Acórdão nº 277/23 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2023

Data19 Maio 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 277/2023

Processo n.º 156/2023

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro), por A..

2. Através da Decisão Sumária n.º 110/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tendo o recorrente reclamado de tal decisão, veio esta a ser confirmada pela conferência, através do Acórdão n.º 145/2023, com a seguinte fundamentação:

«5. Através da Decisão Sumária n.º 110/2023, ora reclamada, concluiu-se pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso interposto pelo recorrente, por não ter a questão enunciada sob a alínea c) do requerimento de interposição natureza normativa, idónea a controlo concreto de constitucionalidade; e por não terem as demais normas sindicadas constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, o que sempre motivaria a impossibilidade de qualquer juízo de inconstitucionalidade determinar a sua reforma.

Para se concluir pela inexistência de correspondência entre os critérios decisórios enunciados pelo reclamante nas alíneas a) e b) do requerimento de interposição de recurso e a ratio decidendi do acórdão recorrido, fez-se notar, na decisão reclamada, que as normas questionadas pelo recorrente atribuem ao relator o poder de proferir decisão sumária «com base em questão não discutida previamente no processo e sem contraditório prévio do arguido» (alínea a)) ou «por considerar que essa remessa é o desenvolvimento de questões jurídicas do recurso, apesar de não se ter discutido previamente a remessa do recurso para outro processo» (alínea b)), ao passo que a razão do indeferimento da reclamação apresentada pelo ora recorrente foi a conclusão de que que não se tratava de uma questão nova — e que já tinha tido contraditório — e que tal remessa era apenas a decorrência prática dos efeitos atribuídos ao recurso.

Para se decidir pela inidoneidade da questão de constitucionalidade formulada sob a alínea c), sustentou-se, na decisão ora reclamada, que ao envolver as concretas circunstâncias do caso («sem que a decisão recorrida tenha sido proferida no processo para o qual o recurso é remetido e sem que este processo disponha de elementos alegados no recurso do arguido»), a questão de constitucionalidade é reportada ao próprio caso concreto, pretendendo o recorrente sindicar o acerto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, em si mesma considerada, — sem pôr em causa a constitucionalidade de qualquer norma, abstratamente formulada e suscetível de aplicação genérica.

6. O recorrente manifesta a sua discordância quanto à decisão reclamada, quanto a ambas as conclusões.

6.1. Para sustentar que o acórdão recorrido fez aplicação, como ratio decidendi, das normas enunciadas sob as alíneas a) e b) do requerimento de interposição de recurso, invoca o recorrente que a reclamação decidida pelo acórdão ora impugnado se dirigiu a uma decisão sumária proferida «ao abrigo do artigo 417.º, n.º 6 – a) do CPP» (ponto 15.), o que torna incompreensível o entendimento de que « o Acórdão Recorrido, que confirma e valida a legalidade de uma decisão sumária, que foi, precisamente, proferida ao abrigo do artigo 417.º, n.º 6 - a) do CPP, não assentou na norma sindicada» (ponto 16.).

Trata-se de argumentação manifestamente improcedente.

O recorrente incorre num equívoco, confundindo normas (que são idóneas ao controlo concreto de constitucionalidade) com os preceitos legais de que aquelas são inferidas. Com efeito, como se disse (entre muitos) no Acórdão n.º 890/2021, as normas submetidas à fiscalização do Tribunal radicam em um «binómio composto por um ou mais preceitos legais e um determinado conteúdo normativo (cf. Acórdão n.º 50/2021)», sendo certo que é no requerimento de interposição de recurso que «o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, de tal modo que, para que este seja admitido, aquela deverá coincidir com a aplicada, expressa ou implicitamente, na decisão recorrida, como sua ratio decidendi».

Ora, as normas que o recorrente sindicou sob as alíneas a) e b) do requerimento de interposição de recurso (por um lado, a interpretação segundo a qual «o relator pode proferir decisão sumária a obstar ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido, com base em questão não discutida previamente no processo e sem contraditório prévio do arguido»; em segundo lugar, a norma segundo a qual «o relator pode proferir decisão sumária a obstar ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido e determinar a remessa do recurso para outro processo para aí ser apreciado, por considerar que essa remessa é o desenvolvimento de questões jurídicas do recurso, apesar de não se ter discutido previamente a remessa do recurso para outro processo») não encontram qualquer respaldo na fundamentação do acórdão recorrido.

A ratio decidendi do indeferimento da reclamação apresentada pelo arguido quanto à decisão sumária proferida ao abrigo da alínea a) do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal não foi qualquer norma que admitisse tal decisão sem contraditório ou apesar de não ter discutido previamente a remessa do recurso para outro processo, mas, pelo contrário, a circunstância de já ter sido dado contraditório ao arguido — quer por não ser uma questão nova; quer porque a própria remessa para o outro processo havia já sido debatida nos autos. O que resulta expressamente da fundamentação do acórdão impugnado:

«Já se vê que o segmento da decisão sumária alvo de reclamação não constitui nenhuma questão nova, relativamente à qual o tribunal devesse previamente ouvir o arguido em ordem à satisfação do seu direito ao contraditório, mas antes uma mera decorrência prática dos efeitos atribuídos ao recurso decididos na própria decisão sumária proferida.

Consequentemente, desfeito o erro de raciocínio do Reclamante, caiem automaticamente por terra os argumentos onde o mesmo assenta a nulidade da decisão sumária, no segmento reclamado, por violação do seu direito ao contraditório, dado que o Reclamante não tinha de ser previamente notificado para se pronunciar sobre uma mera consequência prática da questão cerne apreciada na decisão sumária proferida e já transitada em julgado.

Termos em que o direito ao contraditório do Reclamante não foi minimamente beliscado, apesar do esforço argumentativo em demonstrar o contrário.

Acresce que mesmo esta consequência prática do envio do recurso ao NUIPC 9153/21.3TELSB, para aí ser levado em conta e conhecido juntamente com o recurso da decisão final, também já havia sido debatida no âmbito das peças processuais deste recurso».

Isto é, e como nota o Digno Magistrado do Ministério Público, a referência no acórdão recorrido ao preceito da...

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