Acórdão nº 0108/22.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade requerida nos autos de pedido de pronúncia arbitral tributária que correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o n.º 500/2021-T, vem, por não se conformar com parte da decisão final aí proferida e nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação da Lei n.º 119/2019 de 18 de setembro, apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, por contradição da decisão proferida nos autos com as decisões proferidas nos processos CAAD n.ºs. 14/2011-T (parte do recurso respeitante a dedução de custos) e 295/2018-T (parte do recurso respeitante aos juros liquidados pela ATA).
Alegou, tendo concluído: A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o acórdão arbitral proferido no processo n.º 500/2021-T, em 01-07-2022, por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
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O acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada na decisão arbitral proferida no processo n.º 14/2011-T, datada de 4 de janeiro de 2012, já transitada em julgado (cfr. certidão do processo arbitral), nos segmentos decisórios constantes dos pontos (ii) e (iii) da alínea a) do dispositivo, que determinam a anulação parcial das liquidações de IRC dos exercícios de 2016 e 2017, na parte em que decorre das correções atinentes a «Gastos não aceites -gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos.».
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O Acórdão arbitral recorrido também colide com a jurisprudência firmada na decisão arbitral proferida no processo n.º 295/2018-T, datada de 31 de maio de 2019 e já transitada em julgado (cfr. certidão do processo arbitral), no segmento decisório constante da línea b) do dispositivo, que determina a anulação total das liquidações de juros compensatórios.
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A Recorrente defende, com o devido respeito, que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, quando, em contradição total com o acórdão proferido no processo n.º 14/2011-T, o Tribunal arbitral considerou procedente «o vício de violação de lei invocado pela Requerente, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC, relativamente às correções efetuadas pela AT à matéria coletável de IRC dos exercícios de 2016 e 201 7, atinentes a “Gastos não aceites - gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos", nos montantes de € 304.759,67 e de € 122.015,58, respetivamente, pelo que, nessa exata medida, são parcialmente inválidos os atos de liquidação adicional de IRC dos anos de 2016 e de 2017 que, por isso, devem ser parcialmente anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT)».
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O acórdão arbitral recorrido entendeu, com relevância para apreciação do presente recurso, o seguinte: «21. Como resulta do facto provado l), em dezembro de 2007, ocorreu a fusão por incorporação, com transferência global do património das sociedades incorporadas "Y... SGPS, S.A." e "X... Indústria - ..., S.A." para a Requerente, enquanto sociedade incorporante; tratou-se, pois, de uma operação de fusão e, mais concretamente, de uma fusão inversa.
No respetivo projeto de fusão está consignado o seguinte relativamente à contrapartida a atribuir aos acionistas das sociedades incorporadas: "Em virtude desta fusão haverá, tão e somente, a atribuição da totalidade das ações da W... detidas pelas Y... diretamente à acionista única da sociedade incorporada X... (INDÚSTRIA) - X... CAPITAL SGPS SA - não havendo, pelo mesmo motivo, lugar à fixação de outros critérios de avaliação de relações de troca das participações sociais." (cf. P
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No mesmo projeto de fusão está, ainda, referido o seguinte quanto à modalidade da fusão e à atribuição e entrega de ações: “a totalidade das ações representativas do capital social da W... serão atribuídas aos acionistas da X... (INDÚSTRIA) (…)”; "Concluída a operação, as ações representativas do capital social da W... (…) serão atribuídas à X... CAPITAL SGPS SA, sócia única da sociedade incorporada X... (INDÚSTRIA) (...)". (cf. PA) Nos termos do artigo 97.º, n.º 1, do CSC, “[d]uas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só"; sendo que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a fusão pode realizar-se, entre outras formas, ″[m]ediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, ações ou quotas desta".
Dito isto. Importa aqui ter presente a seguinte factualidade que resultou provada: ''j) Em fevereiro de 2007, a sociedade ''X... Indústria - …, S.A. "celebrou um Contrato de Financiamento com o "Banco 1..., S.A." e com o ''Banco 2..., S.A.”, pelo qual contraiu um empréstimo de € 12.350.000,00 que lhe permitiu adquirir 78,95% do capital social da sociedade ''Y... SGPS, S.A.”.
