Acórdão nº 265/21.4T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório a. No 2.º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de … foi o presente distribuído como processo comum, da competência do tribunal singular

A acusação do Ministério Público imputava à arguida AA, nascida a … de 1986, com os demais sinais dos autos, a prática de um crime de ameaça agravada previsto nos artigos 153.º, § 1.º, e 155.º, § 1.º, al. a) do Código Penal (CP)

O assistente BB deduziu acusação particular contra a arguida imputando-lhe factos que qualificou como sendo integradores de um crime de injúria, previsto no artigo 181.º CP

O mesmo BB deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia indemnizatória de 2 000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a notificação

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular

Realizado o julgamento veio o tribunal a condenar a arguida pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º, § 1.º, e 155.º, § 1.º, al.

  1. CP, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 7€; e pela prática de um crime de injúria, previsto no artigo 181.º, § 1.º CP, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de 7€

    Operando o cúmulo jurídico das penas correspondentes ao referido concurso de crimes, o tribunal fixou a pena única em 80 dias de multa, à razão diária 7€, perfazendo uma multa total de 560€

  2. Não conseguindo aceder à sentença no sistema informático nos dias imediatamente sequentes à leitura da sentença e depósito da mesma, veio a arguida apresentar escrito em que requereu fosse declarada «a inexistência jurídica do ato de depósito da sentença com as legais consequências»

    Na sequência de informação da secretaria, confirmando o ato de depósito, referindo dificuldades no acesso ao sistema por banda da requerente e ausência de contacto com a secretaria por banda daquela, o requerimento veio a ser indeferido, por contrariamente ao pressuposto no requerimento, os atos devidos terem sido praticados e no tempo devido

  3. Inconformada com a decisão relativa a este incidente e com a condenação na sentença, delas vem a arguida recorrer, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O Tribunal “a Quo” fez errada aplicação do direito, por isso não pode o recorrente concordar com o despacho e a sentença recorrido(a), nem com a fundamentação ali invocada

    2. No dia 7 de Dezembro de 2022 foi lida a sentença à aqui arguida

    3. Contudo, até ao dia 16 de janeiro de 2023 a sentença não esteve eletronicamente visível e disponível para a mandatária, que ignorava o respetivo conteúdo, não obstante a secretaria ter lavrado termo de depósito, conforme prints screen juntos, em momento anterior à assinatura eletrónica da sentença

    4. Naturalmente que o ato de depósito eletrónico da sentença não existe e nenhum efeito produz em relação à mandatária da arguida enquanto aquela não estiver visível e disponível para si, a quem se destina, até porque o prazo para dela recorrer só então se inicia – art. 411º, nº1, al. b), do Código Processo Penal – pois só nesse momento tem conhecimento integral do conteúdo da sentença

    5. A secção, que podia e devia informar o Senhor Juiz desse facto, nada informou e abriu simplesmente conclusão ao magistrado, com o que tornou visível para a mandatária da arguida, mas só então, a sentença

    6. O despacho agora recorrido confundiu atos eletrónicos visíveis para si e aqueles visíveis para os mandatários, o que não coincide

    7. Porque assim confundiu, o despacho recorrido não indagou, como lhe competia, saber se e em que data a sentença efetivamente ficou visível e disponibilizada para a mandatária subscritora do requerimento, o que repete-se apenas aconteceu em 16.01.2023

    8. Podia e devia o senhor Juiz obter simplesmente essa informação da secção ou solicitá-la ao serviço de informática do IGFEJ

    9. Nada fazendo, o tribunal omitiu diligência essencial para a descoberta da verdade – art.120.º, n.º 2, al. d), do Código Processo Penal, o que fere o despacho de nulidade que aqui se invoca

    10. O despacho recorrido violou assim o disposto no art.º 372º, nº5, do Código Processo Penal, quando ao depósito da sentença, sendo violadora do art.411º, nº1, al.a) e b), do Código Processo Penal, a interpretação segundo a qual o prazo para interposição do respetivo recurso pelo arguido se inicia e corre antes daquela estar eletronicamente disponível para o seu defensor

    11. Tal interpretação normativa seria inconstitucional já que consubstancia uma anulação ou redução do prazo do arguido para recorrer, com violação do direito fundamental ao recurso consagrado no art.32º, nº1, da C.R.P., o que desde já se invoca

