Acórdão nº 16/23.9GGPTG-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução25 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório 1. No âmbito dos autos de inquérito com o n.º 16/23.9GGPTG, a correrem termos na Procuradoria da República de …, foram os mesmos apresentados a Juízo para realização de primeiro interrogatório judicial do detido AA, filho de BB e de CC, nascido em …2003, solteiro, natural de Hamburgo, Alemanha, estudante e trabalhador em Hamburgo, residente em …, …, …

Realizado este, no dia 15/2/2023, veio a ser judicialmente imposta ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, por se considerar existirem fortes indícios da autoria de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e ser necessário acautelar os perigos de fuga, de «perturbação grave da ordem e paz pública» e perigo de continuação da atividade criminosa

No dia 1/3/2023 o arguido dirigiu requerimento ao Juiz de Instrução Criminal, nele afirmando, no essencial: - pretender retratar-se relativamente à sua identificação, afirmando chamar-se DD; - reclamar do facto de o intérprete que o auxiliou no ato de 1.º interrogatório judicial de arguido detido era inidóneo para a interpretação, na medida em que a comunicação se estabeleceu entre ambos em língua inglesa e não na sua língua materna que é o alemão; - e, por tais razões, requerer a repetição do referido ato judicial

No dia 3/3/2023 por despacho judicial tal requerimento foi indeferido, por falta de fundamento legal

No dia 6/3/2023 o arguido dirigiu novo requerimento ao Juiz de Instrução Criminal, reafirmando a sua intenção de se retratar relativamente à sua identificação perante o Juiz, em diligência a agendar; e aduzindo a nulidade (ou irregularidade) do despacho judicial de 3/3/2023 (para o que invocou «o artº. 119º al. c) do C.P.P., ou quando assim não se entenda a nulidade prevista no artº. 120º nº 1 al. d) do mesmo Código de Processo Penal. Em qualquer caso, é manifesta a irregularidade nos termos do artº. 123º do C.P.P.»

Também este requerimento veio a ser indeferido por falta de fundamento legal

Inconformado com o sentido daquelas duas decisões judiciais, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: «1. Em 15-02-2023, o Arguido, ora Recorrente, foi sujeito a 1.º Interrogatório, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva

  1. Em sede de Requerimento apresentado em 01-03-2023, o Arguido, ora Recorrente, requereu a realização de novo interrogatório judicial, por ter entendido que tal acto processual se encontrava ferido de vários vícios, nomeadamente, a falta de tradução/intérprete no seu decurso, e, para, nos termos do artº. 362º do C.P. apresentar, voluntariamente, a sua retratação, no que concerne à sua identificação (cfr. infra explicaremos), por se encontrarem reunidos os requisitos para tal, tendo, no âmbito do mesmo requerimento arguido dois vícios que se achavam cometidos em sede de 1.º Interrogatório

  2. O Tribunal a quo, através de Despacho proferido em 03-03-2023, entendeu (mal) que o Recorrente havia requerido a realização de novo interrogatório, tendo por base a (estrita) invocação de vícios de que padecia aquela diligência

  3. Pelo que, em 06-03-2023, o Recorrente arguiu as nulidades de que aquele Despacho padecia, ou, no limite, irregularidade, ao abrigo dos artigos 119.º. al. c) e 120.º, n.º 1, al. d) e 123.º, todos do C.P.P., por não ter o Tribunal a quo ordenado a prática de actos legalmente obrigatórios, tendo, nessa sequência, o Tribunal a quo julgado improcedentes as nulidades e irregularidade invocadas – pelo que é dos Despachos de e de 9 de Março de que agora se recorre

  4. Conforme já adiantado, entende o Recorrente que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada do pedido respeitante à sua retratação, pois o mesmo não se confunde com qualquer “vício relacionado com a identificação do arguido”, que pudesse ser sanado por este Tribunal Superior, conforme (erradamente) ficou consignado no Despacho datado de 03-03-2023, ora Recorrido

  5. Pelo que, quanto a este pedido em concreto entende o Recorrente que o Tribunal expressamente se demitiu de o analisar e de sobre ele se pronunciar, limitando-se a consignar que tal questão deveria ser objecto de recurso, motivo pelo qual, salvo melhor entendimento, o Despacho de 03-03-2023, ora Recorrido, padece do vício de omissão de pronúncia ou, no limite do vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal – irregularidade essa tempestivamente invocada

  6. Face ao exposto, considera o Arguido, ora Recorrente, que os Despachos Recorridos padecem do vício de omissão de pronúncia ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concebe – sem conceder – de falta de fundamentação, pelo que se requer sejam os mesmos declarados irregulares ao abrigo dos n.º 1 e 2 do artigo 118.º e 123.º do Código de Processo Penal, por violação do n.º 5 do artigo 97.º do mesmo diploma legal, devendo os mesmos ser revogados e substituídos por outro que ordene a realização de interrogatório complementar, nos termos e para os efeitos do artigo 362.º do Código Penal