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No decurso do exercício de 2016, a Requerente contratualizou dois financiamentos de médio e longo prazo com o ''Banco 3..." e com o ''Banco 4...', no montante global de € 5.000.000,00, para liquidação do financiamento referido no facto provado j), tendo, dessa forma, passado a beneficiar de taxas de juros inferiores e de prazos de pagamento mais alargados.
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No âmbito dos financiamentos mencionados nos factos provados j) e o), a Requerente incorreu em gastos no total de € 304.759,67 e de € 122.015,58, respetivamente, nos exercícios de 2016 e de 2017, que foram registados contabilisticamente nas contas SNC 681236 (Imposto de Selo - Financiamento MLP), 69112 (Empréstimos bancários- Financiamento MLP) e 6984 (Operações de financiamento).».
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O Tribunal a quo equacionou a questão a decidir nos seguintes termos: «A questão jurídico-tributária que aqui se coloca consiste em determinar se os aludidos gastos de natureza financeira suportados pela Requerente, nos exercícios de 2016 e 2017, são, ou não, por ela dedutíveis, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.».
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Esclarecendo o Tribunal arbitral que: «Vistos e ponderados os argumentos num e noutro sentido, constitui nosso entendimento que é de aceitar a dedução fiscal de tais gastos de natureza financeira, por se mostrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais decorrentes do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.
Esta nossa posição é sustentada pela fundamentação vertida na decisão arbitral proferida, em 19.05.2017, no processo arbitral n.º 537/2016-T que, por merecer a nossa concordância, data venia, fazemos nossa (…)».
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Ora, no âmbito da ação arbitral n.º 14/2011-T, o Tribunal apreciou precisamente a mesma operação de fusão inversa e a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos pela Requerente no exercício de 2007.
I. O Tribunal negou a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados, julgando improcedente o vício de violação de lei, por infração ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, com a seguinte fundamentação: «f) Dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros na Requerente com o financiamento contraído pela B ...
64. Cabe agora apreciar a legalidade da liquidação de IRC de 2007 respeitante à Requerente com referência à correção ao lucro tributável, sobre que exclusivamente incide a impugnação objecto do presente pedido arbitral, que concerne aos encargos financeiros no montante de €342.418,19, a que corresponde o valor proporcional de imposto e juros liquidados de €104.340,61.
A respeito desta correção, o Relatório de Inspeção, que se dá como inteiramente reproduzido no ponto XIX dos factos provados, desenvolve o seguinte discurso justificativo: - “A 31/12/2007 (data do lançamento na contabilidade), via fusão, a A ... registou na conta 23146 – Financiamento Médio/Longo Prazo o montante de €12.350.000 a crédito (...), reconhecendo desta forma na sua contabilidade um passivo de médio e longo prazo.Aquele financiamento, no montante de 12.350.000€, foi contraído pela B ... Indústria (...) para com aquele dinheiro pagar as ações da C ..., bem como a dívida contraída pela C ... SGPS para pagamento da compra das ações da A .... Verifica-se que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição de partes de capital social da A ..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, isto é, a sociedade adquirida, a A ..., passa a suportar os encargos financeiros e outros com a aquisição dela própria” (ponto 7.2).
- “À luz do art. 23.º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, podemos concluir que os custos financeiros e outros, nomeadamente o imposto de selo, decorrentes deste financiamento, que após fusão ficou registado na conta 23146 não contribuíram para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A ..., na medida em que, aquele empréstimo quando contraído foi utilizado unicamente para pagamento das ações da A ... na medida em que o único ativo da C ... SGPS era precisamente as ações da A ...” (ponto III.2.1); - “aqueles encargos não estão relacionados com a atividade da A ... e sim com a atividade e interesse da D..., pelo que aqueles custos [são] comprovadamente dispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos obtidos pela A ...” (ponto IX).
65. Por seu lado, a Requerente, para sustentar o vício de violação de lei apontado a esta correção “por violação frontal ao disposto...
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