Acórdão nº 24/23.0GAMFR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº 24/23.0GAMFR-A foi o arguido AA, filho de BB e de CC, natural de …, nascido em …1986, solteiro, vigilante no …. e residente na Rua …, …, ouvido em 1º interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos com as vítimas, nos termos dos artigos 202°, nº 1, alínea a), 200º, nº 1, alínea d), 191.°, 193º e 204.° alíneas b) e c), todos do CPP, por existirem fortes indícios da prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176º-A, nºs. 1 e 2 do Código Penal, de dois crimes de rapto agravado, p.e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravados, p. e. p. pelos artigos 173.º, n.º1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do CP
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “
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O Recorrente não aceita nem se conforma com a douta decisão proferida porquanto a mesma foi proferida sem que a prova que suporta os indícios de crime em discussão tenha sido devidamente analisada
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Ora, analisados os indícios de prova conforme resultam dos autos, nada demonstra o cariz sexual, perverso e libidinoso que a decisão abraça ao longo dos vários factos imputados ao Recorrente
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A menor afirma perentoriamente que não teve quaisquer atos sexuais com o AA e que foi apenas partilhado o beijo na boca e caricias e que nunca sofreu de introdução vaginal, oral ou anal, tendo apenas dado beijo na boca, não tendo sido forçada nesse sentido
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Com efeito, em lado nenhum é mencionado ou indiciada a perseguição e intuito sexual vertido na decisão
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A contrario, resulta sim um problema de violência doméstica quanto aos dois menores, mais concretamente, a menor DD, donde o Recorrente quis ajudar e apoiar
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Não obstante a douta decisão ter sido construída com um propósito de condenação assente num móbil sexual, pervertido e criminoso do Recorrente, nada na prova apresentada assim o faz crer
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Em rigor, i) o Recorrente entrou em contacto com a menor fazendo-se passar por outra pessoa com vista a ajuda-la; ii) De todas as vezes que esteve com a menor tentou apoia-la e protege-la da situação que vinha a passar em casa; (iii) não houve qualquer comportamento perverso e libidinoso de cariz sexual, houve sim o beijo na boca; (iv) foi a menor que beijou o Recorrente; (v) foi a menor que foi por sua iniciativa para a cama do Recorrente e este quem lhe indicou que não queria ter relações sexuais para não a magoar cfr. resulta do depoimento da própria; (vi) nunca houve qualquer forçar ou violência; (vii) o Recorrente deslocou-se aos sítios que o irmão da menor pediu para ir e nunca convenceu ou forçou os menores a se deslocarem consigo ou para a sua casa
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Não se encontram preenchidos os pressupostos legais para a imputação de nenhum dos crimes de que vem acusado; I) A decisão e a sua fundamentação apresentam um texto e conteúdo que extrapola a prova resultante dos autos, designadamente, o depoimento dos menores, prova documental e as declarações do Recorrente
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O Recorrente não tem registo criminal e nunca teve qualquer problema com menores; K) A medida de coação mais gravosa deve ser aplicada sempre em respeito aos princípios gerais e elementares do direito
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Não restam dúvidas da análise da prova e indícios juntos aos autos que a decisão proferida vai muito além dos fatos, pelo que não pode o Recorrente concordar com o vertido nos pontos 5; 7; 8 a 35 porquanto o seu teor para além de não corresponder à verdade, não resulta de nenhum indicio ou prova juntos aos autos
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Ora, atendendo aos indícios e prova junta aos autos deveria o douto Tribunal decidir por outra medida de coação manifestamente menos gravosa respeitando assim os princípios gerais de direito
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Desta feita, salvo o devido respeito, o ora Recorrente não pode aceitar a douta decisão, devendo ser modificada a matéria de factos imputados, designadamente, todos os que versem sobre o cariz predador e sexual do Recorrente junto dos menores e em consequência alterada a medida de coação aplicada.” Termina pedindo a alteração dos factos imputados e a revogação da medida de coação de prisão preventiva, com a sua substituição por uma medida de coação menos gravosa
* O recurso foi admitido
Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. O recorrente encontra-se fortemente indiciado pela prática 2 (dois) crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto nos termos do artigo 176-A, n.º 1 e 2 do Código Penal e punível com pena de prisão até 2 (dois) anos; 2 (dois) crimes de rapto agravado, previsto, nos termos dos artigos 161.º, n.1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e punível com pena de prisão de 2 (dois) a 10 (dez) anos e, ainda, de 2 (dois) crimes de actos sexuais com adolescentes agravado, previsto nos termos do artigo 173.º, n. 1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal e punido com pena de prisão até 2 (dois) anos e 8 (oito) meses