  7. Ainda que assim não se entenda, e no que concerne ao pedido de retratação, dir-se-á, o seguinte: 9. No pretérito dia 13 de fevereiro de 2023, o aqui Recorrente viajava em direção a …, tendo a sua marcha sido interrompida, no âmbito de uma operação de controlo rodoviário organizada pela Guarda Nacional Republicana, tendo sido revistado o interior do seu veículo, encontrando-se no banco traseiro, os documentos de identificação do seu irmão mais novo AA

  8. Nenhum dos militares da GNR que contactou com o Recorrente naquela noite falava alemão, a sua língua materna, nem sequer falavam inglês, tendo o Recorrente, ainda assim dito que se chamava DD, não lhe tendo, porém sido atribuída qualquer credibilidade, eventualmente poderão até nem ter compreendido por não dominarem qualquer língua estrangeira, pelo que identificaram o Arguido, ora Recorrente, através da referida documentação apreendida em nome do seu irmão mais novo com o qual, de facto, é parecido

  9. O Arguido teve receio de desmentir perante autoridade judiciária a identidade que lhe foi atribuída – a identidade do seu irmão mais novo – sob pena de sofrer represálias adicionais àquelas que já sabia serem esperadas - não obstante, o certo é que o Auto de Apreensão a fls. 10 e 11 dos autos aparece assinado como DD, isto é, com o seu nome

  10. O Recorrente, porque pretendia repor a verdade no que respeitava à sua identificação, através de Requerimento datado de 01-03-2023, requereu a realização de interrogatório complementar por forma poder nos termos do artº. 362º do C.P. apresentar, voluntariamente, a sua retratação, a tempo desta poder ser tomada em conta

  11. Contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, este fundamento em concreto, não se confunde com qualquer vício, consubstanciando, isso sim, uma diligência obrigatória, através da qual o Arguido, ora Recorrente, pretendia, voluntariamente, repor a verdade dos factos respeitantes à sua identificação! 14. Ora, a retratação, como causa pessoal de exclusão da pena está sujeita a dois requisitos ou pressupostos materiais (tempestividade e voluntariedade) e um requisito formal, os quais no presente caso se encontravam integralmente preenchidos: a retratação teria de ser prestada pela mesma entidade que tomou as declarações falsas, pelo que requereu o Recorrente a realização de novo interrogatório perante juiz de forma a poder, de forma directa e presencial, apresentar a sua retratação

  12. Por outro lado, foi o pedido tempestivamente deduzido, pois que foi apresentado logo após o primeiro interrogatório judicial – ou melhor dizendo, logo que o Arguido constituiu Advogado – consubstanciado, ademais, um autêntico e genuíno acto voluntário do Arguido, o qual, inclusivamente, já entregou cópia dos seus elementos de identificação para atestar o que afirma – não obstante nas notificações ainda se faça constar a identificação do seu irmão

  13. É pois inequívoco que o Arguido revela através da sua atitude ao querer retratar-se perante JIC que tomou a “reversibilidade do processo lesivo” nas suas mãos, e que esta “reversibilidade do processo lesivo”, ou “regresso ao direito”, em definitivo depende dele e de uma sua motivação autónoma ou auto-imposta, o que pressupõe que o agente não esteja pressionado por uma situação exterior, como é o caso quando ele tem conhecimento de que contra si corre procedimento criminal pelas declarações falsas

  14. Ora, negando o Tribunal essa possibilidade, os despachos, salvo melhor entendimento, acham-se, nulos e de nenhum efeito, e no mínimo irregulares

  15. Nestes termos, requer-se a V. Exas. se dignem declarar a nulidade dos Despachos ora Recorridos, ao abrigo dos artigos 119º al. c) do C.P.P., ou quando assim não se do artigo 120º nº 1 al. d) do Código de Processo Penal, revogando os Despachos ora Recorridos e substituindo-os por outro que ordene a realização de interrogatório complementar, nos termos e para os efeitos do artigo 362.º do Código Penal

  16. Pese embora o Recorrente já tenha abordado os vícios de que padecia o 1.º Interrogatório e a Busca efectuada em sede de Recurso do Despacho que aplicou a medida de coacção, uma vez que os mesmas foram, também eles suscitados nos Requerimentos sobre os quais recaíram os Despachos ora Recorridos e considerando que é o próprio tribunal a quo que deixa consignado no Despacho que os mesmos devem ser objecto em sede de alegação de Recurso, o Recorrente, vem, pelo presente, e cautelarmente, suscitar tais questões junto deste Colendo Tribunal

  17. Em sede de Requerimento datado de 01-03-2023, o Recorrente, requereu fosse declarada a invalidade da busca efectuada em 13-02-2023, e, bem assim, o acto de 1.º Interrogatório Judicial de Arguido, por terem sido os mesmos dirigidos em língua portuguesa e até inglesa, línguas que o Arguido, ora Recorrente, não domina, o que não garante os seus direitos a uma defesa justa e equitativa

  18. Ora, logo aquando...

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