Acórdão nº 103/21.8PBLMG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RECURSO Nº 103/21.8PBLMG-A.C1 Processo Comum Singular Suspensão da execução de pena de prisão Revogação Artigos 55º e 56º do Código Penal Juízo Local Criminal de ...

Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

… o arguido AA, … foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artigo 152º, nºs 1 a) e 2 b), do Código Penal (doravante CP), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, «subordinada às seguintes regras de conduta e acompanhada de regime de prova, que, além de outras tarefas e reuniões a observar pelo arguido, que sejam concretizadas pela DGRSP, contemple: i. a sujeição do arguido a consulta médica para aferir da eventual dependência alcoólica que poderá padecer e respectivo tratamento médico, que lhe seja prescrito, com internamento, se medicamente indicado; ii. a frequência de sessões de prevenção de violência doméstica, orientadas no sentido de o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta, com vista a evitar a prática de novos factos, em moldes a definir pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais; iii. a colaboração com os técnicos de reinserção social na execução do plano que vier a ser elaborado, prestando todas as informações solicitadas, respondendo às convocatórias e recebendo as visitas que aqueles entendam necessárias e pertinentes; iv. a proibição de contactos com a vítima BB, por qualquer meio (directamente e por interposta pessoa, incluindo contactos telefónicos, por telemóvel e através da internet), e de se deslocar à residência da mesma, fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância; v. o afastamento da vítima BB, da residência da mesma e de qualquer local onde a mesma se encontre, em distância de 250 metros, fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância».

  1. Por despacho de 17 de Janeiro de 2023, foi decidida a revogação de tal suspensão da execução da pena de prisão, determinando-se que o arguido cumprirá a pena de prisão em causa, nos termos do artigo 56º, nº 2 do CP.

  2. É deste despacho judicial que vem recorrer o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1ª A Douta decisão socorre-se, exclusivamente, dos Relatórios enviados aos autos pela DGRSP, que não foram notificados ao arguido para efeitos de contraditório, nem antes nem durante a diligência e, nas declarações deste.

    1. É fundamento do nosso ordenamento jurídico-penal, a possibilidade do arguido se pronunciar sobre as concretas actuações ou condutas imputadas, o que só se concretiza pelo seu conhecimento atempado. Também a nível infraconstitucional, este princípio do contraditório está presente em todas as fases do processo penal; 3ª O que acarreta a sua nulidade, por ausência de outros factos substanciadores da decisão.

    2. Assentando a decisão exclusivamente nos factos do Relatório incorreu em violação da proibição de valoração de prova, por se entender que será prova proibida, dada a inexistência de notificação, de produção ou exame na respectiva diligência.

    3. E, decidindo sem qualquer outra prova suplementar, configura vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.

    4. Pois não foi ouvido o técnico que o elaborou, ou outro da mesma Equipa de Vigilância Electrónica, sedeada em Mirandela, mas apenas o técnico pertencente à Equipa do Douro, Extensão ..., que disse, peremptoriamente, nada saber sobre o constante do relatório daquela equipa de vigilância electrónica.

    5. E, no que sabe, expressou-o no Relatório que elaborou escrevendo que o arguido tem respeitado a obrigação de tratamento de alcoologia, medicina, psicologia, enfermagem e serviço social e, que não tem contactado BB, cônjuge e vítima no processo, habitando esta com um filho maior.

    6. O arguido tem cumprido, com os técnicos da DGRSP, as diferentes regras de conduta a que ficou sujeito, e por eles indicadas e acompanhadas, conforme assegurou o técnico ouvido na diligência de audição do arguido, na sequência de incumprimentos referenciados pela equipa de controlo à distância.

    7. O art. 495º, nº2 do C.P.P. estatui que “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”, aqui da Equipa autora do Relatório, que motivou a realização da diligência de audição e subsequente decisão recorrida. O que não sucedeu.

      … 11ª O perímetro da zona de exclusão imposto impede praticamente o arguido de se poder deslocar, ter vida social e fazer as compras diárias necessárias à sua sobrevivência, na sua localidade. O que foi logo e de imediato questionado e evidenciado pelo arguido, requerendo, sem êxito, a sua alteração.

    8. Residindo toda a sua vida na localidade de ..., tem de socorrer-se da mercearia e simultaneamente café, únicos no local, para efectuar as suas compras, o que fez pelo tempo necessário para ver os seus amigos de sempre e fazer as compras. (que se encontra dentro da zona de exclusão).

