Acórdão nº 617/20.7T8PNF-B.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelAZEVEDO MENDES
Data da Resolução24 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.o 617/20.7T8PNF-B.P1.S1 Relator: Luís Azevedo Mendes Adjuntos: Mário Belo Morgado Júlio Gomes Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra DCZ Portugal, Unipessoal, Lda e Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.

pedindo que as rés sejam condenadas solidariamente na reparação de acidente de trabalho que alegou ter sido vítima, concretizando devidamente esse seu pedido.

Alegou, para além do mais, que foi trabalhador da 1.a ré “DCZ”, tendo sido acordado entre ambos uma retribuição base nunca inferior a € 1.700,00, a que acrescia o valor das horas extra que trabalhasse, ultrapassando facilmente os € 2.000,00 por mês.

Na contestação, também para além do mais invocado, a indicada 1.a ré alegou que o autor instaurara antes e contra si uma acção, na qual pedia que fosse declarado que auferia uma retribuição base de € 1.700,00, acção essa que findou por desistência do pedido, pelo que não pode o autor reafirmar nesta nova acção uma pretensão da qual antes desistiu.

Foi então proferido despacho saneador onde foi decidido, entre o mais, absolver a ré “DCZ” dos pedidos formulados pelo autor, sendo considerado designadamente o seguinte que a seguir se transcreve: «(...) Ora, no caso em apreço a causa de pedir do Autor, deduz o Autor, além do mais, o pedido de reconhecimento de que a sua retribuição base era de € 1.700,00 e o salário médio era de € 2.000,00 x 14 meses + € 141,02 x 11, bem como o cálculo do capital de remição e diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária com base na retribuição anual de € 40.000,00. A causa de pedir destes pedidos, no que se refere à retribuição, consiste no alegado nos artigos 6o a 18o da petição inicial.

Causa de pedir essa que coincide com a alegada na petição inicial apresentada pelo mesmo Autor na ação comum que correu termos no Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 4, sob o no 3318/21.5T8PNF, no qual, além do mais, peticionou que fosse declarado que durante o período de trabalho em causa auferia mensalmente uma retribuição base no valor de € 1.700,00.

Com efeito, a única exceção é a alegação, nos presentes autos, do acréscimo a tal retribuição base das horas extra que prestasse e que corresponderia a uma retribuição média de € 2.000,00.

No entanto, e a este respeito, o próprio Autor declarou e, como tal, nisso confessou, que a retribuição anual era de € 1.700,00 x 14, pelo que não é admissível a invocação, agora, em fase contenciosa, de uma retribuição distinta da que o próprio alegou anteriormente nos autos e que o vincula, sob pena de estarmos perante uma situação de litigância de má-fé.

Assim sendo, e face ao declarado nos autos na tentativa de conciliação, só se pode julgar improcedentes os pedidos formulados quanto à consideração de uma retribuição média mensal de € 2.000,00 e retribuição anual de € 40.000,00, por manifestamente ilegítimos e destituídos de fundamento.

No que se refere ao valor de retribuição base mensal de € 1.700,00, constata-se que no processo supra identificado o Autor desistiu expressamente de tal pedido, desistência essa homologada por sentença.

Tendo em consideração que, nos presentes autos, a 2a Ré apenas é responsável pelo valor da retribuição anual para si transferida pela 1a Ré por contrato de seguro e que foi aceite por todas as partes o valor transferido, conclui-se que, relativamente a estes pedidos de reconhecimento de retribuição superior e respetiva condenação no pagamento do capital de remição e diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, apenas a 1a Ré pode ser responsabilizada.

Nestes termos, desde já se absolve a 2a Ré, entidade seguradora, dos pedidos formulados pelo Autor, na parte que exceda o valor de retribuição para si transferida.

Quanto à 1a Ré, face ao supra exposto, verifica-se assim a tríplice identidade dos sujeitos do pedido e da causa de pedir relativamente ao processo de ação comum supra identificado, que impede a instauração de uma nova ação quanto a tal pedido relativamente à 1a Ré, por via do caso julgado operado com a sentença proferida no processo no 3318/21.5T8PNF.

