TIR e a sua Defensora, Dra BB.
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No dia 27.10.2016 o arguido e a sua Defensora não compareceram, tendo sido nomeada Defensora Oficiosa para o acto e proferido despacho determinando o adiamento da audiência, e que fossem realizadas pesquisas informáticas em todas as bases de dados com vista ao apuramento de nova morada do arguido e após fosse aberta vista.
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No dia 23.02.2017, o Ministério Publico, promove a revogação da pena de prisão suspensa na execução aplicada ao arguido.
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No dia 01.03.2017 é proferida decisão determinando a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao condenado e o cumprimento efetivo dessa mesma pena nos termos do artigo 56.º n.º1 e 2 do Código Penal.
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No dia 28.09.2017, é lavrado termo com o seguinte teor: Nesta data e melhor compulsados os autos, verifico que o TIR prestado a fls. 101 pelo arguido, o foi na redação à data vigente, pelo que irei proceder em rectificação à notificação de fls. 262, ao pedido de notificação do mesmo através de OPC.
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No dia 20.11.2017, o OPC informa que não foi possível cumprir com a notificação do arguido porque não foi encontrado na residência que indicou nos autos.
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No dia 09.01.2018, o Ministério Público promove a junção aos autos do comprovativo do depósito.
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No dia 02.02.2018, e não sendo possível a junção da prova do depósito, foi o arguido notificado, novamente, por via postal simples com p.d., na morada constante do T.I.R., sufragando o entendimento vertido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2010 do STJ.
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No dia 17.03.2018 foi certificado o trânsito em julgado do despacho que revogou a pena suspensa cominada ao arguido, ali constante que o mesmo transitou em julgado em 09.03.2018.
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No dia 20.03.2018 foram emitidos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido.
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No dia 05.03.2021, o arguido foi declarado contumaz.
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No dia 18.03.2021 foram emitidos novos mandados de detenção do arguido.
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No dia 17.06.2021, a I. Defensora do arguido veio requerer que lhe fosse concedido novo prazo para proceder ao pagamento da quantia em que foi condenado, pedindo para o efeito que seja designada nova data para a sua audição, o que lhe foi indeferido por despacho de 23.06.2021 por se encontrar esgotado o poder jurisdicional com a prolação do despacho anterior.
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– no dia 09.07.2021, o arguido por requerimento subscrito pelo seu Defensor vem informar “que se encontra neste momento em território nacional, tendo facultado voluntariamente ao Gabinete Nacional Sirene, em 16.06.2021, a seguinte morada: Av. ..., ..., ...” 21. No dia 18-02.2022 o arguido por requerimento subscrito pela sua Defensora vem requerer que seja o arguido notificado presencialmente do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º e n.º 2 do artigo 495.º do atual CPP, para a seguinte morada sita na Av. ... – Cave B, ..., ....
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No dia 03.03.2022 foi proferido despacho onde se fez constar que “por se encontrar decidida nos autos a questão colocada pela Ilustre Mandatária, não pode, novamente, este Tribunal tomar posição acerca da validade das notificações efetuadas, devendo, caso o entenda, tal questão ser suscitada junto do Tribunal com competência para tal, ou seja, o Tribunal da Relação. Pelo exposto, e porque entende o Tribunal se encontrar esgotado o poder jurisdicional quanto à questão levantada, indefiro o requerido.” 23. No dia 07.04.2022, o arguido interpôs recurso do despacho proferido em 01.03.2017, que foi admitido.
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No dia 27.09.2022, foi proferida decisão sumária pelo Tribunal da Relação de Lisboa a rejeitar o recurso interposto pelo arguido, por extemporâneo.
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No dia 09.05.2023, foram cumpridos os mandados de detenção do arguido.
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No dia 15.05.2023, foi homologada a liquidação de pena.” *** 3.
Thema decidendum: Cumpre decidir se o requerente se encontra preso ilegalmente em virtude de o despacho que revogou a suspensão de execução da pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, que atualmente cumpre, lhe ter sido comunicada por via postal simples, com depósito no recetáculo de correio da morada indicada no TIR que prestou nos autos, e não por contacto pessoal. Constituirá essa circunstância motivo integrador das taxativas causas de declaração positiva de Habeas Corpus, à luz da nossa legislação em vigor? II Fundamentação A Enquadramento Geral 1. O Habeas Corpus (“que tu tenhas o teu corpo” – subentendendo-se ad subjiciendum) é uma providência naturalmente contextualizada no Direito Processual Penal, mas profundamente enraizada no Direito Constitucional, tanto nacional como internacional ou universal. Com efeito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já para tal aponta, nomeadamente no seu art. 8.º, embora de forma ainda pouco concreta. Mais específicos, embora não citando ainda o nome da providência, são o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 1966, no seu art. 9.º, n.º 4, assim como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, no seu art. 5.º, n.º 4. Já a Constituição da República Portuguesa (CRP), de 1976 – seguindo uma tradição muito antiga, que radica no velho direito britânico (Habeas Corpus Act, de 1679) (e alguns fazem-na de algum modo recuar ao Direito Romano) e que entre nós foi recebida por influência brasileira, por sua vez colhida na experiência dos EUA – consagra efetivamente a providência do Habeas Corpus, no seu art. 31, a exemplo, aliás, do que vinha ocorrendo entre nós desde a Constituição de 1911 (art. 3.º, 31.º).
Apesar de anteriormente desconhecido no constitucionalismo moderno português (iniciado em 1820/ 1822 com a revolução veteroliberal e a primeira constituição codificada entre nós), de influência francesa, que era avessa ao instituto (v.g.
Blandine Barret-Kriegel, Les Droits de l'homme et le droit naturel, Paris, P.U.F., 1989, pp. 96-97), o Habeas Corpus vai acabar por se instituir e enraizar em Portugal (panorâmica sucinta, com recolha jurisprudencial in Manuel Leal-Henriques, Medidas de Segurança e “Habeas Corpus”. Breves Notas. Legislação. Jurisprudência, Lisboa, Áreas Editora, 2002, p. 51 ss.).
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