    9. O arguido é pessoa idosa, doente do foro oncológico, com tratamentos invasivos de quimioterapia e radiologia, extremamente débil fisicamente, de parcos recursos económicos e vivendo sozinho.

    10. Apenas suplicando pela sua sobrevivência, podendo ir até aquela mercearia/café da localidade (que ainda fica a mais de 150 m da residência da vítima).

    11. O arguido, admitiu que se esqueceu, à noite, uma ou duas vezes, de colocar a carregar o aparelho, como sucedeu que depois de carregado, o aparelho perdeu a carga durante o resto da noite. E, por se ter constatado que a bateria estava velha e “viciada” os Serviços resolveram substituí-la. Por duas vezes, não conseguiu de imediato coloca-la a carregar por falha da energia eléctrica. Como também admitiu que a trabalhar no seu quintal, logradouro da casa - fora da zona de exclusão – pousou o aparelho, por ser pesado, e com receio que caísse e se danificasse, durante a execução dessas tarefas.

    12. Porém, nunca nos episódios relatados pela Equipa de Vigilância, nem noutra qualquer vez, se aproximou de forma intencional ou deliberada da habitação da vítima, de local onde ela pudesse estar, ou a tentou por qualquer meio contactar.

    13. Nem a vítima alguma vez relatou qualquer episódio que a pusesse em risco ou tenha manifestado medo com os episódios verificados.

    14. O arguido era primário, não tinha cometido antes qualquer crime, nem cometeu qualquer outro depois; 19ª Não foi beliscado o juízo de prognose inicial e fundamento da suspensão, pois decorrido cerca de um ano após a sentença, e muito mais desde o terminar da relação entre o arguido e a vítima, não houve qualquer aproximação, qualquer contacto, ainda que telefónico, sendo a ausência de aproximação física a última ratio da suspensão.

    15. Se tal tivesse acontecido, poderia, aí sim, consubstanciar uma violação, grosseira e indesculpável que permitiria aferir da sua intensidade e grau de culpa posto nessa conduta, e da inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena, conduzindo à revogação da suspensão.

    16. Ponderadas as circunstâncias concretas da vida do arguido, a sua situação económica, a doença e idade, o contexto geográfico, e que a única e última finalidade da pena, não foi nem foi nem está posta em causa – pela absoluta ausência de contactos entre arguido e mulher – sobressaindo razões humanitárias, deve ponderar-se a reconfiguração da zona de exclusão e/ou com imposição de outros deveres ou regras de conduta, ouvido o arguido na presença do respectivo técnico.

    17. O Douto Despacho recorrido viola os artigos 55.° e 56º do C.P. e 495.° nº 2 do C.P.P. violando igualmente os mais elementares direitos e garantias constitucionais, desde logo o art. 1.°, 9.°, 27.° e 29.° e 30.° da Constituição, na vertente da preterição de formalidades probatórias essenciais na defesa, para além da violação do principio da legalidade previsto no art. 1 e art. 40.° do Código Penal.

      … 4.

      O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a decisão recorrida deve ser mantida.

      5.

      Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

      6.

      Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.

      II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

      … Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a questão a decidir consiste em saber: - se o despacho recorrido deve ser revogado ou mantido, ou seja, se constam já dos autos suficientes elementos que justifiquem a conclusão de que o arguido infligiu grosseira ou repetidamente as regras de condutas impostas e que estão comprometidas as finalidades da sua primitiva condenação.

      2.

      DO DESPACHO RECORRIDO É este o teor do despacho recorrido (transcrição): «O arguido foi condenado, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 19.04.2022, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, com regime de prova e subordinada a regras de conduta, como sejam: ▫ a sujeição a consulta médica para aferir de eventual dependência alcoólica que poderá padecer e tratamento médico que venha a ser prescrito; ▫ a frequência de sessões de prevenção de violência doméstica; ▫ a colaboração com os técnicos da DGRSP; ▫ a proibição de contactos com a vítima, BB, por qualquer meio e de se deslocar à residência da mesma, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância; ▫ o afastamento da vítima, BB, da sua residência e de qualquer local onde a mesma se encontre, em distância de 250 metros (de zona fixa de exclusão e 150 metros de...

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