Acórdão nº 388/17.6GBASL-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Procedimento Cautelar de arresto com o n.º 308/17.6GBASL-E, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ... - Juiz ... o MP requereu o decretamento do arresto preventivo de vários bens ao abrigo do disposto no artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro e 228.º do CPP.

O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a providência requerida e decidiu, sem conhecimento prévio dos arguidos: a) Não decretar o arresto preventivo, ao abrigo do disposto no artigo 228.º do CPP, dos bens móveis e imóveis, identificados no requerimento inicial relativamente aos arguidos AA[1], BB, CC, DD, EE e FF[2].

  1. Decretar o arresto, ao abrigo do disposto no artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11.1, dos bens móveis e imóveis que integram o património dos arguidos - artigo 7.º, n.º 2, alínea a) da Lei 5/2002- identificados no requerimento inicial (ponto C.1, fls. 58 v a 62) relativamente aos arguidos BB[3], CC[4], DD[5], EE[6] e GG[7], respeitando os montantes totais por arguido supra referidos e especificamente indicados na liquidação do património incongruente que consta dos autos principais.

    Foi, ainda, determinado que a notificação dos Requeridos/arguidos apenas fosse efetuada após o arresto, quanto a todos os bens referidos (Artigo 372.º e 393.º, n.º 1, ambos do CPC).

    2. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1— Nos presentes autos, na perspectiva do Ministério Público e no que interessa ao presente recurso, investiga-se a prática de crimes de danos contra a natureza, previstos e puníveis nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal e de contrabando qualificado na forma tentada e na forma consumada, previstos e puníveis pelos artigos 92.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 e artigo 97.º, alínea a), ambos do RGIT, todos em leitura conjugada com o artigo 8.º n.º 1 e 4, do Decreto-lei n.º 121/2017, de 20 de setembro ex vi anexo B, do Regulamento (CE) n.º 338/97, na versão que lhe foi dada pelo Regulamento (EU) 2017/160 da Comissão de 20/01/2017.

    2- Após dedução de acusação o Ministério Público requereu o arresto preventivo, nos termos e para os efeitos do estatuído pelo artigo 228.º do Código de Processo Penal, do património apurado e expressamente indicado como estando na disponibilidade dos arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF.

    3- Na decisão que sobre tal requerimento recaiu a Mma. Juiz a quo considerou, relativamente a estes arguidos, como verificado o requisito do fumus commissi delicti, não dando como demonstrado o requisito do periculum in mora, indeferindo, por isso, o requerido nos seguintes termos: apesar de estar verificada a existência da aparência do crédito, do Fumus boni iuris não se mostra, contudo, preenchido o requisito do periculum in mora ou do justo receio de perda da garantia patrimonial, imprescindível para o decretamento do arresto preventivo requerido pelo Ministério Público, cujo ónus sobre si impendia. Assim, a providência não poderá ser deferida nesta parte.

    4- Na decisão ora requerida a Mma. Juiz a quo deu, porém, como indiciariamente demonstrados todos os factos que lhe permitiriam deferir o requerido pelo Ministério Público; 5- No caso dos autos o que está em causa é saber se relativamente àqueles arguidos se pode dizer que o Estado enquanto credor, face aos factos dados como indiciariamente demonstrados, deve ter o justificado meio de que, a final, caso os arguidos venham a ser condenados, não exista património que permita satisfazer o seu crédito.

    6- O procedimento de arresto visa combater o prejuízo que possa advir da delonga de um processo judicial e da vontade dos arguidos/devedores de evitarem o desapossamento de bens patrimoniais que tenham na sua posse. Tal vontade à medida que o processo for avançando pode, aliás, aumentar em intensidade, à medida que tais devedores se vão apercebendo que tal desapossamento é muito provável ou até inevitável, importando por isso, no momento em que se pode afirmar que o requisito do fumus commissi delicti está reunido, como nos autos já se afirmou, cristalizar o património do arguido colocando-o na sua indisponibilidade sem, no entanto, lho retirar verdadeiramente.

