Acórdão nº 56/21.2GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelALEXANDRA GUINÉ
Data da Resolução26 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. … foi, mediante sentença decidido: a) julgar parcialmente provados os factos descritos no despacho de pronúncia e, em consequência: 1. Declarar a arguida AA inimputável quanto aos factos de que vinha pronunciada, e no momento em que os praticou e, consequentemente, absolvê-la dos crimes de difamação e injúria, p.p. respetivamente nos artºs. 180º e 181º, ambos do Código Penal; 2. Declarar que pela arguida AA foram praticados factos integradores dos ilícitos típicos de p.p. pelos artºs. 180º, nº 1 e 181º, nº 1, ambos do Código Penal; 3. Declarar a arguida AA como inimputável perigosa, em razão de anomalia psíquica, ao abrigo do disposto no artigo 20º, nº 1 do Código Penal; 4. Aplicar à arguida AA uma medida de segurança de internamento num estabelecimento de cura, tratamento e segurança adequado à sua patologia psiquiátrica pelo período mínimo de 3 (três) anos; 5. Suspender a medida de segurança aplicada à arguida AA pelo período de 3 (três) anos, sob vigilância, acompanhamento e fiscalização da Direcção Geral de Reinserção Social, e subordinada à obrigação de a arguida ter acompanhamento psiquiátrico regular, com eventual tratamento médico nos lugares que lhe forem indicados.

  1. Inconformada, recorreu a arguida apresentando as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O presente recurso incide fundamentalmente sobre a matéria de direito, nomeadamente no que respeita à determinação da medida de internamento e no que concerne à determinação do seu quantum.

  2. A aplicação de uma medida segurança de internamento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos, a prática de um facto ilícito típico (crime), inimputabilidade por anomalia psíquica do agente e a formulação de um juízo de perigosidade, assente no fundado receio de que a anomalia psíquica do agente, na sua correlação com a gravidade do facto cometido, faça supor o cometimento de outros factos da mesma espécie.

    … 6. No caso em apreço, à arguida foi aplicada uma medida de internamento.

  3. Embora a mesma tenha sido suspensa, não se revela adequada nem proporcional às circunstâncias do caso concreto.

  4. Dispõe o artigo 40º, nº 3, do Código Penal que “a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

  5. Perante a matéria dada como provada e não provada constata-se que nenhuma das condutas da arguida foi particularmente grave, do relatório da perícia médico-legal não resulta qualquer alusão à perigosidade da arguida, referindo, unicamente, que a mesma deverá ser clinicamente acompanhada e eventualmente medicada, e a arguida não tem nenhum ilícito criminal averbado no seu certificado de registo criminal.

  6. Ademais, a perigosidade da arguida avaliada quer à luz dos factos constantes dos autos, quer conjugada com a sua idade (74 anos) e as suas condições de vida, não permitem concluir que atos semelhantes se terão de repetir necessariamente, bem pelo contrário.

  7. Devendo, em consequência, ser aplicada uma medida de segurança a executar pela arguida em liberdade, sujeita ao cumprimento de regras de conduta, nomeadamente com sujeição a acompanhamento e tratamento apropriado à condição de que padece, incluindo exames e observações a efetuar por médico especialista de psiquiatria, respeitando todas as prescrições médicas que lhe forem indicadas, e sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social.

  8. O Tribunal a quo julgou parcialmente provados os factos praticados, pela arguida, que integram os ilícitos típicos previstos e puníveis pelos artigos180º nº 1 e 181º nº 1 do Código Penal.

  9. O crime de difamação é punido com pena de multa até 240 dias e punido com pena de prisão até 6 meses, conforme estatuído pelos artigos 180.º do Código Penal.

  10. Por sua vez, o crime de injúria é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias, conforme estatuído 181.º do Código Penal.

  11. Ora, a medida de internamento determinada pelo Tribunal a quo, embora suspensa na sua execução, não se revela adequada nem proporcional às circunstâncias do caso concreto.

