Acórdão nº 110/22.3T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., no âmbito dos autos com o NUIPC 110/22.3T9STB foi, em 9 de dezembro de 2022, proferida a seguinte decisão (transcrição): “Autue como processo comum, com a intervenção de Tribunal Singular.

* O Tribunal é competente.

* Concluso o processado para prolação do despacho a que faz referência o artigo 311º, n.º 1, do Código de Processo Penal, cumpre proceder ao seu saneamento, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa e que, desde logo, se possam conhecer.

Nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal, a acusação deve ser rejeitada se for considerada manifestamente infundada.

A acusação considera-se manifestamente infundada se os factos não constituírem crime (cfr. artigo 311.º, n.º 3, alínea d)).

* O Ministério Público deduziu acusação contra AA, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, com publicidade e calúnia, p. e p. pelo artigo 187.º, nºs 1 e 2, alínea a), 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Cód. Penal.

* Para o que aqui interessa, constam da acusação pública deduzida os seguintes factos: 1. A Guarda Nacional Republicana – GNR é uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa, sendo que tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e protecção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei.

  1. Sucede que, o arguido, por se encontrar a ser investigado pela GNR, designadamente no âmbito do processo crime n.º 585/21.... decidiu efectuar diversas publicações na sua página de Facebook, visando a dita instituição, de forma a descredibilizá-la perante si próprio e terceiros, afirmando factos que não correspondem à verdade.

  2. Assim, na prossecução de tal plano, no dia 13 de Janeiro de 2021, o arguido efectuou uma publicação pública na sua página da Internet do Facebook (...) na qual escreveu: “eu quando trabalhava nao dormia como gnr em plena rua já os vi a dormir dentro do carro …. Palhaços incompetentes ladrões traficantes abusadores sexuais e ficamos por aqui”.

  3. No dia 27 de Abril de 2021, o arguido efectuou uma publicação pública na sua página da Internet do Facebook (...) na qual escreveu: “vivenda da ... uma das maiores casas de prostituição do pais frequentada por todo o tipo de pessoas desde o jardineiro ao ser do ferrari passando por gnr psp oficiais de justiça” 5. No dia 28 de Abril de 2021, o arguido efectuou uma publicação pública na sua página da Internet do Facebook (...) na qual escreveu: “podemos falar do ex gnr BB com outros dos nic que era um dos cabecilhas de uma rede de trafico de armas dentro da gnr que durou mais de 20 anos”.

  4. Com as ditas publicações quis o arguido dizer que a GNR é uma instituição em que não se trabalha, que é composta e integrada por elementos que se dedicam à actividade de prostituição, proxenetismo, trafico e abuso sexual, que é uma instituição incompetente como todos os seus integrantes, bem como que se desenvolve no seio e como actividade principal de tal força policial o tráfico ilegal de armas.

  5. As afirmações e factos que o arguido proferiu na sua página pública do Facebook são falsas e não correspondem à verdade, tendo sido por ele inventadas e correspondem, assim, a uma completa distorção da realidade.

  6. O arguido sabia que todas as afirmações que proferiu e supra se descreveram eram totalmente falsas e não correspondiam à verdade, até porque nunca as vivenciou ou presenciou, mas decidiu proferi-las na mesma como retaliação e apenas porque assim lhe apeteceu, sabendo que o Facebook e a Internet têm um grande número de utilizadores, cujas publicações foram e podiam, posteriormente, ser visualizadas por um número indeterminado, mas muito alargado, de pessoas, assim facilitando a sua divulgação e conhecimento pelo público em geral, através da referida rede social e da Internet.

  7. Ao agir conforme descrito, o arguido actuou com o propósito, concretizado, de ofender a credibilidade, a prestígio, a bom nome, a confiança, a imagem e a reputação da ‘Guarda Nacional Republicana – GNR’ junto da comunidade local, em especial, e do país em geral, bem sabendo que as expressões por si utilizadas eram aptas a alcançar tal resultado, como pretendia e conseguiu.

  8. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

* Comete um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação.

O bem jurídico protegido pela incriminação é a credibilidade, o prestígio e a confiança do organismo, serviço, pessoa colectiva, instituição ou corporação, seja ele dotado de autoridade pública ou não. – Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal (…), Universidade Católica Editora, 2008, página 508.

O tipo objectivo do ilícito previsto no artigo 187.º do CP consiste na difusão de factos inverídicos sobre organismo, serviço, ou pessoa colectiva que sejam susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança destas entidades, não tendo o agente fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros. – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/02/2019, processo n.º 316/17.7T9SEI.C1, disponível in www.dgsi.pt.

Factos inverídicos são, factos não verdadeiros. Além do mais, tais factos têm de ser capazes - no sentido de idóneos - de ofender a credibilidade, prestígio ou confiança da pessoa colectiva. Tal idoneidade para causar a ofensa tem de ser aferida de forma objectiva segundo o padrão de um homem médio, ou seja, o facto tem de se apresentar como objectivamente adequado – cláusula de adequação - para colocar em causa a reputação social - credibilidade, prestígio e confiança - da pessoa colectiva (…). – idem. O crime de ofensa a organismo, serviço e pessoa colectiva é um crime doloso, admitindo qualquer uma das formas de dolo previstas no art. 14.º do Código Penal. * Regressando ao caso concreto, entendemos que as expressões constantes do ponto 3 da acusação deduzida pelo Ministério Público (“Palhaços incompetentes ladrões traficantes abusadores sexuais e ficamos por aqui”) não correspondem a factos mas sim a juízos de valor.

O facto desonroso ou ofensivo da honra é o acontecimento da vida real cuja revelação atinge a honra do seu protagonista. (…) O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objecto do juízo. – Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal (…), 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, página 274.

As referidas expressões correspondem ao que o Arguido pensa, o que nos coloca imediatamente no campo dos juízos de valor.

No referido comentário é revelada uma valoração e não um acontecimento real.

Ora, o elemento objectivo do tipo-de-ilícito agora em causa apenas contempla a afirmação ou propalação de factos inverídicos. Ou seja, o art. 187.º, n.º 1, do Código Penal não incrimina a manifestação de juízos de valor.

As afirmações produzidas consubstanciam essencialmente a emissão de juízos de valor e não de factos que devam ser...

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