Acórdão nº 150/22.2GCLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO LIMA
Data da Resolução26 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No Juízo de Competência Genérica ... (J...), do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, proferiu-se a 21/12/2022, em processo sumário, sentença em cujos termos o arguido AA … foi condenado como autor de um crime de contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelos art. 6.º, n.º 1, al. c), 18.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, da Lei 173/99, de 21709 (Lei de Bases Gerais da Caça – adiante LC) e 56.º, n.º 1 e 88.º, n.º 1, do DL 202/2004, de 18/08 (Regulamento da lei de Bases Gerais da Caça – adiante RLC), na pena de cinquenta dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, e como autor de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos art. 86.º, n.º 1, als. c), e e), e n.º 2, por referência aos art. 2.º, n.º 1, als. ae) e ar), e n.º 3, al. ac), 3.º, n.º 6, al. a), 2.º, n.º 3, als. p), e), ac) e ad), e 3.º, n.º 2, al. v), da Lei 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico das Armas e Suas Munições – adiante LA), na pena de trezentos dias de multa, à taxa diária de 6.00 €, em cúmulo jurídico sendo-lhe imposta a pena única de trezentos e dez dias de multa, sempre àquela taxa diária de 6,00 € (num total da multa única de 1.860,00 €), sendo ainda declaradas perdidas a favor do Estado, nos termos do art. 109.º, n.º 1 do Código penal (adiante CP), a arma e as munições apreendidas nos autos. 2.

O arguido interpôs contra essa sentença recurso em que, apontando-lhe a violação dos art. 127.º, 129.º, 356.º, n.º 2 e 7, 358.º, n.º 1 e 3, 379.º, n.º 1, al. c), 374.º, nº 2, e 410.º, n.º 2, als. a) e c), todos do Código de Processo Penal (adiante CPP), 24.º, 47.º e 71.º, do CP, 2.º, al. c), 6.º, n.º 1, al. c), 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, da LC, e 78.º e ss. do RLC, a final reclama a sua absolvição pelo crime contra a preservação da fauna e espécies cinegéticas, e a redução da pena imposta pelo crime de detenção de arma proibida. Das motivações desse recurso extrai a final as conclusões seguintes: « I – O presente recurso visa a reapreciação da decisão proferida pelo tribunal a quo, porquanto não pode o arguido concordar com a condenação pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelos art. 6.º, n.º 1, al. c), 18.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, da LC, e 56.º, n.º 1, e 88.º, n.º 1, do RLC, nem pode concordar com a medida da pena aplicada pela prática do crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e e), e n.º 2, da LA, por referência aos art. 2.º, n.º 1, als. ar) e ae), e n.º 3, al. ac), 3.º, n.º 6, al. a), relativamente à arma, e 2.º, n.º 3, als. p), e), ac) e ad), e 3.º, n.º 2, al. v), relativamente às munições, todos da LA, na pena parcelar de trezentos dias de multa, à taxa diária de €6,00; II – Atendendo a que o tribunal a quo deu como provado que: - No dia 29/11/2022 pelas 23:45 horas, o arguido encontrava-se na Rua ..., em ..., no interior do seu veículo, com a matrícula ..-OR-.., à espera de verificar a presença de javalis.

- O local onde o arguido se encontrava é rodeado de casas de habitação e o arguido encontrava-se a menos de duzentos e cinquenta metros dessas casas, - Detendo consigo a espingarda semiautomática de percussão central, de cano de alma lisa, com o comprimento superior a 60 cm, de marca ..., modelo ..., com o n.º de série OV-...79, de calibre 12 Gauge, com depósito fixo por baixo do cano com capacidade para quatro cartuchos, em mau estado de conservação, mas funcional, e - Dois cartuchos carregados com zagalotes, de calibre 12 Gauge e de percussão central, de marca ..., em razoável estado de conservação, - Que se destinava à caça de javalis naquele local, data e hora, - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, - Sabendo que não podia proceder ao exercício da caça de javalis naquele local e hora, nem através daquele método.

Considera o recorrente que não foi feita prova em sede de audiência de discussão e julgamento dos seguintes factos, pelo que se requer a revogação da decisão dando como não provados tais factos, mais exatamente: - Que a arma se destinava à caça de javalis naquele local, data e hora, - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, - Sabendo que não podia proceder ao exercício da caça de javalis naquele local e hora, nem através daquele método Porquanto, o tribunal, sem atender à prova aí produzida, limitou-se a dar como provados os factos constantes da acusação.

III – Ora, o arguido vinha acusado por ter pretensamente praticado factos que se integravam no estatuído nos art. 6.º, n.º 1, al. c), 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, da LC, (…).

