Acórdão nº 275/22.4GCSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO No Processo de Inquérito n.º 275/22.4GCSTB do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ..., onde é investigada a prática de um crime de sequestro, foi proferido despacho judicial indeferindo o pedido formulado pelo MP no qual este requereu se solicitasse às operadoras telefónicas todos os eventos de rede referentes a duas antenas BTS durante um concreto período temporal.

  1. Do requerimento apresentado pelo MP que deu origem à decisão recorrida Em 1.2.2023 o MP remeteu os autos ao Mm. Juiz de Instrução Criminal para apreciação da seguinte promoção: “Os presentes autos tiveram início com base no auto de notícia de fls. 2 e seguintes, no que se reportou que desconhecidos terão sequestrado AA, no interior de um veículo automóvel.

    A referida vítima foi abordada por quatro suspeitos em 22/12/2022, cerca das 23H00, enquanto se encontrava a circular apeado pela Avenida ..., em .... De imediato foi forçada a entrar no automóvel em que os suspeitos se faziam transportar, foi-lhe colocado um saco de plástico preto na cabeça que lhe ocultou a visão na totalidade e lhe causou bastante pânico e dificuldades na respiração.

    Ato contínuo, foi descalçado e sentado no banco traseiro do automóvel, entre os dois suspeitos que o abordaram na via pública, que prontamente o obrigaram a baixar a sua cabeça e o mantiveram naquela posição durante toda a viagem.

    Concomitantemente, os suspeitos de identidade desconhecida começaram também a agredir violentamente a vítima na cabeça com murros e palmadas e a pisar-lhe os pés, cfr. fls. 48 a 50 e 117 a 122.

    Entretanto, os suspeitos pararam em local que a vítima não consegue precisar, porque estava vendado, e continuaram a espancá-lo, juntamente com outros suspeitos que já ali se encontravam a espera da chegada do veículo automóvel com os suspeitos e AA.

    Durante as várias agressões aludidas, os suspeitos iam questionando AA sobre o paradeiro de vários indivíduos a quem se referiam como "EE", e BB, "CC", e "DD" de ..., advertindo-o de que "ou os levava ao EE, ou seria o próprio a pagar", cfr. fls. 117 a 122.

    A vítima não conseguiu adiantar informações que os suspeitos considerassem pertinentes e aqueles acabaram por transportá-lo até à praia fluvial de ..., em ..., onde o libertaram, mas não sem antes lhe retirar a sua roupa à força, deixando-o apenas de boxers. No decurso de todo o trajeto, um dos suspeitos ia batendo na vítima e tecendo ameaças, dirigindo-lhe expressões atemorizadoras, nomeadamente "vamos deixar-te numa cave e trancar-te lá".

    As agressões de que AA foi alvo fizeram o ofendido sangrar abundantemente do nariz e um dos suspeitos entregou-lhe um lenço para que "não lhes sujasse o carro com sangue”. Já na praia fluvial, os suspeitos começaram a agredi-lo de modo mais veemente, atingindo-lhe o corpo com socos e pontapés, deixando-o com vários hematomas na cabeça, um corte no nariz e um deslocamento na clavícula, que lhe provocou fortes dores e o obrigou a receber tratamento.

    No período de tempo em que se encontrou com os suspeitos nesta zona, estes terão fumado cigarros, soprando várias vezes o fumo para dentro do saco de plástico que envolvia a cabeça da vítima, de modo a humilhá-lo, sufocando-o e ainda terão arremessado para a água as suas botas "... 5" (que avalia em cerca de 200€) e o seu telemóvel "..." (que avalia em cerca de 40€). Subtraíram-lhe ainda uma bolsa tiracolo da marca ..., de cor ..., a chave da sua viatura da marca ..., modelo ...06, com a matrícula ..-..-LR (com valor estimado em cerca de 2000€, cfr. fls. 65, 99, 143 e 144), um cartão de crédito, que o ofendido o cancelou posteriormente e um molho de chaves, onde se incluíam as chaves da sua casa em ... e da casa da sua avó.

    AA viu-se assim forçado a vaguear pela zona de mato adjacente à praia fluvial de ..., ferido, assustado e com frio, já que se encontrava apenas com roupa interior e estava bastante frio naquela madrugada de 23/12/2022. Andou descalço durante cerca de uma hora até conseguir auxílio junto de umas residências, onde um habitante comunicou os factos e levou a que a vítima fosse transportada para o hospital, onde recebeu assistência médica, cfr. fls. 64, 77 a 99, 117 a 122 e 123.

    Dois dias após os factos descritos, a viatura da vítima foi furtada, suspeitando-se que terá sido pelos autores do crime terão sido os aludidos agressores, que tinham na sua posse a chave do veículo, cfr. fls. 121, 129 a 132.