    12. Por conseguinte, declarado nulo e revogado o despacho recorrido, deve considerar-se que o prazo para a arguida recorrer só se iniciou no dia 16.01.2023 com a disponibilização efetiva para a sua defensora do teor completo da sentença, ficando novamente suspenso com apresentação deste recurso e voltando a correr quando notificada para o efeito

    13. SUBSIDIARIAMENTE 14. Caso assim não se entenda, 15. Com as limitações impostas pelo enorme encurtamento injustificado do prazo de 30 dias para recorrer da sentença, que assim viu reduzido para três dias, a arguida apresenta acautela, a fim de não se ver totalmente coartada essa possibilidade, o recurso possível

    16. A expressão configuradora da ameaça, no entender da sentença, tem o seguinte teor: “Se me apareces aqui dou te um tiro. Entregar-te a CC??? Tu bates mesmo muito mal. Voltas a tocar ela e estas morto. Aponta isso como ameaça séria. Voltas a tocar ela juro que te mato. E vou para a cadeia… Mas que te mato mato. …” 17. Ora, a ameaça assim proferida não se revela adequada a causar prejuízo à liberdade de determinação do visado com ela, pois que apenas constitui o anúncio de uma ofensa corporal que o motivará a conformar-se com o direito, respeitando a integridade física de terceiro, não praticando qualquer crime - ac RE 15-05-2012 (Ana Bacelar Cruz) www.dgsi.pt 18. No caso, a arguida disse ao ofendido que se voltasse a tocar na filha de ambos, referindo-se a contactos de índole sexual, que o matava

    19. Nem era exigível ao comum cidadão, nem à arguida, outro comportamento perante a convicção segura e o forte receio de que o ofendido molestasse sexualmente a filha, não lhe sendo censurável essa conduta

    20. Tratou-se de um apelo veemente dirigido ao queixoso para que não praticasse quaisquer contactos de cariz sexual com a sua filha menor, ou seja, ao cabo e ao resto, para que não praticasse qualquer crime

    21. Não há crime de ameaça quando, como foi o caso, a intenção da arguida era evitar que o ofendido molestasse sexualmente a filha menor de ambos

    22. A sentença violou por isso os art.s 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, ao fazer uma errada subsunção dos factos ao preenchimento dos elementos do tipo legal de ameaça

    23. A arguida agiu sem culpa

    24. A arguida vinha acusada de um crime de injúrias, mas acabou por ser condenada em quatro crimes de injúria, sem que alguma alteração substancial ou não substancial lhe tivesse sido comunicada ou a arguida nessa anuísse, nos termos dos art.358º, nº1 e 3, e art.359º, nº3, do Código Processo Penal, o que configura a nulidade da sentença que aqui se invoca nos termos das disposições conjugadas dos art.s 379º, nº1, al.b), e nº2, do Código Processo Penal 25. A sentença recorrida violou entre outros os art.40 n.º 2, 71º, 77º, nº1, todos do Código Penal

    26. A arguida é primária e confessou os factos

    27. A arguida estudou até ao 12º ano. É solteira. Actualmente vive do rendimento predial de € 900,00 mensais. Encontra-se a estudar …

    28. Reside sozinha em casa arrendada, pagando € 250,00 mensais de renda. Paga € 100,00 a título de pensão de alimentos da filha CC, que reside com o pai em guarda hoje alternada 29. A arguida é considerada pessoa honesta, fiel, afável, educada e altruísta

    30. Em face dos factos provados entendeu o Tribunal a quo condenar o arguido nas penas parcelares de 70 (setenta) dias de multa e de 40 (quarenta) dias de multa para os crimes de ameaça agravada e injuria

    31. Ora, na devida ponderação valorativa das circunstâncias atenuantes apontadas, tratando-se de um ato isolado da arguida, as penas parcelares aplicadas não podem deixar de se considerar excessivas e desproporcionais à gravidade dos factos que praticou e insuscetíveis de assegurar as finalidades que estão na base da punição

    32. São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas

    33. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena

    34. Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa

    35. Estes princípios encontram expressão nos nº 1 e 2 do art. 40º do C. Penal, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa

    36. E, bem assim, no nº 1 do art. 71º do C. Penal, de acordo com o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, operação na qual, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente

    37. No caso concreto, as exigências de prevenção especial muito reduzidas, pois, como provado, a arguida confessou, mostrando...

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