Consequentemente, apenas pode ser considerada nos presentes autos a retribuição anual transferida pela 1a para a 2a Ré, que pelo contrato de seguro celebrado assume a responsabilidade exclusiva pelo acidente do trabalho e suas consequências, por força do disposto nos artigos 7o, 79o e 81o do RJAT.» Desta decisão foi interposto recurso pelo autor para o Tribunal da Relação do Porto pedindo-se nele essencialmente que fosse revogado o despacho saneador na parte em que considerou verificada a excepção de caso julgado, sendo substituído por outro que permitisse apreciar o valor da retribuição alegado.

No recurso, a Relação veio julgá-lo procedente, revogando a decisão que considerou verificada a excepção de caso julgado “em relação ao pedido de verificação de que a retribuição base à data do acidente não era inferior a € 1.700,00 paga 14 vezes ao ano (num total anual de € 23.800,00)”, substituindo-a por outra “que determina que, no prosseguimento do processo seja discutido se a retribuição, à data do acidente, era essa”.

A ré “DCZ” interpôs recurso de revista formulando as seguintes conclusões: «1. Decidiu o Tribunal a quo que a excepção do caso julgado não poderia proceder, considerando que o conceito de retribuição é diferente na Lei dos Acidentes de Trabalho face ao Código do Trabalho.

  1. Com tais considerações sobre o conceito de retribuição, conclui o Tribunal a quo que não se pode falar em repetição da causa, por falta de identidade de pedido e de causa de pedir.

  2. Porém, a leitura feita pelo Tribunal a quo, permite que o Autor, ora Recorrido, faça tábua rasa dos autos que sob número de processo 3318/21.5T8PNF correram termos no Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.

  3. Com efeito, nos autos que correram termos sob o número de processo 3318/21.5T8PNF, o Autor, ora Recorrido, pretendia que o Tribunal declarasse que aquele auferia uma retribuição base de € 1.700,00.

  4. Importa assim ter em conta que o Autor, ora Recorrido, afirmava que auferia tal valor de € 1.700,00 a título de retribuição base, não sendo assim relevante nesse ponto o conceito de retribuição à luz das diferentes leis aplicáveis, mas sim o valor que o Autor, ora Recorrido, pretendia que integrasse a sua retribuição.

  5. O Autor, ora Recorrido, desistiu de todos os pedidos que contra a Ré, ora Recorrente, havia formulado, tendo tal desistência ocorrido na tentativa de conciliação e, consequentemente, não carecia de ser homologada para produzir caso julgado (n.o 1 do art.o 52.o ex vi n.o 2 do art.o 70.o do Código de Processo do Trabalho).

  6. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, pelo que não releva a qualificação jurídica dada aos factos, pois todas elas estão abrangidas pelo caso julgado.

  7. O caso julgado, que é a insusceptibilidade de impugnar uma decisão e se impõe a todos os Tribunais quer a título principal, impedindo nova acção igual, quer a título prejudicial na medida em que obriga os tribunais a decidir conforme a primeira decisão.

  8. Assim, o caso julgado tem um efeito negativo e um efeito positivo – quanto ao efeito positivo este obsta a que um Tribunal profira uma decisão em contradição com a decisão transitada em julgado.

  9. Nos presentes autos, quanto à retribuição base, que não é o que está em causa quando se quer qualificar a retribuição auferida pelo Autor, ora Recorrido, verifica-se a excepção de caso julgado.

  10. Por outro lado, quanto à retribuição auferida pelo Autor, ora Recorrido, sempre terá de se impor a decisão decorrente da desistência formulada pelo Autor, ora Recorrido, no processo que correu termos sob o número de processo 3318/21.5T8PNF.

  11. Em qualquer circunstância, sempre se verificaria a autoridade do caso julgado, a qual visa que o Tribunal profira decisão contraditória com o caso julgado.

  12. Na verdade, não é apenas a relação de prejudicialidade, mas sim a proibição de contradição que subjaz ao caso julgado, nomeadamente na sua vertente positiva de autoridade do caso julgado.

  13. Mas mais, dado que a excepção de caso julgado é definida pela proibição de contradição e pela proibição de repetição, conforme determina o n.o 2 do art.o 580.o do Código de Processo Civil, não pode o Tribunal a quo limitar-se a declarar a não excepção de caso julgado por falta do seu pressuposto ao considerar que não há repetição da causa.

  14. Caso contrário, ficaria esvaziada de conteúdo a figura do caso julgado e permitir-se-ia que decisões contraditórias vigorassem no nosso ordenamento jurídico.» Não foram deduzidas...

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