    7- Ora, quanto ao justo receio, acompanhando Alberto dos Reis autor a partir do qual a doutrina se consolidou a respeito desta questão, há que ter presente que "Uma coisa é a ocultação dos bens, outra o justo receio de ocultação. Para que seja justificado o pedido de arresto não é indispensável que o devedor tenha ocultado os seus bens (…) se a ocultação já se consumou (…) o arresto é inútil ou insuficiente. O credor, se quiser precaver-se contra o perigo de insatisfação, há-de, portanto, requerer a providência antes de o devedor levar a cabo a ocultação. (...). É necessário que se aleguem factos positivos e concretos, susceptíveis de exprimir a ameaça de ocultação." E continuando afirma o mesmo autor que 'há-de, ele próprio (o juiz), adquirir a convicção do justo receio de ocultação através de factos objectivos que revelem, por parte do devedor, a disposição de ocultar. " 8- Também Antunes Varela afirma que "Não necessário, portanto, que a perda se torne efectiva com a demora; basta que haja um receio justificado (…) concretizando quanto à densificação deste conceito "Para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa de alienação de terminados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito (...). Basta igualmente (…) que exista acentuada desproporção entre o montante do crédito e o valor do património do devedor, desde que este património seja facilmente ocultável." 9- Ainda quanto ao preenchimento do requisito do periculum in mora não podemos deixar de chamar a tenção para recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça onde se pode ler que “(…) na prova do requisito do periculum in mora a exigência não pode ser tal que se reconduza à prova de circunstâncias que revelem a concretização desse perigo, caso em que, não estaríamos perante um perigo de dissipação, mas perante a concretização de uma dissipação, perdendo o arresto a sua utilidade e efectividade." podendo ler-se, desde logo, no sumário da decisão que "É válida a inferência de que se verifica o periculum in mora, a justificar o decretamento da providência de arresto, quando há uma desproporção manifesta entre activo e passivo e este sobreleva aquele." 10- Com tudo isto se querendo dizer que a factualidade que poderá, segundo as regras da experiência, levar o julgador a concluir pela existência do justo receio de dissipação do património, não terá, necessariamente que demonstrar, como o diz a Mma. Juiz a quo, que os arguidos "praticaram ou se preparam para praticar actos com vista ao extravio ou delapidação do seu património de forma a subtrair os seus bens à acção do credor Estado", sob pena do comportamento do arguido já não poder ser evitado com a providência do arresto, que assim se tornará inútil. E, cremos que este raciocínio, pala além do que resulta dos apontamentos de doutrina e jurisprudência já referidos, assenta, pelo menos em três razões distintas, a saber: uma delas é que se os arguidos encetarem tal comportamento dificilmente o saberemos, já que se pretenderem ocultar o seu património, com certeza que também quererão ocultar tal comportamento até estarem satisfeitos com o resultado; a outra razão radica na circunstância de que quando esse comportamento tiver início, é muito provável que já não possa ser evitado com o início da providência cautelar iá que será muito mais rápida a venda de um bem ou o levantamento de uma quantia monetária, do que a proposição de uma providência e posterior decisão; finalmente a última razão que alicerça as anteriores é a de que o Ministério Público não tem forma de saber se os arguidos já praticaram ou se preparam para praticar actos de dissipação. Aliás, entendemos como razoável supor que o Ministério Público sempre será o último a saber da prática ou da preparação para a prática de tais actos.

    11— Ora, face à factualidade já constante do requerimento inicial, dada como indiciariamente demonstrada pela Mma. Juiz a quo, e que na parte III do presente recurso se repetiu e esquematizou não se pode dizer que o Ministério Público apenas alegou de forma conclusiva e sem qualquer suporte factual 12 - E no que respeita especialmente aos arguidos cujo activo é inferior ao passivo não se pode afirmar que decretar o arresto preventivo com base nesta inferência é um mero funcionamento automático.

    13- Antes tendo de se concluir que quanto aos arguidos cujo activo (património) é inferior ao passivo (vantagem criminosa) estão demonstrados factos que permitem concluir, desde logo, que neste momento não é conhecido património que permita a final declarar perdida a favor do Estado a vantagem ilícita com que os arguidos se locupletaram, o que, por si só, já demonstra um justo receio de o Estado não ver o seu crédito satisfeito, tendo ademais que se concluir, com base na factualidade já anteriormente aduzida e ora repetida, que tais arguidos durante o período em investigação primaram por uma ocultação de património às instâncias formais de controlo, ocultação/ dissipação essa que se mostra muito provável que venha a ocorrer no futuro porque tal património, constituído na sua maioria por quantias monetárias, é altamente fungível e facilmente dissipável, sendo, por isso, expectável que os arguidos, conhecedores já do despacho de acusação onde se requereu a perda de tais valores, se comportem de forma a evitar a transferência de tais valores para o Estado, o que nos leva a concluir pelo justo receio.

    14- Por outro lado, quanto aos arguidos cujo activo (património) é superior ao passivo (vantagem criminosa)...

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