    Inquirido AA, o mesmo explicou que terá sido abordado pelos suspeitos que partilhou, no passado, uma relação de amizade com EE, seu conhecido da localidade de ..., que tem conhecimento que já teve alguns problemas relacionados o tráfico de estupefacientes. Este indivíduo foi identificado como EE, nascido a .../.../1999, verificando-se que o mesmo viajou para o ... em .../.../2023, cfr. fls. 126 a 128, 137 e 138.

    Tais factos são suscetíveis de consubstanciar, em abstrato, a prática de um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do Código Penal, em concurso real e efetivo com a prática do crime de roubo, p. e p.., pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

    Apesar da confirmação dos factos sob investigação, não existe, por ora, quaisquer indícios que permitam identificar os indivíduos que praticaram os factos acima referidos, ou, sequer, que permitam abrir uma qualquer linha de investigação capaz de atingir tal desiderato, para além dos eventuais exames perícias de ADN para análise dos vestígios apreendidos na referida praia, para comparação com perfis registados nas bases de dados, que infra se irá determinar, sendo que é pouco provável que os mesmos venham a surtir qualquer efeito prático.

    Ademais, os factos acima expendidos revestem elevada gravidade e enquadram-se, nos termos do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, na criminalidade altamente violência, exigindo a utilização de todos os meios de prova legalmente disponíveis para determinar a identidade dos seus autores.

    Ora, a utilização de telemóveis é, nos dias que correm, algo de banal, atendendo ao nosso contexto cultural e temporal, nomeadamente no nosso país onde o número destes aparelhos já ultrapassa o número de habitantes.

    Desta forma, é possível supor, de forma razoável e bastante segura, que os indivíduos que praticaram os factos supra descritos se fizessem acompanhar de telemóveis, no momento em que os praticaram, aliás atendendo que os suspeitos que esperavam pelo ofendido, precisamente no local da praia isolado, levado pelos demais indivíduos de identidade desconhecida no interior do veículo, tudo indica que os mesmos estariam acompanhados de telemóveis de forma a combinarem e partilharem o local exato, na praia, onde teriam de esperar por AA.

    Assim sendo, os agentes dos crimes praticaram os factos acima descritos num período temporal definido, em local da prática dos factos acima expendidos totalmente identificável, mais precisamente, de um local à beira-rio, numa estrada em terra batida, perto do ..., na ..., local ermo e isolado do resto das populações, onde a passagem de indivíduos, no período do final da noite/madrugada é bastante reduzido, senão quase inexistente, conforme melhor resulta do relatório fotográfico e características apuradas do local, junto aos autos.

    Mais, circunstanciando o evento no tempo, no dia 22/12/2022 pelas 22h00 e às 0h00 do dia 23/12/2022 de madrugada, mês de dezembro, com frio e nas vésperas das festas natalícias, é muito pouco provável que, no período das horas em que os suspeitos circularam, outras pessoas estivessem também presentes, considerando as características da localidade, as condições meteorológicas e a altura do ano. Pelo que unicamente os 4 (quatro) suspeitos por si protagonizados e insuscetíveis de serem confundidos com qualquer outra pessoa, pelo que é possível individualizar os telemóveis que tenham estas características muito particulares e, desta forma, chegar à identificação dos seus utilizadores, os agentes dos factos em investigação.

    Assim sendo, entendemos ser necessária a aquisição dos eventos de rede obtidos e registos através das antenas de BTS que fazem a cobertura do local dos factos, no período compreendido entre às 22h00 do dia 22/12/2022 e às 0h00 do dia 23/12/2022.

    Estes elementos, – eventos de rede -, são capazes de permitir a individualização dos números de telemóvel que podem estar a ser utilizados pelos autores dos factos e em período alargado naquela mesma área. Trata-se de elementos essenciais à prossecução da presente investigação, não sendo passíveis de obter de outra forma. A obtenção dos dados de tráfego das células das antenas das operadoras móveis tem por único objetivo a identificação dos números de telefone e IMEI’s que foram registados nas referidas células e não o conteúdo das comunicações ou das conversas realizadas.

    Pretende-se exclusivamente a identificação do número de telefone ou IMEI que esteve naquela área, não pressupondo qualquer ato de comunicação, bastando, para o efeito, determinar que o aparelho telemóvel esteve naquela área e àquela hora.

    Desta forma, no presente instante, a única linha de investigação possível que pode permitir lograr apurar a identidade dos agentes dos factos consiste em determinar a utilização de telemóveis, no momento e local da prática dos factos e esperar que uma destas identificações conduza à identificação dos suspeitos.

    Ora, atento ao facto de esta constituir a única linha de investigação, nos presentes autos colocar-se-á a problemática de saber se os elementos que se pretende obter constituem prova proibida, nos termos dos artigos 125.º, e 126.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, e artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, por força da posição adotada pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 268/2022.

    O mencionado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT