Acórdão nº 243/10.9TAELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo Comum n.º 243/10.9TAELV do Juízo Central Cível e Criminal ... [Juiz ...] da Comarca ..., mediante decisão judicial datada de 27 de janeiro de 2023, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao Arguido AA, reformado, nascido a .../.../1952.

na freguesia ... e ... do concelho ..., filho de BB e de CC, residente no ..., nº ..., em ....

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: « 1ª Julgou-se que o recorrente incumprira a condição de pagar 100,00 € mês que lhe fora imposta para suspensão da pena.

  1. Mas o recorrente tem um rendimento total de cerca de 580,00 €/mês que não tem possibilidades de aumentar pois3ªÉ doente, tem 71 anos de idade, é reformado por incapacidade e não tem sequer habilitações profissionais que lhe permitam melhorar a sua condição económica.

    4ªAliás a douta decisão que lhe revogou a suspensão da pena incorre em evidente falta de fundamentação pois não diz em que se baseia para considerar culposo o comportamento do recorrente, violando o artigo 374 do C.P.P..

  2. A decisão recorrida viola ainda o artigo 40 nº. 1 segunda parte do C.P. pois obrigar pessoa com as características do arguido a passar na cadeia o resto da sua vida não é certamente a melhor forma de reintegra-lo na sociedade.

  3. O mínimo rendimento do recorrente não lhe permitia retirar-lhe 100,00 € mensais para pagar a injunção aplicada sob pena de … morrer de fome pois7ºEsse rendimento ficaria reduzido a cerca de metade do salário mínimo nacional que foi fixado por se julgar que seria a quantia mínima para que pudesse com ele ter-se uma vida digna.

  4. O arguido agiu pois sem culpa.

  5. O recorrente era primário quando foi condenado, não voltou a cometer qualquer crime e está socialmente inserido, e assim foi conseguido o objetivo a que a suspensão da pena se destinava.

  6. Acresce que o comportamento do recorrente foi sempre colaborante com o Tribunal e mostrando total respeito por este.

    Assim11ºNão havendo alternativa legalmente admissível, deve revogar-se o despacho recorrido, declarando-se extinta a pena aplicada ao recorrente, pois apenas deste modo se respeitará a moral e se fará J U S T I Ç A Normas jurídicas violadas: -artigo 374.º nº. 2 do C.P.P.

    -artigo 40.º nº. 1 do C.P.

    -artigos 56.º e 57.º do C.P.

    -artigo 50.º do C.P.» O recurso foi admitido.

    Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1. A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal designadamente o disposto nos artigos 40.º, n.º 1, 50.º, 56.º e 57.º todos do Código Penal e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal inexistindo qualquer nulidade.

    1. O objeto do presente recurso consiste na decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena em que o arguido AA foi condenado.

    2. Estatui o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal que, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

    3. As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

    4. A suspensão da execução da pena de prisão que se encontra consagrada no art.º 50.º do Código Penal tem como pressuposto material de aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. Segundo Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, pág. 343, o instituto da suspensão da execução da pena de prisão tem como finalidade o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.

    5. Nos termos do art.º 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, para o que ora nos interessa, a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

    6. Pelo que, tudo se resume em averiguar se o arguido infringiu grosseira ou repetidamente o dever imposto e se a não entrega da quantia que lhe foi imposta emerge de culpa sua.

    7. Por acórdão, proferido nos autos, o arguido AA foi condenado na pena na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 3 anos, subordinada ao dever do arguido proceder ao pagamento da quantia de €6.000 (seis mil euros), à Junta de freguesia de ..., ..., ... e ..., e em 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

    8. Por despacho judicial proferido a 15-09-2021 foi decidido prorrogar o período da suspensão da pena aplicada nestes autos, por mais um ano e seis meses, nos termos do previsto no art.º 55.º, al. d) do CPP, devendo o arguido cumprir, escrupulosamente, o pagamento mensal de €100 (cem euros) por conta da quantia em dívida (cf. referência ...03).

    9. O arguido não procedeu ao pagamento de qualquer quantia.

    10. Procedeu-se a nova audição do arguido, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal e 492.º do Código de Processo Penal.