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A forte indiciação assenta nos elementos probatórios indicados no despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo
Com relevo resulta: 3. Que o arguido contruiu um perfil falso com o fito de conseguir interagir com adolescentes; que o arguido tinha perfeito conhecimento da idade dos ofendidos (14 e 12 anos); que trocou mensagens com a ofendida tais como: amo-te muito, mais que o infinito; és a mulher da minha vida; amo-te muito, dando a entender que entre eles existia um relacionamento amoroso; que disse ter 21 anos e ser inspector da polícia judiciária; que o arguido deslocou-se da sua residência e percorreu vários Km com o objectivo de se encontrar com os menores para estabelecer um relacionamento amoroso com a ofendida DD; que a pretexto de lhes prestar ajuda por conta dos alegados maus-tratos perpetrados pelos progenitores dos menores, convenceu-os a ir para a sua residência na …; que levou os menores para a sua residência sem dar disso conhecimento a qualquer familiar dos menores; que os menores permaneceram na residência do arguido por mais de um dia; que o arguido dormiu na sua residência com a menor DD, beijou-a na boca e acariciou-a em várias zonas do corpo; que a situação não se prolongou por mais tempo por conta da intervenção das autoridades policiais
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Em sede de primeiro interrogatório judicial, o arguido optou por prestar declarações, confirmou parcialmente os factos imputados, porém, asseverou que agiu com apenas com o propósito de prestar auxílio aos menores que vivenciavam uma alegada situação de maus-tratos por parte dos seus progenitores
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Porém, as declarações prestadas não merecem credibilidade, porquanto, a intenção protagonizada não se compadece com os comportamentos adoptados pelo próprio arguido na medida em que não se compadecem com as mais elementares regras da experiência comum
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O Tribunal a quo fez uma correcta aplicação dos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, constantes dos artigos 191.º n.º 1, 193.º, 194.º n.º 6 e 204.º todos do Código do Processo Penal
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Mostra-se verificado um claro e concreto perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, atenta a personalidade evidenciada pelo arguido, que demonstrou uma completa ausência de consciência crítica para o seu comportamento, apresentando justificações que não se coadunam minimamente com alegada intenção de prestar auxílio aos menores
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Os factos praticados são muito graves e geradores de uma elevadíssima perturbação e instabilidade social, tendo sido praticados na presença de testemunhas
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Mostra-se evidente um sério e concreto perigo de perturbação do inquérito, na vertente de aquisição e conservação da veracidade da prova, porquanto, o arguido ao ter conhecimento dos factos e dos meios de prova que os sustentam, poderá procurar os ofendidos com o objectivo de prejudicar a investigação, influenciando-os, designadamente, a alterarem o seu depoimento em ulteriores fases do processo
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Em consequência, consideramos que o Tribunal a quo andou bem ao decidir que perante a factualidade indiciada e aos perigos identificados, a medida de coacção adequada a evitá-los, só poderia ser uma medida de coacção privativa da liberdade, e não qualquer outra menos restritiva, sendo proporcional às molduras penais do crime imputado e à pena que lhe poderá via a ser aplicada
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Do mesmo modo o Tribunal a quo justificou o afastamento da aplicação da OPHVE tendo concluído que esta medida não é adequada, tanto mais que o arguido praticou os factos através da utilização de meios informáticos, o que fez a partir da sua própria residência, mostrando-se inviável a proibição da utilização de tais meios
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Pelas razões acima elencadas, concordamos com a decisão tomada pelo tribunal a quo que aplicou, além do mais, a medida de coacção mais agravosa, a prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal, porquanto, apenas esta se demonstra necessária, em face das identificadas exigências cautelares; adequada, por ser a única idónea a afastar todos os perigos identificados; e proporcional perante os crimes fortemente indiciados e às sanções penais que em concreto possam vir a ser aplicadas
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Encontrando-se bem fundamentado o despacho recorrido e correcta a decisão de aplicação da medida de coacção, deve ser negado provimento à pretensão do recorrente.” * A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da...
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