Acórdão nº 0385/21.5BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução31 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A..., S.A.” intentou Impugnação Judicial contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, relativos aos períodos de Dezembro do ano 2017 e de Dezembro do ano 2018, no valor total de € 58.762,00, relativas a correcções realizadas pela Autoridade Tributária nos montantes a reembolsar.

1.2.

Como fundamento da sua pretensão anulatória alegou, em síntese, que as facturas subjacentes às correcções resultaram de serviços de consultoria e agenciamento de transmissões onerosas de alienação de participações sociais suas e para aquisições de participações sociais noutra sociedade, as quais devem ser qualificadas como despesas gerais de natureza administrativa e enquadradas no conceito de actividade económica, que as mediadoras liquidaram IVA, que pagou, e consequentemente que lhe deve ser reconhecido o direito á sua dedução.

1.3.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a referida Impugnação Judicial foi julgada improcedente e a então Impugnante e doravante Recorrente, inconformada, recorreu para este Supremo Tribunal, concluindo as alegações oportunamente apresentadas nos seguintes termos: «1ª – O fundamento do recurso consiste na discordância quanto à interpretação e aplicação da lei substantiva efectuada pelo Tribunal “a quo”.

  1. – Os actos de comércio de alienação e de aquisição de acções por uma sociedade anónima a outra são actos de comércio por natureza e objectivos e, consequentemente, integram-se numa actividade económica (1ª parte do artº 2º Cód. Com.), quer sejam praticados directamente pela recorrente, quer por intermediários (artº 230º nº 3 Cód. Com. – agenciação de negócio – e artºs 289º e 294º Cód. Val. Mobiliários).

  2. - As acções são bens económicos por serem títulos de crédito representativos de valores transacionáveis.

  3. – O artº 2º Cód. Com. remete, no caso em apreço, para os artºs 104º e seguintes do mesmo Código, actualmente revogados e substituídos pelo Cód. das Sociedades Comerciais ( nº 2 do artº 1º Cod. Soc. Com., segundo o qual são sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio).

  4. – Os actos de aquisição e de alienação de acções não estão sujeitos a IVA por não se encontrarem compreendidos nos pressupostos de incidência do CIVA.

  5. – Os serviços de consultoria e de mediação prestados pelas duas mediadoras (B... Unipessoal, Lda. e C..., Lda.) estão sujeitos a IVA, por elas liquidado (nº 1 al. a) do artº 1º e nº 1 al. a) do artº 2º, ambos do CIVA) e têm a natureza de despesas gerais da sociedade anónima recorrente.

  6. – As operações de transmissão de participações sociais são transmissões não sujeitas por não estarem previstas nas normas de incidência do IVA, pelo que não podem ser consideradas nem isentas, nem não isentas, sendo a isenção uma excepção à sujeição, não compreendida no artº 20º nº 1 al. a) do CIVA, “in fine”.

  7. – Da conjugação e interpretação do artº 19º e artº 2º ambos do CIVA, não se vislumbra que seja pressuposto do direito à dedução do IVA de bens e serviços que esteja directamente relacionado com o exercício da actividade da recorrente e facturado por outra entidade.

  8. – A interpretação da norma jurídica e dos factos tributários que dão lugar à exigência ou não de imposto, é indispensável à correcta aplicação da norma jurídica.

  9. – A aplicação automática da lei fiscal não se adequa à defesa do legítimo interesse e segurança jurídica da contribuinte/recorrente.

  10. – Os ofícios circulados da A.T. não são fonte de direito, mas meros entendimentos e orientações internas dos Serviços só por estes conhecidas e não vinculam a recorrente nem o Tribunal “a quo”, mas apenas os agentes da A.T., constituindo fonte de insegurança jurídica para a contribuinte/recorrente.

  11. – As normas fiscais devem também ser interpretadas conforme os princípios constitucionais da C.R.P. (nomeadamente legalidade, justiça e imparcialidade), constituindo estes um limite material à interpretação das leis e da legislação comercial em vigor (artºs 204º e 266º nº 2 C.R.P.).

  12. – A al. a) “in fine” do nº 1 do artº 20º CIVA é bastante clara ao referir-se apenas às prestações de serviços sujeitas e não isentas, nela não se enquadrando as transmissões da recorrente.

  13. – De harmonia com o nº 1 al. a) do artº 20º CIVA correctamente interpretado, o IVA liquidado pelas duas mediadoras e pago pela recorrente pode e deve ser deduzido nos termos gerais e, consequentemente, pode ser pedido o seu reembolso aos competentes serviços da A.T.».

1.4.

Não houve contra-alegações.

1.5.

A Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando o parecer que nesse mesmo sentido o magistrado do Ministério Público no mesmo sentido havia proferido.

1.6.

Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se, agora, os autos à Conferência para julgamento.

  1. OBJECTO DO RECURSO 2.1.

    Como é sabido, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

    Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso...

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