IV – O tribunal ao condenar em preceitos legais que vão além dos constantes da acusação, pronunciou-se por factos que importam uma alteração da qualificação jurídica dos factos, tendo proferido decisão sem dar cumprimento ao estatuído no art. 358.º, n.º 3 e 1, do CPP, sendo assim tal decisão nula, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

V – Mas mais, em sede de audiência de discussão e julgamento não foi feita uma única pergunta se no local existia “qualquer exemplar de espécies cinegéticas que se encontre em estado de liberdade natural susceptíveis de serem capturadas, vivas ou mortas”, conforme exige o art. 2.º da citada Lei, nem foi demonstrado que existia.

VI – Mais, se a viatura estava em andamento, como poderia o tribunal a quo determinar onde e quando o arguido iria caçar e qual espécie? VII – Assim, para que se verificasse a consumação do crime pelo qual vem o recorrente condenado, tinha primeiro que se provar que caçou uma espécie cinegética, já que este tipo não se basta com a mera intenção, conforme dispõe o art. 6.º, al. c), da LC. O que não aconteceu.

VIII – Ora, não tendo nenhuma das testemunhas em sede de audiência referido se há ou não qualquer espécie susceptível de ser capturada, e não tendo sido verificada qualquer tipo de “peça” de caça na posse do arguido, questiona-se porque o MP (titular do ónus da prova da matéria constante da acusação), ou o tribunal a quo, não entendeu averiguar/questionar, ou até apurar qual a caça ou espécie suscetível de ser caçada, pelo que não deveria o tribunal punir sem estar elucidado sobre tais factos.

IX – Além de que, a tentativa de cometimento de um crime, subsumível à previsão dos art. 22.º e 23.º do CP, pode, não obstante, deixar de ser punível. Basta que o agente: abandone voluntária e espontaneamente a execução do crime isto é, omita a prática de mais actos de execução (desistência voluntária) − art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte, independentemente das razões (sejam nobres ou até ilegais) que o levaram a desistir.

X – Ora, na dúvida ter-se-á de dar força decisória à versão do recorrente, atento o princípio in dubio pro reo que o julgador está obrigado a seguir.

XI – Faz ainda o julgador referência ao tipo de chumbo que municiava a arma como adequado para a caça ao javali, mas questiona-se se o mesmo não seria apenas o adequado à arma que o arguido transportava? XII – Entende o recorrente que existem contradições entre os factos provados e que ocorre o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, devendo os mesmos serem objeto de reapreciação, ou mesmo absolvição do crime de contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas.

- Da Medida da Pena aplicada ao crime de detenção de arma proibida XIII – Consideramos também como perfeitamente desrazoável a medida da pena … XIV – O grau da ilicitude não se apresenta acima da média, dentro da multiplicidade de comportamentos que criminalmente são punidos e em sede de prevenção especial, há que considerar que, não lhe sejam apontados antecedentes criminais ou de outra ordem.

XV – Pelo que em função da culpa e das exigências de prevenção (art. 47.º, n.º 1 e 2, do CP), afigura-se que, ponderado todo o circunstancialismo, as multas devem fixar-se em medidas sensivelmente dentro da média legal dos limites legais, sob pena de, assim não entendendo, não cumprirem devidamente a sua função de verdadeiras e autónomas penas, cuja dignidade intrínseca não pode ficar desvirtuada.

XVI – Quanto ao seu quantitativo diário, dado que o fixado se aproxima do limite mínimo legal (art. 47.º, n.º 2, do CP), reputa-se que o tribunal não o valorou com equilíbrio, de acordo com os elementos acerca da situação económica e financeira do recorrente de que dispunha.

XVII – Atendendo a tudo o exposto, não se justifica a pena tão pesada para o arguido, pelo que se requer a sua revogação, substituindo-a por uma pena de multa próxima dos cem dias. » 3.

Admitido o recurso, respondeu-lhe o MP, pugnando pela inteira correcção do decidido e assim pela improcedência das pretensões recursivas e consequente manutenção da sentença recorrida … 4.

Subidos os autos, o Sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer em que acompanha a resposta do MP em primeira instância, de igual modo e nos mesmos termos concluindo pela improcedência dos argumentos recursivos e, cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais se acrescentou, sendo que após exame preliminar a que se não patentearam dúvidas relevantes, sem mais vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação 1.

Delimitação do objeto do recurso 1.1.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e tendo essas conclusões em consideração, podemos apontar como temas a apreciar, ordenando-os segundo as precedências lógico-processuais, os seguintes: a) A arguida nulidade da sentença; b) As arguidas insuficiência dos factos provados para a decisão e contradição entre os factos provados; c) O alegado erro de julgamento, incluindo a preterição do princípio in dubio pro reo; d) O alegado excesso da concreta medida das penas aplicadas.

1.2.

E enfim, não cabendo renovação de provas e de igual modo não sendo caso de realização de audiência (que aliás o recorrente...

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