    11. O arguido apresentou, então, como justificação para o seu comportamento o facto de se encontrar numa situação de insuficiência económica.

    12. Mas, conforme resulta de documentos apresentados pelo arguido, este aufere uma pensão mensal no total de €584,80 e tem despesas mensais em rendas, seguros, gás, eletricidade e televisão no valor aproximado de €170 (cf. referência ...24).

    13. Ora, sendo certo que o arguido apresenta esta situação económica, a verdade é que não procedeu ao pagamento de qualquer quantia à Junta de freguesia de ..., ..., ... e ..., apesar de ter sido advertido para as consequências do seu comportamento.

    14. Foi o próprio arguido que manifestou a vontade expressa de efetuar o pagamento da quantia em dívida em prestações mensais de €100 (cem euros).

    15. Por isso, a 15-09-2021 foi decidido prorrogar o período da suspensão da pena aplicada nestes autos, por mais um ano e seis meses, devendo o arguido cumprir, escrupulosamente, o pagamento mensal de € 100 (cem euros) por conta da quantia em dívida (cf. referência ...03), pagamento que o arguido não efetuou.

    16. Assim, a questão essencial aqui a resolver concretiza-se em saber se o comportamento do arguido, no período da suspensão, importa ou não a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao mesmo nos presentes autos.

    17. A revogação da suspensão não é automática exigindo-se, quando se infrinjam os deveres ou regras de conduta impostos que ao lado do elemento objetivo da violação do dever, concorra um elemento subjetivo, traduzido na culpa, enquanto infração grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória – alínea a), do nº.1, do artigo 56.º.

    18. No caso em apreço, verifica-se que o arguido não cumpriu a condição de pagar à junta de freguesia de ..., ..., ... e ..., no prazo concedido, a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros).

    19. O arguido não pagou, sequer, um cêntimo.

    20. O arguido apenas não satisfez esta condição de suspensão da pena porque não quis.

    21. Essa falta de pagamento emerge de culpa sua, que menosprezou a condenação, menosprezo e leviandade que manteve apesar das oportunidades concedidas e apesar das advertências do Tribunal.

    22. O arguido, com o seu comportamento, infringiu grosseiramente os deveres de conduta impostos pelo tribunal.

    23. Ainda que não tivesse cumprido, na íntegra, a condição que lhe foi imposta, o arguido poderia ter manifestado essa intenção, fazendo um pagamento que fosse que a demonstrasse, o que não sucedeu.

    24. Atenta a data do trânsito em julgado do acórdão (04-09-2018), o arguido teve a oportunidade de pagar a referida quantia (ou parte dela) no período de mais de quatro anos.

    25. O arguido agiu com culpa grave, infringindo manifestamente, de forma grosseira, o dever de pagamento da quantia em causa. Tanto mais que tinha condições económicas para, em quatro anos, pagar a quantia em dívida (ou parte dela).

    26. A suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido AA foi condenado nos presentes autos foi determinada por, nessa altura, se ter considerado a mais adequada às finalidades da punição.

    27. A suspensão da execução da pena que foi aplicada ao arguido, nos presentes autos, em concreto, não foi suficiente para assegurar as finalidades da punição.

    28. O arguido nada pagou, demonstrando, assim, a sua indiferença perante o Tribunal, o que nos leva a temer que o arguido volte a adotar comportamentos semelhantes no futuro, já que "não sofreu" verdadeiras consequências com a sua condenação.

    29. E, mostram-se esgotadas e de todo ineficazes quaisquer providências que se possam aplicar, inexistindo qualquer outra pena ou medida de que se possa lançar mão para alcançar as finalidades da punição em detrimento da revogação da suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado, em virtude de se terem frustrado as expectativas que motivaram a concessão da suspensão.

    30. O comportamento do arguido é merecedor de reprovação e invalida o juízo de prognose favorável que fundamentou a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que bem andou bem andou a Exma. Juiz “a quo”, ao decidir revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e em determinar o cumprimento da pena de prisão imposta no acórdão condenatório.

    Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto despacho recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto...

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