Acórdão nº 698/17.0PBSTR-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2023

Data17 Maio 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I.

O arguido/condenado AA, vem nos termos do artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença de 22.03.2022, proferida no processo comum (tribunal singular) n.º 698/17.0PBSTR, pendente no Juízo Competência Genérica ..., comarca de Santarém, transitado em julgado (após confirmação por ac. do TR... de 13.09.2022), que o condenou (além do mais) pela prática, como autor material na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças, nos termos do artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva e, bem assim, a pagar à demandante BB a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

II.

Para o efeito, o recorrente, depois de transcrever a factualidade dada como provada, bem como os factos dados como não provados na sentença cuja revisão pede, apresentou os seguintes argumentos na sua petição de recurso: 37. Na verdade, não obstante, não ter o arguido confessado os factos, a verdade é que a circunstância que determinou a sua condenação assentou no depoimento da menor e bem assim no relatório psicológico junto aos autos.

  1. Aquando da realização da audiência de discussão e julgamento a verdade é que não pôde o arguido apresentar algumas testemunhas que, conhecedoras da verdade dos factos se recusaram a depor por não pretenderem se envolver na altura no caso, 39. E bem assim a filha do arguido que não depôs por à data ser menor de idade e não pretender ser arrolada como tal, motivo pelo qual não foi apresentada nem inquirida em juízo.

  2. Com efeito, a então menor CC, era à data dos factos menor de idade, 41. Sendo que atualmente tem já 18 anos.

  3. À data dos factos era esta quem partilhava quarto com a ofendida, 43. E com quem aquela estava diariamente na residência.

  4. Em momento algum o arguido esteve com a ofendida na sua residência ou fora dela, sem que estivesse presente a sua filha que consigo vivia.

  5. Ora, salvo melhor opinião e com o devido respeito o depoimento desta testemunha torna-se essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, tanto mais que o arguido foi condenado por crime que não praticou.

  6. Ademais não mantinha o arguido um arguido próximo com a ofendida.

  7. O arguido diariamente estava ausente a desenvolver a sua atividade profissional, 48. Sendo que aos fins de semana estavam na sua residência diversas pessoas familiares e amigos, que podem atestar que em momento algum o arguido esteve sozinho com a ofendida, o que descredibiliza o depoimento prestado pela ofendida.

  8. Com efeito, DD, tal qual, EE e bem assim FF e GG eram assíduos frequentadores da residência do arguido onde se encontrava a ofendida, 50. E que poderão atestar que em momento algum houve qualquer tipo de proximidade do arguido junto da ofendida que pudesse indiciar qualquer envolvimento entre ambos.

  9. Aliada esta prova ao relatório pericial temos que sérias dúvidas persistirão quanto à prática dos factos, 52. Que, diga-se, não foram cometidos pelo arguido.

  10. Diga-se também, que a queixa formulada nos autos contra o arguido não foi da iniciativa desta tanto mais que esta nunca o pretendeu fazer, 54. Tendo sido apresentada antes sim pelo seu pai.

  11. Acresce que em momento algum houve relatos da ofendida quanto às pretensas condutas do arguido que, em momento posterior aos factos continuou a frequentar a casa do arguido conjuntamente com os seus familiares.

  12. A ofendida manteve uma relação de amizade quer com o ofendido, quer com os seus familiares e amigos o que não deixa de ser estranho quando se descreve os factos nos termos descritos na sentença proferida.

  13. Importa, reitera-se, também referir que as mencionadas testemunhas em momento algum foram arroladas nos autos, pelo que nada impedirá a sua inquirição.

  14. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art. 29.º, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

  15. Daí que o Código de Processo Penal preveja, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do n.º 1, do art. 449.º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

  16. Quanto à literalidade da al. d), do n.º 1, do art. 449.º do CPP, resulta que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se, e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar.

  17. E compreende-se que assim seja, pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, da estabilidade das decisões transitadas - corolário da segurança jurídica -, só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei. Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão.

  18. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excecional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.

  19. Este fundamento para a revisão da sentença assenta em dois requisitos: a apresentação de factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se ‘novos’ e, após reconhecida a ‘novidade’, a verificação de que tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se que a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto.

  20. Quanto à noção de factos ou meios de prova novos devem estes obedecer a uma condição prévia, apenas relevando aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados na decisão em que se fundou a condenação por decisão transitada em julgado e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado.

  21. Porém, é, ainda, entendimento pacífico da jurisprudência deste Tribunal que, para efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não basta que sejam factos ou meios de prova desconhecidos do tribunal no acto de julgamento - processualmente novos – novos são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Desta feita, só são admissíveis novos factos e meios de prova quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justifica a razão pela qual não os apresentou em momento próprio.

  22. De facto, de acordo com a interpretação que se tem feito da al. d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP, o desconhecimento relevante é, não apenas o do tribunal (na medida em são factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento), devendo ter-se em conta o desconhecimento do próprio requerente (razão de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos).

  23. O circunstancialismo supra descrito permite aos recorrentes a apresentação de novas provas/factos que deverão ser apreciados e em consequência prosseguir o presente recurso extraordinário de revisão por forma a apurar da verdade dos factos, que terá forçosamente de conduzir à absolvição do recorrente.

  24. Isto porque de facto o recorrente agiu sem culpa no crime pelo qual foi condenado e determinou o cumprimento de pena de prisão efetiva.

  25. Vide nesse sentido Acórdão STJ de 11-02-2021, Proc. 75/15.8PJAMD-D.S1, 5ª Seção, MARGARIDA BLASCO, www.dgsi.pt.

  26. Este é, pois, o meio próprio e atempado, tendo os recorrentes legitimidade para a instauração do presente recurso.

    Termina pedindo que seja julgado procedente o presente recurso extraordinário de revisão e, em consequência, revogada a decisão proferida, absolvendo-se o recorrente do crime por que foi condenado.

    III.

    Na 1ª instância respondeu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: 1.º Interpôs o arguido recurso da sentença proferida a proferida em 22-03-2022, e já transitado em julgado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica ..., com fundamento na descoberta de novos factos que, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo – al. d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal – suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação de que foi alvo no processo em epígrafe, em que foi condenado pela prática, como autor material na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças, nos termos do artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão efectiva.

    1. A admissibilidade do recurso extraordinário de revisão com fundamento no artigo 449.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal depende da verificação cumulativa de dois requisitos “por um lado, os factos e ou as provas têm de ser novos. E novos no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em...

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