Acórdão nº 52/21.0T9VVC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | EDGAR VALENTE |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
No Juízo de Instrução Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo de instrução n.º 52/21.0T9VVC, no qual, mediante despacho judicial, foi decidido não admitir o requerimento para abertura da instrução (1) apresentado pelo assistente AA, por inadmissibilidade legal
Inconformado com essa decisão, recorreu tal assistente, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): I) O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal de Instrução Criminal de … de indeferir do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Recorrente, com fundamento na inadmissibilidade da abertura desta fase processual
II) Porquanto, entendeu o Exmo. Senhor Dr. Juiz que “No requerimento de abertura de instrução não consta a descrição suficiente dos elementos típicos objectivos do tipo penal aplicável.” III) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que respeitou o preceituado nos artigos 287.º e 283.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, porquanto; IV) O requerimento de abertura de instrução apresentado, contém: - a súmula das razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação do Arguido (vide páginas 2 a 10 do requerimento de abertura de instrução); - a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo (vide requerimento probatório); - a indicação dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito (vide páginas 4 e 5 do requerimento de abertura de instrução), - a indicação dos factos que através de uns e outros se pretende provar (vide artigos 1.º a 15.º do requerimento de abertura de instrução)
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Mas mais, entende o Recorrente que o requerimento de abertura de instrução apresentado, contém ainda: - a narração dos factos que fundamentam a aplicação à arguida de uma pena ou de uma medida de segurança, inclusive, em termos de lugar e tempo da sua prática (vide artigos 3.º a 13.º do requerimento de abertura de instrução), bem como; - o grau de participação do arguido neles (vide artigos 3.º a 13.º do requerimento de abertura de instrução), e; - a indicação das disposições legais aplicáveis (vide artigo 15.º do requerimento de abertura de instrução)
VI) O Recorrente imputa à Arguida factos que consubstanciam a prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187.º, n.º 1 do Código Penal
VII) Ora, no requerimento de abertura de instrução, para além de narrar as circunstâncias da actuação da arguida – pontos 3 a 5 do RAI – o Assistente, descreve quais as expressões utilizadas pela Arguida que considera que consubstanciam o elemento objectivo do tipo (propalar factos inverídicos) – ponto 6 do RAI -, ou seja: a) Tive conhecimento do início da empreitada de “Recuperação e Reabilitação do edifício do BB”, contudo o mesmo não me foi comunicado pelo AA; b) O projecto não está a ser de todo cumprido; c) o edifício está a ser alvo de demolições estruturais de grande vulto; d) que colocam em causa toda a estrutura, morfologia e valor patrimonial; e) alterações ilícitas (sem o acordo do autor); f) por forma a salvaguardar o meu bom nome no envolvimento de utilização danosa de fundos comunitários, o que configura crime
VIII) Mais, indica o Assistente as razões pelas quais aqueles factos eram inverídicos – pontos 7, 8, 9 e 10 do RAI – isto é: a) as alterações em causa eram pontuais e não estruturais, nem de grande vulto (2 paredes interiores e um troço superior do coroamento das paredes exteriores, que ruíram aquando do desmonte da cobertura do edifício); b) ao serem pontuais estas alterações não desvirtuavam nem colocavam em causa toda a estrutura, morfologia e valor patrimonial do edifício; c) a arguida teve conhecimento das alterações ao projecto por as mesmas lhe terem sido comunicadas por técnico do AA; d) à data do envio das comunicações o AA não tinha sequer requerido o pagamento de quaisquer fundos comunitários, o que era do conhecimento da arguida, logo não existia qualquer utilização danosa de fundos comunitários
IX) Não podem assim restar dúvidas que o AA imputou à Arguida factos que consubstanciam a prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo art.º 187.º, n.º 1 do Código Penal
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Afirmar significa, desde logo, declarar com firmeza; dizer algo assumindo o carácter de verdade do que é dito; asseverar, sustentar, do mesmo modo, propalar, significa divulgar, espalhar, reiterar, apregoar (cfr. dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)
XI) A propósito da distinção facto versus juízo, refere o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense: “facto é o que se traduz naquilo que é ou que acontece, na medida em que se considera como um dado real da existência, facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, um juízo de existência. Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjunto de ações que se protelam no tempo. Por sua vez, o juízo, independentemente dos domínios em que pode operar (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa a existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor”. (negrito nosso) XII) No caso concreto, as expressões proferidas e utilizadas nas missivas e e-mails difundidos pela Arguida, constituem a imputação de factos, cfr. ponto 6 do RAI. Daqui se conclui que, relativamente a estes pontos, seguramente, estamos na presença da imputação de factos que alegadamente terão sido cometidos pelo Assistente. O que nos pontos aludidos foi escrito contém a narração de realidade factual, contrariamente ao invocado pelo Dr. Juiz de Instrução Criminal
XIII) Sendo que, no caso concreto, tais factos inverídicos eram idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida ao Assistente
XIV) Sendo certo que, a Arguida estava perfeitamente ciente do carácter inverídico daqueles factos, porquanto a própria se deslocou à obra para a fotografar, sabia necessariamente que não existiam demolições estruturais de grande vulto e que as demolições existentes não punham em causa a toda a estrutura, morfologia e valor patrimonial do edifício; sabendo necessariamente, por isso e por todo o demais referido no RAI, que a actuação do AA era lícita em todos os seus aspectos
XV) Por tudo quanto foi dito, resulta claro que o requerimento de abertura de instrução não só respeitou o preceituado nos artigos 287.º, n.º 3 e 283.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, bem como, se encontram ali enunciados quer o elemento objectivo do tipo legais em apreço, quer o seu elemento subjectivo
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