Acórdão nº 287/20.2PBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução12 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Local Criminal da Covilhã, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção tribunal singular, dos arguidos AA e BB, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nºs 1, a) e f) do C. Penal.

O assistente CC deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 15100, sendo € 14100 a título de danos patrimoniais e € 1000 a títulos de danos não patrimoniais, sofridos, acrescida de juros legais até integral pagamento.

Por sentença proferida na audiência de julgamento de 7 de Novembro de 2022 [acta de fls. 247 e seguintes], foi homologada a transacção relativa ao pedido de indemnização civil [o demandante reduziu o pedido para € 1500, da qual os demandados se reconheceram devedores e se comprometeram a pagar em trinta dias].

Na audiência de julgamento o ofendido manifestou expressa oposição a que fosse arbitrada, nos termos do disposto nos arts. 82º-A do C. Processo Penal e 21º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, quantia a ser paga pelo arguido, a título de reparação pelos danos sofridos.

Na audiência de julgamento de 14 de Novembro de 2022 [acta de fls. 253 e seguintes], o assistente declarou desistir da queixa, caso a mesma fosse relevante, e os arguidos declararam não se opor à mesma.

Por sentença de 21 de Novembro de 2022 foram os arguidos condenados, pela prática do imputado crime de furto qualificado, a arguida, na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 400, e o arguido na pena de noventa dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de € 540.

Mais foi declarado perdido a favor do Estado o montante global da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos com a prática do crime, e estes condenados no pagamento ao Estado da quantia de € 4500.

* Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões: … III - Resulta do texto da, aliás, douta sentença judicial recorrida que o assistente foi reparado do prejuízo causado pelos arguidos, em sede de PIC, tendo, aliás, o assistente manifestado a sua concordância em desistir do procedimento criminal sem oposição dos arguidos.

IV - Ora a reparação do prejuízo causado ao assistente não foi levada pelo tribunal "a quo" aos factos provados pelo que se impõe um aditamento à matéria de facto nos seguintes termos: "Os arguidos e assistentes transacionaram sobre o PIC obrigando-se os arguidos a pagar aos assistentes, a título de reparação, a quantia de 1.500,00 (mil e quinhentos euros)".

V - A sentença judicial recorrida padece de contradição insanável entre os factos dados provados e a fundamentação de direito pois aplicou o instituto penal da perda de bens/vantagens a favor do Estado no montante de 4.500,00 € quando nos pontos 7º e 10º do probatório resulta que a vantagem/lucro dos arguidos foi de 1.390,00 €.

VI - Sem prescindir, esta vantagem/lucro, também, não é devida ao Estado pois os arguidos, em sede de PIC, repararam o assistente em valor superior ao obtido com a venda dos bens não recuperados, isto é, em 1.500,00 € (Mil e Quinhentos Euros) pelo que a aplicação do instituto penal da perda de bens/vantagem não tem sentido jurídico em face da fatualidade dada como provada e em face da insuficiência da matéria de facto, supra assinalada, quanto ao valor da reparação do assistente, em sede de PIC.

VII - A sentença judicial padece, ainda, de erro de direito, pois condenou os arguidos pela agravante da alínea a) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal quando a mesma não se verifica.

VIII - A sentença judicial padece, ainda, de erro de direito por o tribunal "a quo" não ter feito uso dos seus poderes oficiosos a que alude o artigo 358º nº 3 do Código do Processo Penal remetendo a qualificação jurídica dos factos da acusação para a previsão normativa do artigo 206º do Código Penal almejando a extinção do procedimento criminal correspondendo à vontade do assistente e arguidos.

IX - A douta sentença judicial, sempre com o devido respeito, violou por deficiente interpretação os artigos 203, nº 1, 204º nº 1, alínea a), 206º, todos do Código Penal e 358º nº 3 do Código do Processo Penal.

… * O recurso foi admitido.

* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público … e concluiu pelo não provimento do recurso.

* * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, … e concluiu pela parcial procedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

* * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO … atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A existência dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; - Erro de direito, quanto à manutenção da circunstância qualificativa prevista na alínea a), do nº 1 do art. 204º do C. Penal, por ter deixado de se verificar o «valor elevado», dada a reparação integral do assistente quanto aos bens não recuperados; - Erro de direito, quanto a não ter o tribunal feito uso dos poderes conferidos pelo art. 358º, nº 3 do C. Processo Penal, com a convocação do disposto no art. 206º do C. Penal e consequente extinção do procedimento criminal; - Erro de direito, na aplicação do instituto da perda de vantagens, dada a reparação do assistente, relativamente ao valor dos bens não recuperados. * Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “(…).

    1. Em data não concretamente apurada, a arguida AA cedeu a CC, por contrato verbal e contornos não concretamente apurados, um armazém sito na Travessa ..., nesta cidade ....

    2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 30-06-2020, a arguida AA, sem autorização de CC, procedeu à substituição da fechadura do referido armazém e tomou posse efectiva do mesmo.

    3. No interior do referido armazém, a arguida e o arguido, seu filho BB, depararam-se com diverso material do ofendido CC, de valor global superior a € 5.100,00 (cinco mil e cem euros), que logo decidiram fazer seu, designadamente: a) Diversos acessórios em PVC e tubos; b) Ferro galvanizado; c) Parafusos, anilhas e porcas; d) Duas bancadas de trabalho, uma fixa com 5 metros, e outra de correr com 2x3 metros; e) Dois martelos pneumáticos; f) Um foco exterior; g) Uma estrutura em ferro; h) Dois móveis de arrumações; i) Duas prateleiras em ferro; j) Uma máquina de caleiros; k) Uma serra circular; l) Um berbequim de coluna; m) Uma mala bagageira; n) Uma janela com quatro portas em alumínio.

    4. Posteriormente, em data anterior a 30-06-2020, os arguidos venderam a DD os sobreditos objectos, a que foi atribuído o valor global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).

    5. Em 30-06-2020, DD anunciou para venda, no site OLX: a) uma máquina de caleiros, pelo preço de € 1.000,00; b) uma serra circular, pelo preço de € 210,00; c) um berbequim de coluna, pelo preço de € 125,00; d) uma mala bagageira, pelo preço de € 55,00.

    6. Quando DD procedeu ao levantamento dos objectos que lhe foram vendidos pelo arguido BB, existiam ainda outros objectos no seu interior.

    7. Na sequência da realização, a 15.04.2021, de busca domiciliária à residência e garagem dela dependente e por ele acessível, do comprador DD, bem como busca não domiciliária ao armazém sito na Travessa ... (debaixo da Ponte Pedonal da ...), propriedade dos arguidos, foram encontrados e entregues ao ofendido os objectos melhor descritos, respetivamente, a fls. 87 e a fls. 106, relações que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais.

    8. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de fazer seus os objectos que encontraram no interior do sobredito armazém, que se encontrava fechado, dando-lhes o destino que entenderam, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, que tinham valor superior a 5.100,00 €, e que actuavam contra a vontade e sem autorização do seu legítimo proprietário.

    9. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente e sabia que a sua conduta era, como é, prevista e punível por lei como crime.

    10. Não foi possível recuperar os objetos vendidos pelos arguidos a DD e entretanto transaccionados por este a favor de terceiros, no valor de 1.390,00 €, cf. melhor descrito no art.º 5.º supra, porque entretanto foram os mesmos alienados.

    … (…)”.

  2. Inexistem factos não provados, e dela consta a seguinte fundamentação, quanto à perda de vantagens: “(…).

    Estabelece o artigo 110.º do Código Penal, no seu n.º 1, que “São declarados perdidos a favor do Estado: b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”.

    Por sua vez, o n.º 4 desse mesmo artigo preceitua que se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. Tudo isto, ressalva o n.º 6 da mesma disposição legal, sem prejuízo dos direitos do ofendido.

    Nesse mesmo sentido, referem Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette (in Código Penal anotado e comentado, páginas 299/300), “aqui está em causa a prevenção da criminalidade em globo, à luz da ideia de que o crime não compensa (…) a perda de vantagem não é uma pena acessória. É antes uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida...

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