  12. Na determinação da medida de internamento o Tribunal a quo entendeu que se encontrava verificado o pressuposto da perigosidade plasmado no artigo 91.º, n.º 1 do Código Penal.

  13. Entendeu o Tribunal a quo que o limite mínimo da medida de segurança a aplicar à arguida é de três anos.

  14. Todavia, verifica-se que, in casu, não estão em causa crimes contra as pessoas ou de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, conforme artigo 91º, nº 2, a contrario, do Código Penal.

  15. Relativamente ao quantum determinado da medida de internamento este mostra- se excessivo, sendo, desde logo manifesta a desproporcionalidade.

  16. Não se mostrando assim devidamente preenchidos os requisitos para a aplicação de uma medida de internamento pelo prazo mínimo de três anos, deve ser revogada, nessa parte, a sentença recorrida …».

    3. Notificado, respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.

    4. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

  17. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi exercido o contraditório.

  18. Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.

  19. … No presente caso cumpre resolver: - Se se verificam os requisitos legais para a aplicação da medida de segurança de internamento e se esta é proporcional.

    * II. sentença recorrida (transcrita no que ora releva): « II. Fundamentação de facto A) Factos provados Com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos: Da pronúncia: 1. A assistente BB reside numa casa de habitação sita no nº ...3 da Rua ..., ..., ... ..., enquanto que a arguida AA reside no nº ...3 da referida Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ...; 2. As casas de habitação da assistente e da arguida localizam-se na mesma Rua e não distam mais do que 20 metros uma da outra; 3. No dia 01/03/2021 entre as 09.00 horas e as 10.00 horas, a assistente encontrava-se no quintal da sua casa de habitação supra referida a cortar batatas, enquanto o Sr. CC encontrava-se nas proximidades a lavrar um terreno pertencente à primeira com recurso a um motocultivador; 4. Nesse momento, surgiu ali a arguida e disse para aquele “Estás a trabalhar para essa puta” referindo-se à assistente; 5. Entretanto, a arguida aproximou-se da assistente e começou a discutir com ela dizendo-lhe em viva voz o seguinte: “Puta, Vaca, hás de morrer com a boca cheia de terra, vai roubar! 6. De seguida, a arguida disse “Vou buscar um pau” enquanto se afastava; 7. Com as expressões acima referidas, designadamente “vai roubar” a arguida AA pretendia imputar à assistente BB a prática do crime de roubo e/ou furto, bem sabendo que a assistente nunca havia praticado tal tipo de crime e/ou factos; 8. Com as expressões acima referidas, a arguida AA afectou negativamente, como pretendia, o crédito, a consideração, a confiança, a honra e o bom-nome da assistente BB; 9. Vociferando aquelas expressões e insinuações, a arguida AA conseguiu, como pretendia, humilhar, rebaixar e intimidar a assistente; 10. À data da prática dos factos ora descritos e para estes, padecendo a arguida de um quadro de Deficiência / Atraso Mental, clinicamente significativo, a mesma estava incapaz de se avaliar e de se determinar de acordo com a sua própria avaliação, já que o seu nível e capacidades intelectuais não lhe permitem cognitivamente processar a informação percecionada, não possuindo pensamento abstrato que lhe permita ter consciência da ilicitude dos factos de que é acusada, de avaliá-los ou de se determinar de forma livre e esclarecida.

  20. Em virtude dessa perturbação de que padece e da natureza e gravidade dos factos praticados, existe uma séria probabilidade de a arguida vir a praticar outros factos ilícitos - típicos da mesma espécie desses.

    * (…) Mais se provou que: 16. No âmbito do relatório pericial (psiquiatria) efectuado no âmbito do presente processo, consta, no que respeita à perigosidade, que «a probabilidade de vir a praticar outros factos típicos semelhantes, encontra-se estreitamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT